Notícia

Jornal do Brasil

Concorrência e capacitação técnica

Publicado em 26 abril 1995

Por LUIZ C. NIZZO DE MOURA
O "novo Congresso", já no inicio de suas atividades, tem extrema responsabilidade para com o futuro do país. A esta Instituição foi entregue o comando do avião nacional para o futuro, que esperamos seja uma viagem que não tenha volta. Nas mãos do Congresso se encontra o destino do Brasil, que poderá fiar entre os perdedores contemplativos, ou passar a integrar o seleto grupo dos ganhadores. Deste modo, ou o país se manterá eternamente em desenvolvimento, ou definitivamente irá se destacar tio cenário internacional, passando a integrar o grupo dos países desenvolvidos. É uma responsabilidade que integra o padrão de Compromisso que integra o quadro próprio do Poder Legislativo diante da nação. O exame das emendas constitucionais apresentadas pelo Executivo, objetivando a abertura da economia nacional ao setor produtivo de alta tecnologia e investimentos, com quebra ou flexibilização dos monopólios, bem como a reforma da Previdência são os componentes para esta mudança de posição no cenário econômico internacional. O mesmo grau de responsabilidade dos membros do legislativo se mostra presente na análise dos vetos presidenciais a artigos específicos de leis ordinárias. A importância desta apreciação pelo Congresso já se fez sentir na semana finda, quando, forçado pela bancada ruralista, ocorreu a derrubada do veto à aplicação da TR nos financiamentos agrícolas, impondo pesadas perdas para o Banco do Brasil, maior agente financiador da produção nacional. É mais um exemplo de interesses particulares mais uma vez pré-ponderando sobre os interesses coletivos, sendo o parlamentar o agente para este beneficio. Dentre tantos outros dispositivos, acreditamos relevantes as questões concernentes á Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), especialmente no tocante à comprovação de capacidade técnica operacional dos licitantes nos processos administrativos, prevista na letra "b" do inciso I, do parágrafo 1° do artigo 30, com a redação que lhe deu a Lei 8.883/93. Independentemente da redação que lhe foi conferida pela lei que alterou o texto original, mais esclarecedora no sentido técnico, a razão do veto reside no entendimento da presidência da República, equivocado, por certo, que a comprovação deste aspecto técnico, se realizada através dos meios preconizados no texto legal, configura uma forma de restrição à livre concorrência, princípio fundamental inserido no regime jurídico instituído em sede constitucional (Constituição Federal, artigo 170, inciso IV). A livre concorrência, na concepção jurídica mais precisa, deve ser entendida como "a liberdade entre os tecnicamente iguais, capazes de desenvolver atividade econômica em cada segmento empresarial", mostrando-se ilegais quaisquer restrições de natureza subjetiva desprovida de caráter técnico que importe eliminação de legitimoso candidato. Exatamente por considerar ilegais restrições de caráter técnico, entendeu a presidência da República ser o supramencionado dispositivo contrário aos preceitos constitucionais. Além do aspecto legal, o equivocado veto mostrou seus resultados em diversas licitações já levadas a cabo no país. Excluído, em conseqüência do veto, o elemento objetivo de análise da capacitação técnica operacional, passou a existir um vácuo na forma de aferição deste requisito. Chega-se mesmo a discutir no campo doutrinário se há licitude na exigência formulada pelos órgãos públicos de comprovação desta capacitação, por conseqüência ser este um elemento de classificação. Aliás, a existência deste vácuo passou a ser instrumento de uso político, a serviço de interesses em processo de seleção e classificação de licitantes. O dispositivo vetado, entretanto, é de importância vital para a regularidade dos processos licitatório, pois asseguraria a qualificação técnica dos licitantes classificados, evitando situações lesivas ao Estado, nas quais o fator menor preço, que induz ao vencimento da licitação, acaba por premiar empresas sem a necessária capacitação operacional para a execução da obra contratada. Contrariamente ao que pensam e afirmam alguns, as grandes empresas nacionais acreditam ser importante a derrubada do veto presidencial, tanto para assegurar a lisura nos processos (pois seriam evitados casuísmos decorrentes do vácuo legal), quanto para garantir o efetivo cumprimento integral dos contratos. Reaberta a questão através do exame do veto, o Congresso terá oportunidade de eliminar esta situação irregular. Provocado pelo equivoco no entendimento do sentido de livre concorrência, o veto presidencial resultou na proibição dos órgãos públicos de regular e constantemente cumprirem o disposto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que estabelece a obrigação de os órgãos públicos observarem para a contratação a exigência de comprovação de qualificação técnica e econômica indispensável à garantia do cumprimento das obrigações. Sem o balizamento dos meios e prova a serem exigidos à comprovação da capacitação técnica operacional para execução do contrato, estará a administração pública se descurando de seu dever de oficio, ao mesmo tempo colocando em risco a regular aplicação dos recursos do erário. Este desajuste legal tende a ser eliminado, se o Congresso atuar em conformidade com o que dele se espera, de modo a ser restabelecida a exigência de comprovação da capacidade técnica para a realização da obra a que se propõe o licitante executar. *Advogado, especialista em legislação do Mercosul