Uma pesquisa recente revelou que a população de uma única espécie de coral na ilha principal do Refúgio de Vida Silvestre (REVIS) do Arquipélago de Alcatrazes, localizado no litoral sul de São Paulo, é capaz de sequestrar aproximadamente 20 toneladas de carbono anualmente. Esse valor corresponde à emissão resultante da queima de cerca de 324 mil litros de gasolina. Os achados foram publicados na revista Marine Environmental Research por um grupo de pesquisadores do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), em Santos, com o apoio da FAPESP.
A pesquisa focou no coral-cérebro (Mussismilia hispida), cuja estrutura esquelética é predominantemente composta por carbonato de cálcio (CaCO3). Utilizando tomografia computadorizada, os cientistas puderam determinar a taxa anual de crescimento das colônias e estimar uma produção total de 170 toneladas desse mineral a cada ano.
O carbonato de cálcio, formado por cálcio, oxigênio e carbono, desempenha um papel crucial na dinâmica do carbono na atmosfera. O carbono, quando liberado na forma de gás carbônico (CO2) devido à combustão de combustíveis fósseis, contribui para o efeito estufa.
Segundo Luiz de Souza Oliveira, primeiro autor do estudo e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Ecologia Marinha da Unifesp, a utilização da tomografia permitiu visualizar as bandas anuais de crescimento dos corais. Com dados coletados entre 2018 e 2023, foi possível calcular não apenas a produção de carbonato de cálcio, mas também a quantidade de carbono retida pelas colônias anualmente.
No entanto, para quantificar a produção total do carbonato entre todas as colônias do arquipélago, os pesquisadores precisaram determinar a área ocupada pela espécie no fundo marinho. A coautora Mônica Andrade da Silva contribuiu significativamente nessa etapa ao realizar um levantamento prévio utilizando técnicas sonográficas para mapear o leito marinho como parte de seu mestrado, também financiado pela FAPESP.
Guilherme Henrique Pereira Filho, coordenador do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LABECMar) do IMar-Unifesp e orientador do estudo, destacou que as taxas de crescimento observadas nos corais eram superiores às expectativas iniciais, comparáveis às encontradas em recifes tropicais. Ele expressou surpresa com esses resultados, considerando que corais subtropicais geralmente são vistos como marginalizados em relação às suas condições ótimas.
Os recifes tropicais, como os presentes em Abrolhos e Fernando de Noronha, apresentam taxas semelhantes na produção de carbonato. Contudo, permanece incerto o motivo pelo qual os corais em Alcatrazes não formam recifes significativos nas proximidades das ilhas. Uma possibilidade levantada é que esses corais tenham colonizado a região há relativamente pouco tempo — entre dois e três mil anos — limitando assim seu desenvolvimento estrutural. Outra hipótese considera a frequência maior das tempestades na área como um fator destrutivo para as colônias.
Contribuição ao Meio Ambiente
O estudo sublinha a importância dos corais no sequestro de carbono como um serviço ecossistêmico relevante oferecido pelo Refúgio da Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes. Embora a proteção da biodiversidade marinha seja o foco mais conhecido dessa unidade conservacionista, o papel dos corais no equilíbrio do carbono atmosférico é igualmente significativo.
Os dados obtidos representam um passo inicial para elucidar o papel dos recifes subtropicais no ciclo global do carbono. Enquanto os recifes tropicais podem ter uma taxa maior de emissão em relação à absorção devido à intensa respiração dos organismos ali residentes, os ambientes subtropicais como Alcatrazes têm potencial para funcionar como sumidouros efetivos devido à abundância de macroalgas que capturam CO2 através da fotossíntese.
Adicionalmente, o armazenamento mineralizado do carbono pelos corais pode perdurar por séculos ou milênios, diferentemente do carbono orgânico resultante da fotossíntese, que é rapidamente reintegrado à atmosfera através da respiração e decomposição.
A equipe da Unifesp identificou também grandes quantidades de carbonato de cálcio nos sedimentos da ilha principal. Esses depósitos se formam a partir da degradação dos esqueletos dos corais e outras estruturas orgânicas como conchas e podem permanecer no fundo marinho por longos períodos.
Pereira Filho enfatiza que a valorização social das áreas como Alcatrazes frequentemente se limita à proteção pesqueira. No entanto, esses ecossistemas também desempenham serviços essenciais em um cenário global marcado pela emissão contínua de carbono proveniente da atividade humana.