Uma equipe de pesquisadores e cientistas do Instituto Adolfo Lutz descobriu que um composto natural de uma planta originária da Mata Atlântica pode se transformar em um potente medicamento contra a leishmaniose visceral e a doença de Chagas.
Conhecida popularmente como “canela-seca” ou “canela-branca” (Nectranda leucantha), a planta é capaz de combater os parasitas transmissores dessas doenças que afetam milhões de pessoas no Brasil e em outros países em desenvolvimento todos os anos.
O estudo foi apoiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e será publicado nos periódicos científicos Scientific Reports e European Journal of Medicinal Chemistry.
Os pesquisadores constaram que as substâncias derivadas da molécula da canela-seca, pertencente ao grupo das neolignanas, podem ser a chave para a cura dessas doenças. “Observamos que os compostos foram altamente potentes contra a Leishmania infantum, causadora da leishmaniose visceral, e o Trypanosoma cruzi, transmissor da doença de Chagas”, disse André Gustavo Tempone, pesquisador do Centro de Parasitologia e Micologia do Instituto Adolfo Lutz e coordenador do estudo, à Agência FAPESP.
O Instituto Adolfo Lutz tem se dedicado nos últimos anos a encontrar um composto originário da Mata Atlântica que resulte em um novo fármaco capaz de combater doenças negligenciadas, que afetam primariamente as famílias mais pobres.
Uma das grandes limitações no desenvolvimento de novos fármacos para o tratamento de doenças negligenciadas é encontrar parceiros para fazer a síntese dos compostos promissores. No entanto, neste ano, o Instituto Adolfo Lutz conseguiu o apoio da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Ao lado dos cientistas ingleses, foi possível avaliar os efeitos dos compostos derivados da molécula em células de Leishmania infantum. Os resultados das análises indicaram que quatro deles se mostraram capazes de atingir a mitocôndria do parasita, que é um potencial alvo molecular de um fármaco para combatê-lo.
Ao contrário dos seres humanos, que podem ter até 2 mil mitocôndrias, a Leishmania infantum possui apenas uma, explicou Tempone. “Constatamos que os compostos tiveram uma forte atuação na mitocôndria desse parasita”, afirmou.
Segundo Tempone, os compostos provocam um aumento abrupto do nível de cálcio no interior das células da Leishmania infantum. Essa alteração causa uma perturbação na mitocôndria do parasita, provocando sua morte. “Nossa hipótese é que os compostos da planta interferem drasticamente na liberação do cálcio no interior das células e, dessa forma, prejudicam a principal fonte de armazenamento de energia do parasita, que é a ATP [adenosina trifosfato], produzida pela mitocôndria.”
“Também verificamos que a mitocôndria do Trypanosoma cruzi sofre uma alteração logo no início da incubação dos compostos pelo parasita”, disse Tempone.
Agora, o próximo passo é otimizar os compostos da planta, para assegurar sua biodisponibilidade adequada no organismo. Essa etapa de avaliação da eficácia e segurança das moléculas é crucial para avançar para os estudos com animais, uma vez que mais de 90% dos compostos candidatos a fármacos testados in vitro (em células) falham nessa fase, explicou Tempone.
“Estamos otimizando os compostos por meio da química medicinal para que possamos aumentar a taxa de sucesso nos estudos em modelo animal. Mas os compostos que obtivemos já são protótipos bastante promissores para combater a leishmaniose e atendem às recomendações da DNDi [organização sem fins lucrativos de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos para doenças negligenciadas]”, disse Tempone.
A comunidade científica internacional recomendou aos pesquisadores brasileiros e ingleses que os compostos promissores para o tratamento de doenças negligenciadas sejam fáceis de serem sintetizados. “A síntese dos compostos que estamos estudando é simples, feita em cinco etapas, e são baratos”, conclui.