RIO - Aplicada na Escola Estadual Keizo Ishihara, uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) investigou o cotidiano de alunos de primeira série do ensino fundamental, descortinando um universo complexo que se articula e desloca, passando das parlendas e demais gêneros da língua oral aos mitos, folclore e literatura. Explorou-se conteúdo complexo que os próprios alunos já traziam consigo, de suas brincadeiras de roda e das narrativas que viam e ouviam em casa e na rua, conectando essas singelas expressões orais com textos e tradições diferentes.
Nesse processo, os alunos são lançados na longa aventura que gerou a escrita, do pictograma visual que ganha o valor de rébus (imagem funcionando como letra - assim eram os hieróglifos egípcios) ao silabário e deste à descoberta do jogo alfabético que dinamiza a escrita. Mas a escrita e a oralidade possuem significados, não sendo apenas formas, fórmulas ou códigos: não se despreza, ao contrario se estimula, no projeto, o mergulho na palavra, a descoberta de que um significado funcional e automático apenas recobre camadas de significação e associação, que nos leva à metáfora e à metonímia, instrumentos que fazem a linguagem explodir em várias direções como o armamento imaginário dos jogos de computador.
Para retomar a linguagem naquilo que possui de ambiente tridimensional e virtual, um recurso não poderia ficar de fora: a tecnologia informática. Quando a palavra tecnologia surge em nossa mente, as associações de sentido imediatas são marcadas pelo colorido brilhante do progresso e da inovação. Nesse quadro eventualmente pleno de som e fúria – outras expressões associadas ao universo tecnológico – a linguagem, de seu lugar na cultura assentado ao longo de séculos e nos cercando como o ar que respiramos, nem sempre é vista como uma ancestral tecnologia. E, dentro dessa condição, sujeita às mudanças de formato e de função, pressionada pelas mais diversas forças históricas e sociais. Talvez o mais importante: uma tecnologia disponível a todos, independentemente de sua classe social. Mas uma tecnologia que, por motivos vários localizados na alfabetização, esse primeiro e decisivo contato que temos com o universo das letras, nem sempre é fácil de se acessar.
É bem verdade que há uma visão estereotipada que coloca a informática como inimiga do caderno, do suporte gráfico e vice-versa, desmotivando alunos e professores no uso das ferramentas mais tradicionais da tecnologia da linguagem. Assim, é comum ocorrer de alunos declararem sua preferência pelo computador em detrimento do caderno. Contudo, as duas tecnologias, apesar de suas diferenças, não se encontram em campos separados.
Do tempo em que a informática era um ramo matemático da construção de armas atômicas aos dias de hoje, em que redes de computadores interligam instantaneamente culturas e povos situados nos extremos de nosso planeta, a informática deslocou-se para o centro do cotidiano, mesmo quando é um universo apenas invejado por aqueles que não podem desfrutá-lo. Assim, a ideia de usar computadores como mecanismo de ensino não é nova.
O problema é que nesse caso a ferramenta usurpou sua função: os jogos e atividades educacionais em meio digital são, de modo geral, descontextualizados do universo virtual analógico da linguagem, obrigando educadores e alunos a reduzirem a experiência de escrita a atividades pré-determinadas e sem muito sentido, em tudo semelhante aos jogos convencionais, nos quais o principal é entender o processo para repeti-lo mecanicamente. No projeto, a proposta é outra: trata-se do cruzamento de duas tecnologias, de duas maneiras de criar mundos virtuais, uma imediata e outra, mediada por uma máquina.
Esse encontro, documentado pelas jogos e atividades do projeto, amplia e enriquece a experiência dos alunos com a linguagem ao mesmo tempo em que dá uma possibilidade diferente aos professores de unir tecnologia e ensino em um contexto real e prático, distante de utópicas ou burocráticas propostas. Talvez, faça mais: a redescoberta da linguagem através da informática pode levar à redescoberta da informática através da linguagem, produzindo uma fluência muito mais ampla, profunda e crítica. Em tempos de multiplicação das armadilhas discursivas pelas mais diversas plataformas, seria uma qualidade apreciável.
Colaborador da pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)