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Panorama Rural

Controle que exige disciplina

Publicado em 01 novembro 2008

A erradicação das pragas e doenças que vêm ganhando espaço nas lavouras brasileiras tem-se mostrado cada vez mais de difícil ou até de impossível. Nestes casos, a convivência é a única solução, É o caso do bicudo do algodão, da ferrugem asiática da soja e da vassoura-de-bruxa do cacau, entre várias outras, Além dos prejuízos causados, elas requerem do produtor mudanças no manejo da plantação, Elas dizem respeito à prática diária de trabalho, com mais disciplina para fazer um controle cuidadoso da lavoura.

Com a diminuição da queima das folhas da cana antes da colheita, a presença da Mahanarua fimbriolata, mais conhecida como cigarrinha-da-raiz da cana-de-açúcar, tem aumentado no listado de São Paulo. Uma praga como essa chega para mudar a rotina do produtor e, se este não se dispuser a adotar medidas de controle permanentes, como o monitoramento constante da infestação, por exemplo, ela pode comprometer até 60% da produção,

A presença da cigarrinha-da-raiz nos canaviais não é nenhuma novidade, mas o que acontece é que, anteriormente, com a queima, as populações do inseto eram reduzidas drasticamente, À medida que o fim dessa prática avança, avança também a cigarrinha, O pior é que, além das perdas quantitativas com a diminuição da produção, as lagartas da cigarrinha-da-raiz geram também perda qualitativa, uma vez que contaminam a matéria-prima que é industrializada, atrapalhando seu rendimento. Números do Instituto Biológico (IB), órgão da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), revelam que a distribuição da praga em São Paulo está mais limitada às áreas de corte mecanizado, que abrangem mais ou menos 40% de 3,5 milhões de hectares.

Controle biológico

De acordo com José Eduardo Marcondes de Almeida, agrônomo e pesquisador da área de Entomologia do IB, o controle biológico é um método eficiente e barato de combate à praga. Através do fungo Metarhizium anisopliae, inimigo natural das cigarrinhas, é possível controlar a populações do inseto e conviver com níveis aceitáveis de dano.

Depois de aplicado na lavoura e de germinar, os fungos penetram na cigarrinha em até três dias, O período de colonização ocorre de dois a quatro dias e a esporulação em dois a três dias, dependendo das condições do ambiente, O ciclo total da doença, que desencadeará a morte da cigarrinha, dura entre oito e dez dias.

Os primeiros trabalhos com o manejo integrado de cigarrinhas foram feitos na Região Nordeste. Lá, mais precisamente em Alagoas, trabalhos realizados de 1977 a 1991, mostraram que o M. anisopliae foi capaz de reduzir em 72% os índices de manifestação dessa praga. Entretanto, para chegar lá, é necessário fazer o monitoramento da infestação.

Em São Paulo, o IB vem desenvolvendo pesquisas de controle biológico da cigarrinha-da-raiz com o fungo M. anisopliae. O projeto temático, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), conta com a parceria da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (EsalqQ/USP) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar/Araras).

Monitoramento contínuo

O monitoramento do canavial deve ser feito a cada 15 ou 30 dias, dependendo do histórico da área, Se for uma área de alta infestação anterior, deve se monitorar a cada 1.5 dias, A orientação dos técnicos é que seja feito em dois pontos distintos de cada hectare. Para faze-lo, o produtor deve usar um gabarito de dois metros, Ele escolhe o ponto da lavoura, afasta a palha, faz a contagem do número de ninfas naquele espaço e depois tirar a média por metro linear. O controle biológico faz-se necessário quando essa média atinge de uma a duas ninfas por metro linear. Para o controle químico, espera-se um pouco mais, em torno de cinco a seis ninfas por metro linear.

"O controle biológico é, na verdade uma medida preventiva e não curativa. A idéia é que o produtor vá inoculando esse material ao longo do tempo, fazendo com que a população entre em equilíbrio", explica Almeida. O fungo é produzido no arroz. Esse arroz é levado para a lavoura, lavado e batido em tanques de água, que vão resultar na suspensão de conídio bem forte. Normalmente, usam-se cinco quilos (arroz + fungo) por hectare. A aplicação pode ser feita através de pulverização aérea com água ou granulada, "O pessoal costuma lançar, a partir de aviões, de sete a dez quilos de arroz por hectare. O uso do avião permite uma boa aplicação, mas esse método geralmente é usado quando o número de ninfas já superou a média recomendada para o controle biológico, atingido de cinco a seis ninfas por metro linear."

Para quem quer fazer o trabalho corretamente, o ideal é que o produtor comece o monitoramento junto com o período das chuvas, em setembro ou outubro, e que faça uma avaliação do material para decidir a hora exata para a aplicação do fungo, ainda mais porque no interior de São Paulo é comum haver veranicos, momentos em que não se pode aplicar o fungo. A partir do momento que começa a chover mais regularmente, a ação do fungo torna-se mais intensa, inclusive, ocasionando um efeito chamado episotia (o mesmo que epidemia, no caso dos seres humanos), em que haverá um controle de até 90% da cigarrinha.

