Apesar de a boa cobertura de ciência ocupar um espaço recorde na imprensa, os movimentos de negacionismo e antivacina ganham cada vez mais adeptos
O repórter de ciências da Folha de S.Paulo, Reinaldo José Lopes, em artigo publicado no blog “Darwin e Deus” na última segunda-feira, 4, afirmou se sentir fracassado em sua missão de comunicar a verdade científica a respeito da pandemia de coronavírus para o maior número de pessoas possível. Os crescentes movimentos de negacionismo e antivacina são as justificativas dadas para o sentimento de desamparo.
O repórter, que é autor de dois livros de divulgação científica, escreveu no primeiro parágrafo de seu texto: “É difícil não ficar meio arrasado quando penso no relativo otimismo que tomou conta de mim e de muitos colegas, jornalistas de ciência e divulgadores científicos, quando ficou claro o tamanho do desafio que seria cobrir a pandemia de Covid-19 em março do ano passado. Achávamos que realmente seria possível fazer a diferença para o público trazendo informação de qualidade, embasada em ciência séria. Hoje (aliás, ao longo dos últimos vários meses), a minha sensação é de derrota quase completa. Eu me sinto um fracasso total. Falhamos.”
Nos bastidores das redações e nas redes sociais, a mesma sensação é admitida por outros jornalistas e divulgadores científicos. Apesar dos esforços de comunicadores pela propagação de informação embasada na ciência, os grupos antivacina no Brasil cresceram consideravelmente durante a pandemia. Quem afirma isso é a pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (Fapesp) e coordenada por João Henrique Rafael, idealizador da União Pró-Vacina, grupo de pesquisadores que tem monitorado grupos antivacina no Facebook.
“Nos últimos anos, tem-se observado a tendência de quedas constantes nos índices vacinais no Brasil. O último ano bom foi 2015. Apesar de o movimento antivacina ser um tema multifacetado, havia um forte indício de que a desinformação e a falta de comunicação e educação sobre a importância dos imunizantes eram elementos que estavam afetando a queda vacinal”, disse Rafael à Agência Fapesp. “É muito mais barato e fácil produzir notícias falsas com análises conspiratórias e sem nenhum comprometimento do que um estudo com embasamento científico”.
Entretanto, a “culpa” pela propagação de ideias anti científicas não indica necessariamente a incompetência daqueles que tentam combatê-la, segundo João Henrique Rafael. O viés político da vacina, surgido de rixas entre grupos políticos que se beneficiam com a polarização do debate público, é um dos fatores que explicam a anti vacinação e que não tem relação com falta de informações de qualidade nos veículos de comunicação.
José Alexandre F. Diniz Filho, doutor em Ciências Biológicas e coordenador de pós-graduação da Universidade Federal de Goiás (UFG), publicou em seu blog um artigo em que discute a razão de fatos não convencerem pessoas. O biólogo cita um estudo científico que comparou grupos de pessoas com baixa e alta preocupação quanto aos efeitos colaterais da vacinação contra a gripe. Os grupos foram confrontados com informações corretas sobre a segurança da vacina. Depois, com intuito de verificar se dados científicos podem convencer as pessoas a se vacinar, os pesquisadores mediram a intenção de receber a vacinação daqueles grupos que receberam as informações corretivas.
Os responsáveis pelo estudo encontraram que as informações corretivas sobre vacinas não surtiram efeito na intenção de vacinação entre os entrevistados com baixa preocupação com efeitos colaterais. Entretanto, as informações significativamente a probabilidade relatada de receber uma vacina contra a gripe entre aqueles com alta preocupação com efeitos colaterais. A hipótese que justificaria o fenômeno do tiro saído pela culatra é de que a própria correção pode servir para aumentar inadvertidamente a familiaridade com a desinformação e pode, portanto, ironicamente reforçar o próprio equívoco que visa corrigir.
José Alexandre F. Diniz afirmou em entrevista ao acreditar que a imprensa (de modo geral) cumpriu bem seu papel na divulgação da informação cientificamente correta. “A informação é de boa qualidade. Jornalistas e divulgadores científicos conscientizarem mais as pessoas do que órgãos do governo que tinham essa obrigação”. O cientista disse que, apesar do negacionismo, não compartilha da frustração de divulgadores da ciência:
“Não é culpa nossa. Eu nunca peguei essa carapuça para mim. O pessoal tem uma visão meio ingênua de que se divulgarem mais informações corretas, o negacionismo desaparecerá. A anti-ciência não existe por ausência de informação; ela é um movimento político, religioso, moral. Eu entendo a frustração dos comunicadores, mas o problema é mais profundo, e passa por aprender a lidar com a campanha de negacionismo e entender seus motivos políticos”.