Há mais recursos – e editais – para startups neste ano. A promoção de uma agenda inovadora para o Brasil teve impulso no ano passado, com a aprovação, pelo Congresso Nacional, da recomposição integral do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Em 2024, ganhou reforço com o lançamento do programa Mais Inovação Brasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Agora, o orçamento total para projetos nessas áreas soma R$ 66 bilhões.
“A inovação no país precisa de escala e continuidade para fazer diferença. A competição mundial exige cifras diferentes. Em determinados segmentos, como microeletrônica, já não conseguimos mais recuperar o atraso tecnológico”, aponta Marcelo Camargo, superintendente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Na avaliação do especialista, esse é o momento de investir em setores como energias renováveis, materiais avançados – a exemplo do grafeno –, nanotecnologia e biotecnologia, pelo potencial do país de se tornar um grande player mundial. “É um caminho longo. Temos de colocar dinheiro em temas que ainda estão distantes, que vão ser portadores de futuro. Não vamos jogar dinheiro fora”, acrescenta.
Muitos empreendedores, no entanto, ainda não sabem que os editais são uma opção para o desenvolvimento de negócios sem a contrapartida de participação acionária, como acontece com os fundos de capital de risco. Esses recursos contemplam startups de diferentes setores e estágios, podendo ser utilizados para acessar crédito para objetivos distintos, mas é essencial entender como pleiteá-los. Nas próximas páginas, saiba como se preparar para participar desses processos de seleção.
Há diferentes tipos de investimento – e isso está descrito nos editais. O não reembolsável, como o próprio nome diz, dispensa as empresas contempladas de devolverem o dinheiro. É também chamado de subvenção econômica. Já o financiamento reembolsável acontece a partir do fornecimento de crédito para os negócios, com incidência de juros.
“Quando existe risco tecnológico elevado, não há outro sócio que não seja o governo para apostar no seu projeto. Entendemos que o grau de inovação é relevante para a área”, aponta Marcelo Camargo, da Finep, empresa pública do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. No momento, a instituição trabalha no lançamento do Tecnova 3, programa nacional para micro e pequenas empresas com faturamento de até R$ 16 milhões, e até o fim do ano pretende lançar o terceiro edital do Centelha, para micro e pequenas empresas com até 12 meses de fundação.
Mapeie quem oferece recursos
Os editais voltados ao financiamento da inovação são divulgados pelas próprias instituições de fomento em seus canais de comunicação – site, redes sociais, boletins informativos. Entre as que contam com projetos com esse foco, estão as fundações de amparo à pesquisa, como FAPESP e Fapergs, a Finep, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
Quem também aplica recursos em negócios é a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Trabalhando no modelo de balcão aberto, ela não abre editais para receber projetos, podendo aceitá-los a qualquer momento. Para tanto, é preciso que sejam encaminhados para realização em parceria com suas unidades credenciadas.
Quem acompanha com frequência os sites dos órgãos de fomento à inovação sabe das oportunidades lançadas. Não são todos os editais que farão sentido para o seu negócio. É preciso ter atenção para encontrar aqueles que se encaixam na fase de maturidade e em que etapa a solução se encontra para saber se o recurso é o que vai alavancar o desenvolvimento de forma mais rápida.
“Fazemos um estudo para não gastar energia batendo na porta de todos os editais”, pontua Lidia Fiuza, fundadora e CEO da agtech ProspectaBio, que desenvolve formulações multifuncionais com microrganismos para atender a demandas como saúde do solo. A sugestão da fundadora, que já foi contemplada pelos editais Centelha, Inova Agro e InovaDoc, é não apenas “empacotar o projeto e enviar”. “Demanda análise para ser mais assertivo”, diz.
Estude o edital
O edital traz todas as informações necessárias para você avaliar se faz sentido pleitear financiamento com determinada instituição. Como, muitas vezes, há termos bastante específicos no texto, a tarefa de fazer uma leitura meticulosa pode levar bastante tempo. Por isso, não deixe para a última hora: aprofunde-se no documento para entender tudo o que está sendo pedido e se a sua empresa pode se inscrever.
“Leia cada vírgula, saiba o que é permitido, o que poderá ser financiado ou não. 99% das questões estão explicadas no edital”, indica Marcus Leite, coordenador do Sebrae for Startups. Ele acrescenta que quaisquer dúvidas que surgirem podem ser direcionadas para as próprias agências de fomento, que disponibilizam canais para responder às perguntas.
Depois de compreender que a sua empresa se encaixa naquele edital, o preenchimento do pleito também deve ser feito com bastante atenção. As próprias instituições oferecem modelos do formulário, que devem ser usados para aplicar suas respostas.
A dica é ter clareza e oferecer as informações que estão sendo pedidas de modo direto. “O linguajar com investidores é totalmente diferente, ele está preocupado com o sucesso para retorno do investimento”, explica Leite. “O comitê de fomento se interessa pelo desenvolvimento de uma tecnologia que ainda não existe, na geração de empregos, no diferencial para o país. São outros aspectos.”
Também não é uma boa ideia contar toda a história dos empreendedores, por exemplo. Foque no escopo do edital e explique como aquele financiamento levará a sua empresa ao próximo estágio.
Após a divulgação dos aprovados pelo edital, os empreendedores são convocados e precisam assinar um termo de outorga. Na prática, eles estão se responsabilizando a desenvolver todas as etapas do projeto dentro do estipulado em edital e dentro do proposto por eles. Ou seja, será preciso seguir o cronograma acordado e declarar que o recurso disponibilizado será utilizado conforme estipulado em edital.
A empresa, na sequência, costuma receber metade do valor requisitado para o desenvolvimento do projeto. Mais recentemente, segundo Fiuza, fundadora da ProspectaBio, tem havido uma antecipação do depósito das parcelas do financiamento. Essa mudança, de acordo com ela, é bem-vinda, pois busca trazer para a empresa mais flexibilidade e proporcionar agilidade às pesquisas.
Funcionamento da contrapartida
Em alguns casos, as startups precisam dar uma contrapartida financeira para receber o financiamento, um autoinvestimento de uma porcentagem baixa, para mostrar o comprometimento com o processo – e também é necessário justificar como esse capital será utilizado. A dica da CEO da agtech é entender se o edital no qual você pretende se inscrever exige isso para que haja planejamento financeiro da empresa.
Há também casos em que o pedido de contrapartida não é financeiro, mas de dedicação exclusiva ao projeto. Para Leite, do Sebrae for Startups, “é um mecanismo interessante, porque temos um problema no mercado com pessoas que vivem de subvenção por saber escrever projetos, mas a empresa nunca decola. Tem empresas que ficam dez anos pegando financiamento sem emitir uma nota fiscal”.
Como as instituições recebem dinheiro público para fomentar a inovação, elas precisam prestar contas junto aos órgãos de controle oficiais para provar que o capital está sendo bem investido nas empresas e que os recursos não foram desviados de forma ilícita. Leite alerta que os negócios contemplados precisam dar atenção a isso e jogar de acordo com as regras desde o primeiro dia, para não precisar devolver o recurso.
Qualquer alteração no uso do investimento previsto no projeto inicial deve ser comunicada com antecedência. Essa prestação de contas varia de acordo com a instituição, mas costuma acontecer na metade do tempo acordado pelas partes para o desenvolvimento de pesquisa, para que, se necessário, seja possível recalcular a rota antes do fim do processo.
Esta reportagem foi publicada originalmente na edição de maio da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios