Rafael Galdino compara discussão sobre Universidade da Floresta com baile de máscaras
O coordenador do Ceflora, o braço de extensão tecnológica do projeto da Universidade da Floresta, Rafael Galdino, fez um 'desabafo pessoal' na mesa-redonda "Prioridades na Pesquisa sobre o Alto Juruá", quarta-feira, na Reunião Regional da SBPC em Cruzeiro do Sul.
"O conceito de Universidade da Floresta está abafado por falta de recursos e por nossa incapacidade de dar as condições mínimas para esse diálogo acontecer", disse ele.
"Esse abandono da construção do diálogo dos saberes entre o conhecimento tradicional e o científico tem sido o principal ponto fraco da Universidade da Floresta", diz Galdino. Segundo ele, esta é a voz que tem ouvido nas comunidades.
Nos últimos seis meses, a Reunião Regional foi a primeira oportunidade que surge para trocar idéias e impressões dos indígenas e dos extrativistas, disse o coordenador. Decorreram seis meses desde que foi realizada a I Reunião Anual para debater o tema em Cruzeiro do Sul, no início de dezembro de 2006.
Com a ressalva de que fala 'como pessoa e não como gestor de política pública', Galdino comparou a um baile de máscaras a Reunião em Cruzeiro do Sul.
"A impressão que fica do evento é que é uma festa e todos estão mascarados. Uma máscara é o aquecimento global, outra a discussão antropológica e epistemológica em relação ao conhecimento tradicional. Amanhã essa festa vai acabar. Vamos tirar as nossas máscaras, estar face a face com os mesmos problemas e sem a companhia estimulante de vocês".
"A gente tem que transformar isso numa estratégia perene se a gente quer que a Universidade da Floresta seja da Floresta", recomenda Galdino. "A impressão que fica é que a Universidade da Floresta se tornou a Universidade na Floresta com os mesmo rituais, com os mesmos problemas, com a mesma ortodoxia que impede que se faça algo diferente", afirmou.
Após o diagnóstico, Rafael Galdino citou "informações positivas". Começa em junho o curso de capacitação profissional em web designs para os índios poiwanawa.
A oferta deste ano é de 35 cursos do Ceflora para as comunidades indígenas, dos quais 15 serão dados na escola Saber Compartilhado, dos Ashaninkas em General Thaumaturgo. No total serão atendidos 1.050 indígenas, informou.
Conforme Galdino, as lideranças indígenas vão indicar os temas dos cursos que estão agendados para este ano. As opções de escolha para os cursos de 80 a 200 horas de aula abrangem áreas como piscicultura, pesca sustentável, apicultura, florestal, agroflorestal, ecoturismo, formação de gestores de projetos ('bastante solicitado pelas comunidades') e cursos na área de saúde.
Galdino diz que no dia próximo 22 será apresentado em Cruzeiro do Sul o Programa Estadual de Economia Solidária, com investimento de R$ 8 milhões por ano.
Pela primeira vez o Ceflora vai atuar com linha de financiamento de projetos comunitários, com uma carteira de 55 projetos de até R$ 110 mil e 10 projetos de até R$ 250 mil. "No final do ano será lançado o edital", anuncia o coordenador.
Em 2006, o Ceflora atendeu a 1084 alunos. "Este ano vamos interiorizar, dar um passo na direção da floresta com 35 cursos nas terras indígenas", disse Galdino.
O coordenador informou que a sede do Ceflora vai para o prédio onde são dadas aulas da Ufac, quando os cinco cursos forem transferidos para o novo campus.
Segundo ele, o BID financia as instalações com R$ 650 mil para reforma do prédio e R$ 300 mil para equipamentos. Vão ser montados laboratórios de ciências, de tecnologia de alimentos e de produtos florestais.
Por ser um órgão do governo do Acre, do Centro de Educação Profissional Dom Moacir, o Ceflora tem mais flexibilidade e desde o começo foi sido apontado como porta de entrada para as populações tradicionais na Universidade da Floresta, observa Galdino.
De acordo com o coordenador, o Ceflora procura valorizar e construir o lugar do conhecimento tradicional dentro da Universidade da Floresta. Para isso, criou o Laboratório dos Povos da Floresta.
"É uma iniciativa que tem como objetivo enfrentar esse desafio e promover a cultura científica para jovens das comunidades tanto indígenas como não indígenas. Foi essa a forma que encontramos para construir essa ponte entre o saber tradicional e o saber científico", disse Galdino.
O coordenador relata que desde o começo o Ceflora trabalha integrado com a Ufac no projeto da Universidade da Floresta, "que tem como lugar central o conhecimento tradicional. Enfrentamos muitas dificuldades nesse processo de encontrar o lugar do conhecimento tradicional na Universidade, até mesmo porque o Ceflora é ligado ao governo do Estado e não um órgão da Universidade".
Para Galdino, as dificuldades são inerentes à própria estrutura ortodoxa da Universidade. "Por isso, resolvemos então iniciar um experimento educacional paralelo alternativo que chamamos Laboratório dos Povos da Floresta".
Nesta iniciativa, o Ceflora dá a orientação técnica aos projetos. "Estamos co-orientando projetos, mas quem orienta são pessoas de notório saber das comunidades".
A iniciativa começou com três jovens. Hoje, 20 jovens estão engajados em projetos na reserva extrativista do rio Liberdade, na terra indígena Arara (experimento com cinema), na reserva extrativista do Alto Juruá, em comunidades urbanas e periurbanas em Rodrigues Alves e Cruzeiro do Sul.
O Laboratório trabalha com os jovens fundamentos para a pesquisa: digitação, informática, língua portuguesa, redação, interpretação de textos e a parte científica, com aulas de biologia, química e física.
"Tentamos fazer com que os problemas da comunidade sejam transformados em perguntas, em projetos de pesquisa", explica Galdino.
Em vez de tentar ensinar temas da ciência como DNA, biodiversidade e ecossistemas, o coordenador foi aconselhado a começar pelo ensino de digitação aos alunos que estavam fascinados com a habilidade dos instrutores de digitar sem olhar para o teclado, para depois motivá-los para a ciência.
Nas oficinas de interpretação de texto, Galdino conta que usa revistas Pesquisa Fapesp que recebeu de doação, pois não temos biblioteca. "Decidimos esperar que as perguntas científicas aparecessem espontaneamente, induzindo as questões", informa.
O primeiro projeto foi sobre caça ao longo de 30 anos no rio Liberdade mas não saiu financiamento nem bolsas para o trabalho de campo. O projeto não dispõe de bolsa. Outro grupo estuda a alta incidência de Malária na reserva extrativista do rio Liberdade.
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