SÃO PAULO - Enquanto milhões de brasileiros não veem a hora de receber a vacina contra o coronavírus, há um grupo que não está disposto a se imunizar. Para Luiz Eugênio Mello, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), essa parcela da população, embora pequena, é "barulhenta", daí a importância de reforçar a eficácia e a segurança das doses.
Para reiterar o papel das vacinas contra a Covid-19, a Fapesp criou nesta semana uma campanha de conscientização nas redes sociais. Batizada de #VacinaSim, a iniciativa se baseia em vídeos curtos protagonizados por pesquisadores convidados. Nos depoimentos, eles contam por que vão se vacinar — e por que você também deve.
Entre os participantes estão nomes como Rubens Belfort Júnior (presidente da Academia Nacional de Medicina), Ester Sabino (professora da Faculdade de Medicina da USP que lidera projetos de sequenciamento genético do Sars-CoV-2), Mayana Zatz (professora da USP e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco) e Paulo Artaxo (cientista do clima). As gravações deles já estão disponíveis nas mídias sociais da fundação.
Para Mello, que é médico, além dos cientistas famosos, é preciso que a população em geral espalhe essa mensagem. E, se encontrar um antivacina pelo caminho, respire fundo: uma das estratégias para combater esse discurso, segundo ele, é não entrar em confronto. Dialogar, admite, é difícil, mas necessário.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Como funciona a campanha #VacinaSim?
Chamamos cientistas, médicos, comunicadores que têm projeção na mídia e são reconhecidos. São pessoas de diferentes áreas: da ciência climática, da medicina, da química, da engenharia, da sociologia, e por aí vai. Ao trabalhar com os cientistas, a gente tem o potencial de valorizar ainda mais a ciência e de ter uma mensagem transmitida de forma correta.
A ciência, de fato, ganhou muita projeção neste momento da Covid. No começo da pandemia, sabíamos que a vacina mais rápida já produzida pela humanidade tinha demorado 4 ou 5 anos. E agora a gente está com não uma nem duas, mas com quase dez vacinas diferentes em um ano.
É incrível o que a gente alcançou, mas isso não é mágica. Isso vem desde o Pasteur. Quando a gente bebe leite pasteurizado tem a ver com um sujeito francês que lá atrás [Louis Pasteur viveu entre 1822 e 1895] trabalhava com microbiologia. Então isso é resultado de um acúmulo de conhecimento ao longo de muitos séculos e, sobretudo, nas últimas décadas.
Temos inclusive vacinas de uma tecnologia completamente nova [RNA mensageiro ou mRNA]. É como se a gente estivesse andando em um avião supersônico, como o Concorde quando ele foi lançado. É como a gente ter o celular. Eu sou da época que você tinha que ir a uma cabine telefônica… (risos) Tudo isso é ciência.
Por um lado, vemos esse engrandecimento da ciência e, por outro, um grupo que é anticiência. Na sua opinião, o grupo de descrentes é mesmo grande ou só barulhento?
Eu acho que ele é barulhento, por isso dá a impressão de ser mais numeroso do que é. E felizmente no Brasil é menos barulhento do que em outros lugares do mundo. Em levantamentos, a crença do brasileiro nas vacinas aparece como uma das maiores do mundo. Mas, por outro lado, há essa minoria para a qual, na verdade, muitas vezes os fatos não adiantam.
Existem vários estudos falando como você deve trabalhar para buscar convencer alguém que tem uma visão contrária. Na prática, se você ficar como se estivesse na frente de um touro acenando o pano vermelho, você vai só ter confronto. O tempo inteiro. Você só radicaliza posições. Não é diferente do que está acontecendo na política, não só no Brasil, mas também nos EUA e em outros países do mundo.
Mas, se você busca entender a perspectiva do outro lado, busca trabalhar os pontos que existem em comum — por exemplo, todos somos brasileiros, todos falamos português —, busca construir identidade, você pode conseguir aproximação, e não confronto. Essa é uma maneira interessante de conseguir ter um diálogo.
Mas é possível que para algumas pessoas, e eu não sei qual é o tamanho dessa minoria, isso não adiante. É possível que acreditem que a Terra é plana e outras coisas, independentemente do que os outros falem.
A polarização na ciência repete a polarização na política?
É muito necessário dizer: não importa se você votou no partido A ou no partido B, no candidato A ou no candidato B, o que importa é que é essencial para todo mundo se vacinar. Inclusive pensando no outro. Vacinar-se é um gesto que você faz pensando também no outro, seja nos seus familiares, nos seus amigos, nas pessoas mais velhas. Se não for por você mesmo, faça pensando nos outros de que você gosta.
