No final de março, pesquisadores e autoridades de 129 países participaram em Medelin, Colômbia, da 6a. Plenária da Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPEBS), painel ligado às Nações Unidas que busca organizar o conhecimento sobre a biodiversidade e os benefícios que ela fornece para a vida humana no planeta. Relatórios sobre degradação e restauração de áreas e a respeito da situação da biodiversidade em quatro regiões foram aprovados na plenária. A organização das informações teve a colaboração direta de 25 pesquisadores brasileiros, que até julho devem divulgar outro diagnóstico, esse especifico sobre a condição do país, coordenado pelos biólogos Carlos Joly, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Fábio Scarano, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A bióloga Cristiana Simao Seixas, de 47 anos, teve um papel de destaque nesse grupo. Foi uma das coordenadoras do Diagnóstico da Américas do IPBES, documento que mapeou a velocidade da perda da biodiversidade no continente e seus impactos na qualidade de vida humana e sugeriu estratégias para refrear o processo. Na entrevista a seguir, ela expõe as conclusões do diagnóstico, explica a importância dos conhecimentos tradicionais e mostra porque é preciso contabilizar também os valores imateriais da biodiversidade.
O que foi avaliado no diagnóstico das Américas ?
O foco do diagnóstico não foi simplesmente mostrar que estamos perdendo biodiversidade. Isso todo mundo já sabe. O objetivo foi apontar a velocidade desse processo e como a contribuição da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos para a qualidade de vida das pessoas vem mudando. A partir disso, levantamos cenários e as opções políticas para tentar frear a perda.
Qual é a dimensão dela ?
Os dados mostram que 95% das pradarias da América do Norte já se transformaram em áreas dominadas pela ação humana. O mesmo vale para 88% da Mata Atlântica, 70% dos Campos do Rio dela Plata, incluindo os Pampas, 50% do Cerrado, 17% da floresta amazônica e por aí vai. Em algumas regiões, a biodiversidade diminui muito rapidamente. Ainda assim, as Américas possuem 40% da chamada biocapacidade global, que é a possibilidade de prover serviços e benefícios para a humanidade. Isso é medido pelo potencial ecológico dos ecossistemas das Américas, pela contribuição de tecnologias e pela capacidade de absorver os dejetos da produção econômica. O continente tem 13% da população do mundo e 40% da capacidade global de produzir serviços para a humanidade. Ao mesmo tempo, temos 22,8% da pegada ecológica do mundo, o que é evidentemente desproporcional. A pegada ecológica é o impacto que a produção econômica e o desenvolvimento dos países causa nos ecossistemas. Ela continua crescendo na América do Sul, no Caribe, na América Central. Mas nos Estados Unidos e no Canadá, embora sejam responsáveis por dois terços da pegada ecológica do continente, a tendência é de diminuição. Esta é a boa notícia: é possível frear esse processo.
Como fazer isso?
O diagnóstico mostra aqui e acolá iniciativas que estão conseguindo dar uma refreada em algumas áreas. É preciso aprender com os exemplos que estão funcionando. Há um crescimento econômico desordenado, expansão da agropecuária, da mineração e da poluiçao, além das mudanças climáticas. Mas também há iniciativas, ainda em pequena escala, da agricultura sustentável, práticas sustentáveis de manejo de água, de floresta, de pesca, de caça etc. Nesse sentido, temos muito o que aprender com populações tradicionais e indígenas. O diagnóstico aponta que as Américas são uma região não só altamente biodiversa mas também culturalmente diversa.
A que se deve a queda na pegada ecológica da América do Norte ?
Não dá para dizer exatamente, mas há mudanças no comportamento humano e no padrão de consumo. A agricultura orgânica cresce, temos agroflorestas, menor uso de inseticidas e legislações que controlam resíduos industriais.
E na América do Sul? Qual o potencial para reduzir?
O aumento da nossa pegada ecológica tem a ver com muitas pessoas saindo da linha de pobreza e consumindo mais. Isso tem o lado bom, que é a questão socioeconômica. Tem um dado importante a analisar, o da reserva ecológica de cada país, que é biocapacidade menos a pegada ecológica. Nos Estados Unidos, o balanço é negativo. No Brasil é bastante positivo e o potencial para promover um desenvolvimento sustentável é grande.
Esta entrevista pode e deve ser buscada na íntegra na fonte abaixo citada, porque traz conteúdo inestimável ao tema Biodiversidade, bem como aos aspectos socioeconômicos preconizados no início aqui transcrito. Sem tanto apontar culpados, mostra saídas para a melhoria da sustentabilidade em aspectos hoje pouco atendidos.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP N. 267 – maio de 2018 – ENTREVISTA – pp. 40 a 43.