Imagine um prato com mexilhões fresquinhos. O fruto do mar é um dos mais apreciados não só no Brasil mas no mundo afora. No entanto, agora pense que em apenas um desses mariscos, como é chamada a iguaria em algumas regiões, seja possível encontrar centenas, milhares ou até milhões de microplásticos.
É exatamente isso que revela um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) no estuário de Santos, litoral paulista. O local é um dos que possuem maior contaminação por microplásticos no mundo atualmente. Nesse sentido, a pesquisa avaliou três áreas: a região da balsa Santos-Guarujá, a praia do Góis e a ilha das Palmas.
alta concentração
A primeira, ou seja, a região da balsa que liga Guarujá a Santos, é a que possui maior índice de contaminação por microplásticos. No trecho, os mexilhões avaliados apresentaram o pior estado nutricional e de saúde. Em suma, os mariscos possuem em média entre 12 e 16 partículas plásticas.
Além disso, a concentração pode ser infinitamente maior. Além disso, uma das preocupações dos investigadores é com os pescadores da região, que acabam consumindo ou mesmo comercializando os produtos. É o que destaca o doutorando no Instituto do Mar (IMar-Unifesp), Victor Vasques Ribeiro.
“Em um dos mexilhões, nós encontramos mais de 300 microplásticos por grama. É importante destacar que o ponto de coleta do Góes era uma comunidade tradicional de pescadores até bem pouco tempo. Hoje, vive cerca de 300 pessoas ali, uma praia que é meio afastada e só dá para chegar de barco ou por uma trilha. Muito provavelmente, (essas pessoas) consomem esses animais na dieta, tendo em vista que esse paredão rochoso é de fácil acesso aos pescadores”, destaca Victor Vasques Ribeiro, doutorando no Instituto do Mar (IMar-Unifesp).
O estudo teve publicação na revista Ciência do Meio Ambiente Total foi monitorado durante o mestrado de Ribeiro, com apoio da FAPESP.
Conforme os autores, entenda-se por estuário um ambiente aquático de transição entre um rio e o mar, que acaba sofrendo a influência das marés e apresenta áreas de grande variabilidade. Estas regiões dependem desde as águas doces, na região da cabeceira, passando pelas águas mais salobras, até chegar às águas marinhas, próximo à sua desembocadura. Esses ambientes preservam um dos ecossistemas mais importantes do país, os manguezais, que, por sua vez, servem de abrigo e berçário para um grande número de animais.
O estuário de Santos, que fica na região metropolitana da Baixada Santista, abriga o maior porto da América Latina e está sob a influência direta de descargas de resíduos industriais e sanitários dos municípios ao seu redor.
problema antigo
Segundo o professor da Unifesp, Ítalo Braga de Castro, a fumaça por microplásticos na região não é nenhuma surpresa.
“Como eu já estudava outros contaminantes, via que essa região era recordista de contaminação também para outras substâncias químicas perigosas. Aqui, nós temos o porto mais movimentado da América Latina e um dos maiores adensamentos urbanos brasileiros. Santos é uma cidade populosa: considerando toda a Baixada Santista, temos algo em torno de 1 milhão de habitantes. Tudo isso contribui para que o estuário seja alvo do lançamento de várias substâncias químicas perigosas e resíduos, que vêm das atividades domésticas e industriais, além do transporte de materiais plásticos no mar”, afirma.
Todavia, segundo Castro, o diferencial desta pesquisa é mostrar que tanto as ostras quanto os mexilhões funcionam como sentinelas da contaminação por microplásticos. A conclusão se baseia em experimentos feitos com duas espécies: a Crassostrea brasiliana, popularmente conhecida como ostra-de-pedra, e o Perna perna, ou mexilhão marrom.
“A partir disso, podemos ampliar a pesquisa, usando os dois organismos para meditar, historicamente, as mudanças que ocorreram no nosso território”, acrescenta o professor.
Ampliação dos estudos
A preocupação dos pesquisadores, agora, é estudar outras regiões do litoral brasileiro para avaliar os níveis de contaminação das espécies por microplásticos.
Durante o doutorado de Ribeiro, o grupo pretende, com apoio da FAPESP, estender a análise para os estuários do Ceará, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
* Este conteúdo está alinhado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) ODS 14 – Vida na água