Notícia

Correio da Paraíba

Construindo casas com resíduos

Publicado em 12 julho 2009

São Paulo (Agência Fapesp) - O lodo resultante do processo de tratamento dos efluentes hídricos da fabricação do papel, formado por materiais como caulim - um tipo de argila muito usada pela indústria de porcelana - e celulose, foi reaproveitado de forma inovadora na produção de compósitos cimentícios para a construção civil, como blocos de vedação, pisos intertravados para calçadas e placas para forros. Areia, cimento e o resíduo obtido nas estações de tratamento de efluentes, depois do processamento adequado, formam uma argamassa que recebe a adição de brita para formar os compósitos. "A grande inovação está na composição do material", diz a professora Adriana Nolasco, do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) de Piracicaba, no interior paulista, coordenadora da pesquisa. "A partir da mesma base tecnológica é possível fabricar uma série de produtos."

A proporção do lodo na composição varia de acordo com a aplicação. Os testes de resistência à compressão apontam que blocos de vedação, painéis divisórios e tijolos compactados, componentes que exigem maior desempenho físico-mecânico, podem receber de 5% a 10% do resíduo, enquanto placas de forro e painéis isolantes termoacústicos permitem a adição de 20% a 30% do material.

Olimpíada de inovação da USP

Foram escolhidas duas empresas com processos produtivos distintos para participar da pesquisa. A Papirus Indústria de Papel, de Limeira, fabricante de papel-cartão reciclado a partir de aparas, e a Votorantim Papel e Celulose, unidade de Piracicaba, que produz papéis para impressão e especiais a partir de matéria-prima virgem. A intenção era avaliar o desempenho de compósitos produzidos com resíduos de diversas fontes. O resultado mostrou variação insignificante no desempenho dos materiais obtidos, o que indica que mesmo resíduos obtidos em diferentes condições têm o mesmo potencial de aplicação.

O estudo, feito pela mestranda Samantha Nazaré de Paiva com orientação da professora Adriana, resultou em um pedido de patente do material e do processo de produção pela Agência USP de Inovação. O trabalho também ficou com o primeiro lugar na categoria de soluções sociais e ambientais na Olimpíada USP de Inovação, em dezembro do ano passado. "O aproveitamento do lodo possibilita a fabricação de novos materiais para construção com custo reduzido", diz a pesquisadora. "Ao mesmo tempo representa uma solução ambiental ao dar uma destinação adequada ao resíduo."

6º maior produtor das matérias-primas

A posição do Brasil como o sexto maior produtor mundial de celulose e o décimo primeiro no caso do papel é uma mostra dos grandes volumes dessas matérias-primas aqui produzidas. São cerca de 220 indústrias distribuídas em 17 estados. Dados do relatório estatístico 2007/2008 da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa) mostram que foram produzidos 12 milhões de toneladas de celulose e 9 milhões de toneladas de papel em 2007. O lodo de efluentes corresponde a cerca de 1% do volume dessa produção. A disposição mais usual desse resíduo são os aterros industriais, a um custo médio de R$ 65,00 a tonelada, além do valor do transporte. No entanto, pequenas empresas ainda utilizam aterros sanitários e lixões municipais, em desacordo com a legislação.

Um estudo anterior feito por Adriana aponta como 100 quilômetros a distância máxima entre as fábricas de materiais de construção e as indústrias de papel para tornar viável a produção. "Como esses materiais vão competir com os convencionais, é preciso levar em conta os custos de logística do lodo tratado para as fábricas", diz. O ideal é que a produção seja regional, no entorno da indústria de papel. "As indústrias poderiam fazer parcerias com as prefeituras ou com o terceiro setor para viabilizar pequenos negócios para produzir esses materiais."

Ao dar nova destinação ao lodo das estações de tratamento, as indústrias reduzem custos de transporte e disposição desses resíduos. As empresas fabricantes de material de construção também serão beneficiadas com a nova tecnologia. "Elas conseguem produzir um material de boa qualidade com redução no custo dos insumos." A tecnologia usada para a fabricação é a convencional, assim como as formas e dimensões dos componentes são os mesmos dos que estão no mercado.

Os resultados obtidos nessa pesquisa são fruto de duas décadas dedicadas ao aproveitamento de resíduos. Em 1989, durante a sua dissertação de mestrado na Escola de Engenharia de São Carlos, também da USP, Adriana produziu um compósito a partir de cimento e o lodo da indústria de papel. "Era um material muito leve para isolamento termoacústico, indicado para substituição de painéis pré-fabricados feitos com isopor", diz a pesquisadora. Como não encontrou nenhum parceiro comercial que se interessasse em produzir, o projeto não foi adiante.