Esses monitoramentos devem se estender até o mês de março e, ao longo desse período são feitas até duas aplicações de fungo. Há lavouras que, no entanto, requerem apenas uma única aplicação para se conseguir manter o controle. "A ocorrência da cigarrinha, depende também da variedade de cana-de-açúcar utilizada. Isso tem mudado um pouco, mas materiais como SP80-1842, SP70-1816, RB85-5336 e RB85-5536 são alguns dos prediletos da cigarrinha. Alguns produtores já têm se prevenido um pouco quanto a essa questão da variedade; além disso, novas variedades para contornar esse problema também têm chegado ao mercado", diz Almeida.

Falhas mais comuns

Entre as falhas mais comuns cometidas pelo produtor durante o controle da cigarrinha-da-raiz, está o fato de deixar a infestação passar muito da média aceitável, o que ocorre por falta de monitoramento. Outro problema é fazer as aplicações erradas, como, por exemplo, no desespero de ver a lavoura sendo tomada pela praga, jogar o fungo num horário ou com uma umidade inadequada. Almeida faz questão de deixar claro que não se pode aplicar de qualquer jeito para que o fungo não morra. Para isso, o indicado é que se faça sempre a partir das 16 horas e com umidade relativa acima de 65%. É também comum o uso de pulverizadores de herbicidas mal lavados, o que acaba matando o fungo.

Falhas como essas podem fazer com que os danos da cigarrinha fujam do controle, levando o produtor em não raras oportunidades ao desespero e fazendo com que adote medidas equivocadas. "Além disso, ele quer resolver logo de cara, num imediatismo que atrapalha. No caso do tratamento com o fungo, ele deve ter em mente que o controle leva algum tempo para se estabelecer plenamente; nos calculamos de três a cinco anos, Quem tem feito isso, tem-se dado bem, tem conseguido manter a população sob controle", diz Almeida.

Não obstante, o pesquisador chama a atenção ainda para a diferença de custos. Segundo ele, a aplicação de defensivo químico custava ao produtor, antes da alta do dólar registrada em outubro, algo em torno de R$ 200 por hectare. Com o controle biológico, esse custo cai para cerca de R$ 50. A esse respeito, Almeida destaca que as usinas, que são mais tecnificadas estão se prevenindo mais, mas os seus fornecedores são os mais atrasados e sofrem mais com a praga. Com isso acabam remediando com inseticida químico e gastando mais, A aplicação do controle biológico se dá, hoje, em torno de 250 mil hectares em São Paulo".

Desordem fisiológica

O início do período das chuvas em setembro é o despertar para uma nova geração de ninfas de cigarrinhas. Esta primeira geração não é tão numerosa, mas chega rápido ã idade adulta, quando, com o aumento do fotoperíodo e da umidade do ambiente, irá se reproduzir intensamente lançando entre os meses de dezembro e janeiro a segunda geração de ninfas. Esta, sim, vai provocar os maiores danos à lavoura em função da numerosa população. Os estragos se tornam mais significativos entre os meses de fevereiro e março. Depois disso, a população volta a diminuir com a mudança climática, porém, ainda tem tempo para lançar novos ovos que ficarão à espera do próximo período chuvoso.

As ninfas da cigarrinha se desenvolvem sobre as raízes mais superficiais e expostas das plantas hospedeiras, sugando-as para se alimentarem e causando o que Almeida chama de desordem fisiológica. O ataque destrói os vasos lenhosos da raiz, comprometendo o fluxo de água e nutrientes para as outras partes de planta. Muitas vezes, o resultado é a própria morte da raiz. Uma das características de sua ocorrência é a presença de uma espuma branca e espessa, que serve de proteção.

Já na fase adulta, os insetos costumam passar o dia escondidos na olhadura ou no enviés das folhas, saindo apenas com o pôr do sol. Seu ataque se dá sobre as folhas da gramínea. As cigarrinhas injetam toxinas que gradativamente vão reduzir a capacidade de fotossíntese das folhas e o conteúdo de sacarose do colmo. Além disso, essas perfurações vão gerar contaminação da seiva da planta por microorganismos, que pode acabar causando a morte do colmo.

No final das contas, além de retirar água da planta e fazê-la crescer menos, o que redunda em perdas de toneladas por hectare, a ação do inseto ainda contamina a seiva. Esta contaminação afeta também a qualidade da produção de álcool ou açúcar na indústria, que irá trabalhar com um caldo contaminado.

O pesquisador José Eduardo Marcondes de Almeida disponibiliza seu e-mail (jemal-meida@biologico,sp.gov.br) aos interessados em obter maiores informações.