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Conflito hídrico ameaça vida de povos originários na Volta Grande do Xingu (2 notícias)

Publicado em 03 de fevereiro de 2025

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Uma pesquisa realizada na região do Xingu, no Pará, revela os graves impactos da hidrelétrica de Belo Monte e da estiagem extrema na região. O estudo aponta que a redução drástica da vazão da Volta Grande do Xingu, causada pela operação da usina e pelo aumento das secas, compromete a biodiversidade e afeta diretamente os modos de vida dos povos indígenas e ribeirinhos que dependem dos recursos naturais da região.

A pesquisa sobre o conflito hídrico no Xingu foi feita por estudiosos da USP e de outras instituições e tema de uma reportagem da revista Pesquisa Fapesp na edição 346, publicada em dezembro de 2024. A matéria contou também com um videodocumentário, publicado no dia 19 de janeiro no canal da Pesquisa Fapesp.

O vídeo registra os depoimentos dos habitantes da Volta Grande do Xingu, que lutam contra a escassez de água e a destruição de seus ecossistemas. Ele faz parte da série de matérias que abordam o monitoramento da área e os impactos da usina de Belo Monte na região, sendo uma ferramenta importante para dar visibilidade à realidade de quem sofre com as consequências da construção da hidrelétrica.

Desde o início da operação de Belo Monte, em 2016, e especialmente a partir de 2019, quando o empreendimento alcançou seu funcionamento pleno, as comunidades que vivem ao longo do Rio Xingu têm enfrentado um cenário de escassez de água sem precedentes. A vazão da água na Volta Grande do Xingu foi reduzida em até 80%, o que tem prejudicado a pesca, fonte principal de alimento e renda para indígenas e ribeirinhos da região. A situação foi agravada por estiagens extremas, que afetam o ecossistema e a subsistência local.

O monitoramento ambiental realizado pelas próprias comunidades, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), permitiu documentar a drástica queda no nível da água e as alterações nos ecossistemas. Um dos maiores impactos foi a diminuição do alagamento dos igapós, áreas alagadas que são cruciais para a reprodução de várias espécies de peixes. André Sawakuchi, professor titular do Instituto de Geociências (IGc) da USP e um dos coordenadores da pesquisa, explica que o projeto da hidrelétrica já previa a redução da vazão da Volta Grande, mas os impactos se mostraram mais graves do que o estimado.

O Monitoramento Ambiental Territorial Independente (Mati), uma iniciativa liderada pelo povo Yudjá-Juruna com a colaboração de pesquisadores acadêmicos, tem sido essencial para trazer dados precisos sobre os impactos da hidrelétrica e da seca. As observações feitas no campo têm mostrado, por exemplo, que a pesca, que era abundante na região, agora está cada vez mais escassa. Espécies como o tucunaré e o pacu, antes comuns na alimentação local, reduziram suas populações drasticamente.

Além da pesca, as comunidades também enfrentam dificuldades com a navegação no rio, uma vez que a redução da vazão prejudica a utilização das voadeiras, os barcos típicos da região, que não conseguem mais atravessar os canais estreitos e rasos formados pelo baixo nível da água. Muitos moradores são forçados a utilizar canoas pequenas movidas a remo, o que dificulta o transporte e a comercialização de produtos.

Segundo a reportagem da Pesquisa Fapesp, o impacto sobre a fauna não se limita à pesca. A diminuição do alagamento dos igapós também afeta as tartarugas e os tracajás, cujos ovos são depositados em áreas que agora estão expostas ao calor excessivo. Algumas plantas, como a samambaia e a embaúba, que não são adaptadas ao alagamento, estão ganhando espaço, o que indica um grave desequilíbrio ecológico.

Além da perda ambiental, as comunidades enfrentam a perda de sua cultura e modo de vida. A ligação dos povos indígenas e ribeirinhos com o rio é profunda e simbólica. Para o povo Yudjá-Juruna, o Rio Xingu é mais que uma fonte de sustento, é parte de sua identidade. Josiel Juruna, líder comunitário, destaca que o Mati não só auxilia na preservação ambiental; ele defende que é essencial que a ciência esteja ao lado das comunidades para que as suas realidades sejam compreendidas e, assim, seus direitos possam ser garantidos.

Enquanto isso, a empresa Norte Energia, responsável pela usina, nega que o impacto da hidrelétrica seja tão severo, apontando que a situação foi prevista nos estudos de impacto ambiental (EIA). No entanto, os moradores e pesquisadores discordam, apontando que os relatórios de monitoramento fornecidos pela empresa são insuficientes e não refletem a realidade vivida pelas comunidades.

A reportagem destaca a urgência de uma solução que respeite o ritmo natural dos ciclos hídricos da região, para que o equilíbrio ecológico e a sobrevivência das comunidades sejam preservados. A busca por alternativas de manejo da água e um redirecionamento dos planos de operação da usina são apontados como medidas essenciais para minimizar os danos e evitar o colapso completo da vida na Volta Grande do Xingu.

*Com informações da Pesquisa Fapesp

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