O JC/395, de 14/10/98, publicou o artigo "Uma Revolução Anunciada", onde o autor considerava: "Na ciência brasileira pouca coisa é farta. Uma delas são as promessas, em particular em tempo de eleição. Há promessas de todas as origens - federais, estaduais e municipais. Também de toda ordem, sobressaindo as financeiras. Mas na outra ponta da promessa costuma estar a frustração, artigo igualmente farto no campo científico e tecnológico nacional. Na campanha para governador de 98, no entanto, apareceu uma novidade. Ao lançar seu programa de governo para C&T, o candidato Anthony Garotinho incluiu um quadro de desembolsos para a Faperj, que promete R$ 48 milhões em 99, 72 em 2000, 96 em 2001 e 120 em 2002. Explicou a seguir que, caso eleito, este será o cronograma mínimo de repasses do Tesouro para a Faperj, durante os quatro anos de seu governo. E que o cumprimento dessa promessa independerá da situação que vier a encontrar nas finanças estaduais. Datou e assinou embaixo.
O impacto do cumprimento à risca de uma proposta como essa será imenso. Em termos comparativos, a Fapesp executa cerca de R$ 160 milhões anuais (95) para 10.687 pesquisadores doutores ativos em SP (CNPq, 97). Uma execução média anual de R$ 84 milhões pela Faperj deixaria os 3.694 pesquisadores doutores ativos do RJ, pela primeira vez em muitos anos, em níveis de financiamento competitivos com os paulistas. Assegurada, é claro, a continuidade do aporte federal de recursos. O desafio é tão grande que, a meu ver, exigirá uma sacudida administrativa importante na agência. A melhor parte do modelo Fapesp é sua eficiência, que terá que ser perseguida pela Faperj."
Agora, nesse início de 2002, animado por uma notícia da Folha de SP, de 8/1, repercutida pelo JC E-Mail, volto ao assunto. Os desembolsos efetivos realizados pela Fapesp foram, R$ 41,3 milhões em 99, R$ 57,5 milhões em 2000 e cerca de R$ 100 milhões em 2001. Para 2002, há disponibilidade orçamentária suficiente para que a promessa seja cumprida, com o desembolso mínimo de R$ 120 milhões. Minha previsão de 98, de que poderíamos ter um padrão de financiamento competitivo com os paulistas, está sendo confirmada. Abrem-se, portanto, novos desafios.
Após 90, quando o criador da Faperj, Pelúcio Ferreira, perdeu a batalha para o cumprimento do dispositivo constitucional que ordenava o repasse de fundos previsto na Constituição Estadual de 89, a Faperj foi malbaratada segundo argumentos e práticas variados pelos dois governos subseqüentes. O atual conseguiu recompor finanças e credibilidade, o que não e pouco. Portanto, quanto ao volume de dispêndios, o que realmente importa é que nos últimos três anos a Faperj vem se firmando como uma verdadeira agência de fomento. Mas, convenhamos, por vários motivos é cedo para comparações com a Fapesp.
Em maio de 2002 a Fapesp completará 40 anos de efetivo funcionamento. Ao que eu saiba, fora umas turbulências durante o governo Maluf, o fluxo de recursos foi muito estável durante todo o período. Nesse aspecto, o recente bom desempenho da Faperj é nada mais que "uma plantinha tenra", como Milton Campos gostava de chamar a democracia brasileira. Qualquer descuido, voltamos ao fracasso histórico. Aliás, o primeiro desafio será o de transitar de equipe de governo, agora em abril, sem qualquer diminuição no volume e com melhorias no fluxo de recursos. Mas, bem além disso, se a partir de 2003 dois ou três governos estaduais consecutivos sustentarem políticas de apoio à Faperj parecidas com a que o atual vem sustentando, aí então poderemos começar a emular com a coirmã de SP. Antes disso, é precipitado.
Os dispêndios da Fapesp compõem-se principalmente de repasses do Tesouro do Estado e de rendimentos de ativos patrimoniais acumulados a partir do início dos anos 60. Embora os dados relativos à execução financeira da agência estejam muito desatualizados em sua página na Internet, creio que os R$ 230 milhões mencionados na notícia da Folha de SP referem-se apenas aos repasses, não tendo sido computados os rendimentos, que são também despendidos com os pesquisadores de SP e cujo volume não é nada desprezível. Vale checar. Aliás, a comunidade científica do RJ poderia oferecer seu apoio aos candidatos ao governo do estado, senador ou deputado que se comprometessem a lutar pela concessão de um endowment à Faperj, em moldes parecidos ao que Carvalho Pinto realizou em 62 e que constituiu a base do patrimônio mencionado acima. Ou, melhor ainda, o governador Garotinho poderia coroar o meritório esforço de seu governo no que se refere à Faperj deixando realizada, até abril próximo, a concessão do endowment. A base para calcular o seu valor poderia ser parecida com a que Carvalho Pinto utilizou em SP. Um patrimônio (imóveis e outros ativos) correspondente aos repasses constitucionais não honrados desde 89 até 2000. Caso nada tivesse sido repassado, seria cerca de R$ 1,5 bilhão. Considerando um volume de recursos repassado nesse período no valor de um terço disso, o patrimônio deveria ter um valor de um bilhão de reais. Prudentemente administrado, poderia render 10% ao ano, descontada a inflação, o que significaria um acréscimo de RS 100 milhões aos repasses anuais do Tesouro estadual.
A Fapesp destaca-se não apenas pelo volume de recursos que despende com a pesquisa em SP. Também são relevantes a regularidade, a eficiência e o foco dos dispêndios.
Nesses últimos aspectos, de 99 para cá também foram verificados avanços importantes na Faperj, mas existe ainda um longo caminho a percorrer, em particular no que se refere ao que estou chamando de foco. Alguns dispêndios executados pela agência, a despeito de serem altamente meritórios - como é o caso, por exemplo, dos recursos para finalizar as obras de infra-estrutura da Universidade Estadual do Norte Fluminense - não se enquadram perfeitamente na sua missão e, a rigor, mesmo que fossem incluídos em seu orçamento, não deveriam ser apropriados como despesas operacionais para o apoio à pesquisa. Quanto à eficiência operacional da agência, tudo indica que a recente e competente reforma de suas instalações, bem como as reformas operacional e administrativa em curso propiciarão mudanças muito positivas.
Se não estou enganado, a informação sobre os dispêndios realizados pela Faperj em 2001 e a estimativa para 2002 teve origem numa declaração do diretor superintendente da Faperj, Fernando Peregrino. Daí que um dos comentários de José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp, registrado na notícia da Folha de SP, deve ter sido um lapso involuntário, o que não o livra de ter sido impróprio - "É ótima notícia, se for verdadeira"
Talvez ele quisesse dizer, "é ótima noticia, se houver continuidade", ou algo parecido. Tornar pública uma desconfiança dessa natureza foi descabido e deselegante. Fica o registro.
*Professor da Uerj, consultor do CNPq, conselheiro da Faperj
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