No último ano, pelo noticiário, todo mundo descobriu muitos detalhes sobre a produção e os testes de vacinas. É curioso que apresentar essas etapas acabou gerando desconfiança em alguns, que se surpreenderam, por exemplo, que muitas vacinas têm eficácia bem distante de 100%. Apesar disso, é sabido que elas já contiveram muitas doenças pelo mundo. Como lidar com a comunicação desses detalhes sem alimentar o receio das pessoas?
O ser humano gosta de certezas, desde criancinha. Mas as certezas não existem em lugar nenhum. Às vezes, a comida que você sempre faz queima, e assim por diante (risos). Isso é da natureza do mundo: tudo praticamente tem flutuações. Então, de fato, a ciência tem as suas regras. A gente poderia buscar simplificar, trabalhar com argumentos mais simples, mas, por outro lado, o interesse é tão grande na vacina que se busca uma precisão nas palavras e na argumentação que, no fim, acaba permitindo que a ciência seja vista nos seus detalhes.
Antes nós tínhamos 200 milhões de comentaristas de futebol no Brasil, agora temos 200 milhões de especialistas em Covid (risos). Mas, na prática, não temos 200 milhões de experts em futebol, se não não tínhamos perdido de 7 a 1, e também não temos 200 milhões que entendem de Covid... A ciência tem nuances, detalhes, e, como em várias outras áreas da atividade humana, tem horas que vai para frente, outras que vai para trás. É isso. Com aprendizagem e erro, o ser humano está constantemente indo para frente e para trás.
Por exemplo, quantas vacinas ficaram no meio do caminho? Tem várias… Diria que mais de cem. Mas dessas não estamos nem falando. Elas ficaram no caminho porque não demonstraram eficácia ou segurança. Na prática, então, estamos vendo só o lado que está dando certo e ele nem é 100%, como tudo na humanidade.
O que é importante dizer então aos nossos “especialistas em Covid”, para que não deixem de se vacinar?
Temos certeza que há muita diferença entre tomar vacina e não tomar vacina. Não existe uma pessoa que saiba do que está falando que discorde disso. A imensa maioria dos cientistas, se não todos, vão tomar vacina. Eu me vacino de olhos fechados. Os poucos que talvez não vão são a exceção que faz a regra. Tomar vacina é a decisão mais sensata, mais sábia que uma pessoa pode ter.
Há países com números já muito bons de vacinação [contra o coronavírus], como Israel, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha… A gente adora olhar para esses países e falar ‘puxa, o nosso país podia ser como o deles’. Então vamos olhar para a vacina. Nós podemos também.
O Programa Nacional de Imunização, do Brasil, é um dos mais incríveis do mundo inteiro, com vacina gratuita e para a população inteira. É um dos poucos países que conseguem vacinar 1 milhão de pessoas por dia.
Na sua opinião, além de os cientistas falarem da importância da vacina, é válido que a população em geral compartilhe seus momentos de vacinação nas redes sociais? Esse tipo de “corrente” também ajuda?
Isso é fundamental, é como uma ideia que se espalha. À medida que as pessoas conversam umas com as outras, elas são capazes de convencer umas às outras. Isso é uma missão que todos temos. A gente precisa que as pessoas falem, se manifestem.
Tentar calar os grupos antivacina, pelo banimento de contas e mensagens nas redes sociais, por exemplo, também parece efetivo como estratégia? É melhor calar do que explicar? Qual é a sua visão?
Eu não tenho uma resposta para essa pergunta. O que posso falar é que todos os dias faço um exercício de tolerância: ouvir os outros pontos de vista e considerar as outras perspectivas. A questão que existe aí é que, à medida que você cancela, você só escuta aquilo que você quer ouvir. E eu tenho que saber ouvir e, se for o caso, ignorar, inclusive se for ofensivo. Excluir é o caminho para uma sociedade cada vez mais intolerante, e aí cada vez mais os radicalismos aparecem.
A exclusão pode aumentar a teoria conspiratória?
Sim. À medida que o espaço público diminui, porque os espaços se tornam de “clubinhos”, cada vez mais o radicalismo cresce.
Conseguir ouvir, ter paciência, ir no diálogo… É isso que nos torna humanos. E isso dá trabalho, nossa. É um trabalho de formiguinha, mas é isso que vai construir uma humanidade melhor. Antigamente, a discussão se resolvia com uma pedrada, mas, progressivamente, fomos para o uso da palavra.
O Globo