Mas ela não desistiu. Continuou seus estudos nessa linha, que resultaram no desenvolvimento de um bloco cerâmico e de tijolos, feito com o mesmo resíduo e argila. Nesse projeto, conduzido de 1993 a 1996, Adriana teve a parceria da Votorantim de Piracicaba, que se encarregou de contatar as olarias e indústrias cerâmicas do município. Dessa vez o desfecho foi outro e quase imediatamente ao fim da pesquisa os blocos cerâmicos feitos com resíduos entraram em produção comercial, por meio de várias empresas, a partir de 1996, licenciados pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). A indústria cerâmica também se beneficiou, porque como o resíduo é bastante úmido houve redução no consumo de água para a produção dos blocos cerâmicos. "A celulose evita a retração do tijolo durante a secagem ao ar, antes da queima", diz Adriana. Quando a argila tem uma grande retração, muitos blocos se trincam e há perda do material. No processo de queima a celulose desaparece, mas o caulim, uma argila de altíssima qualidade, entra em ação. "A cerâmica ganha qualidade no acabamento e na resistência ao impacto."

Imobilizando fraturas com argila

São Paulo (Agência Fapesp) - Um novo material composto de uma resina polimérica recoberta com partículas de nanocerâmica, para aplicação em dispositivos usados na imobilização de punhos e outras partes do corpo, foi desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O nanocompósito, que foi concebido para ser vendido em forma de kits e aplicado sob medida de acordo com a necessidade de cada paciente, poderá ser enviado para qualquer parte do mundo. "No caso de um terremoto, por exemplo, se for necessário enviar material para imobilização de pernas e braços em larga escala, é uma forma rápida e prática de atendimento", diz o professor Antonio Ávila, coordenador do curso de pós-graduação em engenharia mecânica e orientador da tese de doutorado que resultou no novo produto, patenteado pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da universidade.

Uma das vantagens desse material em comparação com o importado usado nos dispositivos externos chamados órteses é o processo de moldagem a frio. "Quando misturada ao líquido endurecedor, a resina produz calor suficiente para permitir a modelagem do material", diz a professora Adriana Valladão, do departamento de terapia ocupacional da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, que desenvolveu o material durante o seu doutorado. O aquecimento não se compara ao do termomoldável importado, um plástico que precisa ser aquecido em água quente a até 70 graus Celsius para ser utilizado, mas a resistência e a rigidez dos materiais são muito semelhantes.

A moldagem a frio permite o uso do nanocompósito inclusive em pacientes com queimaduras. "Duas camadas externas recobrem uma camada interna mais rígida composta de um tecido em fibra de vidro e material nanoestruturado, para dar resistência", explica Ávila. Para dar mais conforto ao paciente, o tecido em fibra de vidro é envolto por uma borracha macia de neoprene, um material sintético usado em roupas de mergulho, por exemplo. Nos kits, os materiais que compõem as camadas externas, a interna e o neoprene serão colocados separadamente em pacotes. Na composição do material nanoestruturado que recobre a parte central entra a montimorilonita, uma argila com alta capacidade de absorção de água, que é tratada e queimada para se transformar em cerâmica. "A espessura da cerâmica que estamos trabalhando tem cerca de 50 nanômetros", diz Ávila. No Brasil existe uma jazida com esse tipo de argila, mas o processamento em granulação nanométrica não é feito aqui, por falta de tecnologia adequada. O quilo do material custa cerca de R$ 20,00, o que o torna apropriado para aplicações terapêuticas de baixo custo.

Materiais alternativos

Desde a época do mestrado, quando se dedicou à caracterização mecânica de materiais para órteses encontrados no mercado, Adriana se deu conta de que havia pouca diversidade à disposição. "Todos eram importados e caros", diz. A partir daí a pesquisadora começou a pensar em trabalhar com materiais alternativos, que contribuíssem para reduzir custos dos hospitais públicos e do Sistema Único de Saúde (SUS). Inicialmente Ávila havia pensado em utilizar o material nanoestruturado para aplicação aeronáutica, como extensão do seu pós-doutorado na área de engenharia aeroespacial na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, concluído em março de 2004. A proposta de usar a nanocerâmica em um material para órtese partiu de Adriana. O projeto começou a ser desenvolvido em 2004 e teve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Saúde.

A princípio, a ideia foi trabalhar com o material nanoestruturado para órteses de punho, mas ele poderá ser usado para pescoço, tronco e membros inferiores."Foi escolhida a órtese de punho porque é um tipo de dispositivo utilizado em várias patologias, como síndrome do túnel do carpo, tendinite e outras decorrentes de lesões por esforço repetitivo, para tentar minimizar ou diminuir o movimento do punho e, com isso, minimizar sintomas como dor e formigamento", diz Adriana. A síndrome do túnel do carpo é uma doença que ocorre quando o nervo que passa na região do punho (nervo mediano) fica submetido à compressão, causando dormência e formigamento nas mãos, principalmente nas extremidades dos dedos.