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Boletim Behaviorista

Como são os estudos de desvalorização pelo atraso (delay discouting) com crianças?

Publicado em 04 março 2019

Desvalorização pelo atraso (delay discouting, em inglês) é o termo utilizado para se referir ao processo pelo qual itens ou produtos são cada vez mais desvalorizados subjetivamente quanto maior for o atraso em receber tais itens. As avaliações de desvalorização pelo atraso ocorrem da seguinte maneira: o participante da pesquisa deve escolher entre uma quantidade maior de itens após certo atraso, ou uma quantidade menor dos mesmos itens imediatamente. Essa quantidade de itens e o atraso são manipulados de maneira a identificar o momento no qual o participante escolhe qualquer das duas opções disponíveis (o que é chamado na área de ponto de indiferença).

A desvalorização pelo atraso tem sido considerada como um índice de impulsividade, de modo que quanto mais um indivíduo desvaloriza determinado item com certo atraso, mais impulsivo é seu comportamento. Pesquisas sobre este tema têm mostrado, por exemplo, que a desvalorização pelo atraso é preditiva de comportamentos de risco, como o não uso de cinto de segurança, não aplicação de protetor solar e comportamento sexual de risco. Também há uma relação entre a desvalorização pelo atraso e comportamentos de adicção, como jogo patológico e abuso de substâncias.

Pensando na possibilidade de auxiliar jovens em situação de risco, Johanna Staubitz e colegas, em um artigo publicado no periódico The Psychological Record, revisaram pesquisas sobre desvalorização pelo atraso em crianças com idade média de até 12 anos. Os pesquisadores buscaram em várias bases de dados (e.g., ProQuest, PsyInfo) termos como “delay discounting”, “temporal discounting”, “crianças” e “escola”, sumarizando informações sobre os participantes e os parâmetros de avaliação da desvalorização pelo atraso.

Vinte e um estudos foram revisados. Os estudos continham, em conjunto, 2621 participantes. As pesquisas foram publicadas entre 2006 e 2016 em 17 periódicos diferentes. A maioria das pesquisas (10) foram com crianças com déficit de atenção e hiperatividade ou (8) crianças com desenvolvimento típico. Com relação a raça, apesar de mais da metade dos estudos não relatarem este dado, para os 38,1% que reportaram a informação, a maioria das crianças eram brancas.

Na maioria dos estudos, uma única avaliação de desvalorização pelo atraso foi feita. Com relação às escolhas que os participantes faziam, a maioria das pesquisas (17) utilizou escolhas hipotéticas (e.g., escolher entre receber certa quantia de dinheiro agora ou uma quantia maior depois de alguns dias), em comparação com escolhas reais. Em 22 das 25 avaliações feitas, dinheiro (hipotético ou real) foi utilizado como item/produto, com o uso de pontos, acesso a um jogo preferido e adesivos nas três pesquisas restantes.

As tarefas foram feitas de maneira computadorizada na maioria dos estudos. As magnitudes da recompensa maior e tardia foram consideravelmente maiores nas escolhas hipotéticas do que nas escolhas reais: os pesquisadores usaram valores entre $10 e $100 nas situações de escolhas hipotéticas, em comparação com valores entre $0,05 e $0,10 nas situações de escolha real. Com relação ao uso de recursos visuais (por exemplo, uma imagem da quantidade de moedas que o participante poderia escolher) no procedimento, somente nove pesquisas as utilizaram, possivelmente para auxiliar no entendimento das magnitudes da recompensa. Interessantemente, esses recursos visuais foram mais usados nas pesquisas com escolhas reais do que com escolhas hipotéticas.

Analisando o corpo de trabalhos publicados nessa temática, em comparação com as centenas de estudos publicados sobre desvalorização pelo reforço com adultos, a mesma literatura com crianças é bem menor (vista a seleção de apenas 21 estudos pelos experimentadores), apesar de haver uma tendência de aumento no número de artigos publicados por ano. Os experimentadores sugerem, para estudos futuros, a identificação de adaptações do procedimento que sejam apropriadas para crianças bem pequenas, as quais podem ter dificuldade de entender escolhas hipotéticas, por exemplo, e também para populações atípicas, como indivíduos com atrasos no desenvolvimento.

Outras áreas profícuas de pesquisa são a investigação de variáveis relacionadas a apresentação dos estímulos de escolha, efeitos dos tipos de escolha (hipotética vs. real), item/produto/ utilizado e magnitude da recompensa maior e tardia, pois não se sabe ainda os efeitos dessas variáveis nas estimativas de desvalorização pelo atraso em crianças. Por fim, trabalhos como esse são importantes pois são um primeiro passo para o possível uso das tarefas de desvalorização pelo atraso como formas de identificar crianças pequenas em risco.

O estudo:

Staubitz, J. L., Lloyd, B. P.; & Reed, D. D. (2018). A summary of methods for measuring delay discounting in young children. The Psychological Record, 68(2), 239-253. doi: 10.1007/s40732-018-0292-1

Créditos da imagem: https://www.livescience.com/23899-twist-on-marshmallow-test-shows-environment-affects-self-control.html

Escrito por Táhcita M. Mizael, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São Carlos, e membra do CLiCS – Grupo de pesquisa em Cultura, Linguagem e Comportamento Simbólico. Bolsista FAPESP.

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