Notícia

Jornal da Ciência online

Compromisso com a reforma (1 notícias)

Publicado em 02 de junho de 2004

Por Washington Castilhos escreve para a 'Agência Fapesp':
'A reforma das Universidades jamais deve significar uma degradação. Mas deve significar sua modernização radical para a abertura democrática do ingresso das amplas camadas populares na Universidade pública e no ensino superior em geral', disse o ministro da Educação Tarso Genro, ao assumir o cargo em 27 de janeiro deste ano. No discurso de posse, mais que a urgência da reforma do ensino superior no Brasil estava a ênfase de que as mudanças que se fazem necessárias não devem implicar em prejuízo para o sistema público. O principal argumento, para o ministro, é que todo o sistema educacional deve justamente operar em função do interesse público, como disse à 'Agência Fapesp'. Em entrevista exclusiva, Genro falou sobre a relação do ensino público com o privado, explicou o projeto Universidade para Todos e traçou os eixos fundamentais da reforma que vem sendo delineada. Convidado para participar do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Genro, integrante do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), foi titular da Secretaria Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2003) antes de se tornar Ministro da Educação. Tarso Fernando Herz Genro nasceu em São Borja (RS) em 6 de março de 1947. Formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (RS). Em 1968, foi eleito vereador de Santa Maria, pelo extinto Movimento Democrático Brasileiro (MDB). É autor, entre outros de Direito Individual do Trabalho, Literatura e Ideologia, Lenin, Coração e Mente, Na Contramão da Pré-História e Utopia Possível. Em 1988, foi eleito vice-prefeito de Porto Alegre pela Frente Popular. No final de 1989 até 1990, exerceu o mandato de Deputado Federal. Em 1990, concorreu ao Governo do Estado pela Frente Popular. Foi prefeito de Porto Alegre de 1993 a 1996. Foi professor convidado na Universidade de Andaluzia, na Espanha, em 1998. Desde o mesmo ano integra o corpo docente do Curso de Extensão Universitária da Escola de Governo, junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Para reafirmar o compromisso com o tema, o Ministério da Educação (MEC) lançou em abril o Portal da Reforma, um espaço na internet para servir como um canal aberto de discussão do tema entre o governo e a sociedade. Além de notícias, pelo endereço http://www.mec.gov.br/reforma pode-se ler documentos, discursos e artigos sobre o assunto. Qual é a importância da reforma do ensino superior na atuação do MEC para este ano? Tarso Genro - A agenda da reforma é prioridade para o MEC, para que possamos, até novembro, encaminhar a proposta de Lei Orgânica do Ensino Superior ao Congresso Nacional. Temos realizado inúmeras oitivas, colóquios e seminários com entidades da comunidade acadêmica para subsidiar este projeto. Como está estruturada a reforma do ensino superior? Genro - A reforma terá sete eixos fundamentais, definidos em comum acordo entre o grupo executivo da reforma e 18 entidades representativas da comunidade acadêmica, que são: o papel das instituições de ensino superior públicas e privadas; autonomia universitária; gerenciamento; gestão e estrutura; acesso e permanência; programas e conteúdos; e avaliação. É importante lembrar que a reforma não pode estar desvinculada dos dois eixos de trabalho que o presidente nos recomendou quando assumimos: a integração da alfabetização com os programas de inclusão social, rompendo com a lógica verticalista dos projetos tradicionais; e a melhoria da qualidade do ensino básico. Isso significa pensar nacionalmente o ensino básico como fator de integração cultural e social do país. O que o sr. chama de 'lógica verticalista tradicional'? Genro - Na forma verticalizada de ensino há transmissão de conhecimento mediante uma aula expositiva, estabelecendo uma relação autoritária entre o saber dominante e o saber dominado. Paulo Freire era contra essa verticalização. Dizia que experiência é conhecimento, independentemente de idade ou classe social. Ou seja, o professor tem conhecimento, assim como o aluno. Mas não há diálogo nesse processo, e sim uma interação. Ele afirmava: 'Todos somos sábios, todos somos ignorantes'. O saber é, portanto, relativizado. Projetos realizados em escolas onde há interação entre gestores, educadores, estudantes e comunidade têm mostrado que, quando isso acontece, o aprendizado se torna prazeroso e a evasão escolar diminui. Qual é a importância da questão da autonomia universitária dentro do processo de reforma? Genro - Com a autonomia universitária, busca-se um modelo de gestão que corresponda ao atual estágio de desenvolvimento e expansão da Universidade federal, reforçando seu caráter público, sua capacidade de planejamento institucional e o aproveitamento mais racional dos investimentos públicos que nela são feitos. A partir daí, será possível, de modo sistemático, associar recursos à eficiência na gestão e no desempenho de cada instituição. É preciso também refinanciar a Universidade pública, porque nos últimos trinta anos não foi dada a devida atenção a esse assunto. Acredito que podemos resolver essa questão por meio de um fundo, o que estamos propondo para ser discutido. Ou seja, um fundo de financiamento da Universidade que não seja contingenciado e permita o repasse direto de recursos, sob o controle do Estado, para que a própria Universidade possa programar seus gastos, incluindo gerenciamento, gestão e estrutura. Dentro do mesmo contexto, qual é a relação da Universidade pública com a Universidade privada? Genro - A Universidade pública precisa ser uma referência fundamental para o sistema de ensino superior, com ampliação de sua força na sociedade. A reforma do nível superior pretende estabelecer uma nova regulação entre os lados público e privado, de forma que todo o sistema opere em função do interesse público. Esperamos corrigir também o problema do acesso à Universidade pública, que é muito restrito. O sr. propõe a melhoria da qualidade do ensino básico para que o ensino superior dê certo. A idéia é, segundo o sr. disse anteriormente, 'pensar o ensino básico como fator de integração cultural e social do país'. Mas como isso pode ser feito na prática? Genro - Estamos estabelecendo prioridades para aumentar a qualidade da educação básica no país: a discussão e implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb); a formação continuada de professores; e a melhoria da educação infantil. A implantação desse fundo, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), é uma das prioridades do MEC. O atual sistema financia apenas o ensino fundamental, o que agrava a situação dos outros níveis, que têm uma demanda enorme por matrículas. A implantação do Fundeb aumentará os recursos para a educação, garantirá sua aplicação em todos os níveis e modalidades de ensino básico e contribuirá para equiparar o valor mínimo por aluno dentro de um mesmo Estado. Estamos empenhados em realizar uma revolução qualitativa, tanto que estabelecemos, por determinação do presidente da República, que 2005 será o Ano da Qualidade no Ensino Básico. Em novembro de 2004, 7,5 milhões de alunos das 4ª e 8ª séries do ensino fundamental farão as provas do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Em 2005, a avaliação será estendida à 3ª série do ensino médio. Enquanto não se consegue resolver o problema do ensino básico, como começar efetivamente a reforma do ensino superior? Genro - O projeto Universidade para Todos, enviado recentemente ao Congresso, sinaliza o início do processo de reforma da Universidade e da relação público-privado. Esse projeto é uma proposta de criação de vagas públicas nas Universidades privadas. A idéia é que as Universidades particulares com fins lucrativos que aderirem ao programa ofereçam 10% de suas vagas na forma de bolsas de estudo, em troca de isenção fiscal, enquanto as instituições filantrópicas deveriam oferecer 20% de gratuidade exclusivamente em bolsas de estudo. A proposta tem causado polêmica por parte de algumas entidades de ensino superior privadas, que se mobilizaram contra a idéia. Genro - Atualmente, 37% das vagas nas entidades de ensino superior privadas estão ociosas, inclusive nas Universidades que se posicionaram contra o projeto. A estratégia do programa é aproveitar parte dessas vagas. Serão beneficiados estudantes da rede pública com famílias com renda de até um salário mínimo per capita e professores da rede pública de ensino básico sem curso superior. Nosso objetivo é criar 350 mil vagas gratuitas no ensino superior privado, num prazo de cinco anos. A solução não seria abrir mais vagas nas Universidades públicas? Genro - Para abrir essas vagas nas Universidades públicas, o Governo Federal teria que despender cerca de R$ 350 milhões. Com o Universidade para Todos, esses custos são nulos, uma vez que a abertura de vagas não exigirá investimento algum, pois a estrutura das Universidades já está montada. A implementação do projeto implicará não apenas a necessidade de uma nova e madura compreensão da relação entre o público e o privado — relação que já existe de forma anárquica —, mas igualmente na ampliação do acesso das camadas populares ao ensino superior. (Agência Fapesp, 2/6) JC e-mail 2537, de 02 de Junho de 2004.