Cinqüenta anos após a sua fundação, a FEA/USP é desafiada pelas rupturas que marcam o final do milênio. Um desafio que exige visão prospectiva e flexibilidade. Isso é fundamental para que concilie as tradições já arraigadas e as inovações antecipadoras dos novos tempos.
Em seus primeiros cinqüenta anos, a FEA cresceu e firmou sua imagem, com milhares de alunos de graduação, centenas de mestrandos e doutorandos e um expressivo contingente de docentes e pesquisadores. É hoje uma instituição de referência nos campos de administração, contabilidade e economia. Ela se projetou acompanhando o Brasil, que viveu profundas transformações, para as quais seus egressos contribuíram, muitos de forma anônima, alguns com mais notoriedade.
Ao longo desse período, a população brasileira cresceu e grande parte dela mudou-se para as grandes cidades. A agricultura se expandiu. A indústria se desenvolveu. A esperança de vida se elevou. Para um largo segmento, a qualidade de vida melhorou. O analfabetismo vem diminuindo. A democracia, depois dos tropeços conhecidos, agora está consolidada.
Nas últimas cinco décadas, porém, também aumentou,, o fosso entre a minoria aquinhoada e a maioria de excluídos. A distribuição de renda tornou-se uma das piores do mundo. O desemprego é crescente. A violência no campo e na cidade aterroriza. O Estado está em crise. Muitas crianças vivem na rua e tantas outras não se alimentam.
Cinqüenta anos depois da fundação da FEA, apesar do progresso em tantas áreas, estamos longe de uma sociedade capaz de centrar no homem, o desenvolvimento econômico. Desenvolvimento que deveria tornar acessível para a maioria uma vida produtiva e saudável, em harmonia com a natureza. As inovações tecnológicas, como as de computação e comunicação, viabilizam - em quantidade e qualidade sem precedentes -, o acúmulo, a mobilidade e a acessibilidade da informação digital. Isso constitui um desafio para as instituições universitárias, semelhante àquele enfrentado cinco séculos atrás, quando do surgimento da palavra impressa e da conseqüente multiplicação dos manuscritos em livros.
Diante dessa nova era, a missão da FEA, o papel dos seus docentes e pesquisadores, sua contribuição para a pesquisa e seus ciclos de formação merecem ser repensados. Os currículos e programas deverão evoluir para antecipar as necessidades dos jovens que enfrentarão as exigências do futuro. A formação técnica e humana deverá ser complementada por uma dimensão social, de modo que eles possam enfrentar as causas do dualismo, que tanto envergonha nossa sociedade.
As dimensões continentais do território brasileiro (incluindo seu espaço marítimo) e a liberalização nas relações econômicas entre os países exigem dos egressos da universidade maior conhecimento da dinâmica das relações internacionais. A economia brasileira e as empresas nela inseridas são afetadas de forma crescente pelos agentes econômicos de outros países. A abertura para o horizonte internacional torna-se uma necessidade imperiosa.
Profissionais e pesquisadores têm sido galgados a posições de liderança no governo e nas empresas. Suas decisões passam a ter inúmeros impactos sobre pessoas e sobre a natureza. São decisões que repousam no raciocínio e na inteligência, mas também no sistema de valores que se foi estruturando ao longo de sua formação.
Os desafios do futuro demandam uma harmonia entre a formação técnica, humana e social. Tal integração deverá sustentar-se em valores humanos próprios da universidade, como, por exemplo, a liberdade, a justiça, a responsabilidade social o humanismo e o universalismo. Valores e crenças que sirvam de referência para os seus egressos, ao longo de uma existência de realizações e contínua aprendizagem.
Os próximos anos exigem da FEA um estreitamento das relações com outros centros de saber, dentro e fora da universidade. Pedem um maior engajamento dos corpos discente e docente. Solicitam parcerias com os agentes econômicos, o meio empresarial, os sindicatos e o governo. Demandam uma profunda reflexão coletiva sobre os rumos da sociedade. Oferecem aos seus docentes e alunos a aventura intelectual de antecipar o futuro, para que as próximas gerações possam enfrentá-lo da melhor forma possível.
No marco da celebração do cinqüentenário, tão relevante quanto a rememoração do passado é a prospecção do futuro. Em época de rupturas, toda instituição deve rever os seus objetivos. A consolidação sem mudanças leva à vulnerabilidade.
* Professor titular da FEA/USP, foi seu-diretor de 1983 a 1986. É pró-reitor da Cultura a Extensão Universitária da USP.
Notícia
Gazeta Mercantil