Notícia

Gazeta Mercantil

Como matar seu avô e, mesmo assim, chegar a nascer

Publicado em 02 fevereiro 1996

Por The Economist
"O Exterminador do Futuro", um filme de ficção científica lançado em 1984, conta uma história da luta entre o bem e o mal. Dois viajantes no tempo competem entre si para modelar o futuro, do qual retornaram, impondo suas vontades ao presente. Um deles, um "cyborg" musculoso, procura eliminar o futuro inimigo, matando a mãe dele antes de ele ter nascido. O outro, que luta para salvar essa mulher, torna-se o pai do menino, que, depois de adulto, será seu chefe e o enviará em sua missão de volta ao passado. Modificar o passado de modo a alterar o presente é chamado, às vezes, de "o paradoxo do avô", por causa da objeção que se faz em forma de pergunta: "O que aconteceria se você matasse seu próprio ancestral?". Tais interferências parecem violentar noções de consistência. Embora dificuldades desse tipo tenham fascinado escritores de ficção científica e filósofos desde o fim do século XIX, até recentemente os cientistas se mostravam céticos. Mas uma minoria crescente não vê, agora, nenhuma inconsistência lógica, apenas estranheza, na noção de viagem no tempo. Na verdade, esses cientistas deduziram, a partir das teorias da física moderna, algumas maneiras pelas quais essas viagens poderiam se realizar. Desaparecimento proibido Ao ver um crononauta entrar em sua máquina do tempo para, em seguida, desaparecer, um físico perguntará, imediatamente, aonde foi a matéria que compunha tanto o homem quanto a sua máquina. O desaparecimento espontâneo de objetos não é permitido, por violar a lei da conservação da matéria. Assim, na visão newtoniana clássica de espaço e tempo como absolutos e uniformes, a conservação da matéria e da energia impossibilita a viagem no tempo. Mas a física moderna consegue contornar essa dificuldade. Ela une o tempo e o espaço enquanto aspectos de uma só estrutura, chamada de "espaço-tempo". As três dimensões do espaço e a dimensão única do tempo definem uma arena quadridimensional na qual, ao longo de sua existência, um objeto descreve um tubo comprido, chamado de "worldline" ou "linha mundial". Essa via deve sempre avançar na mesma direção do tempo, embora possa ondular nas dimensões espaciais, correspondendo aos movimentos do objeto. O espaço-tempo urdido pela relatividade geral, a teoria da gravitação de Einstein. é um tecido mais flexível que o de Newton. Assim, viajar no tempo seria "meramente" uma questão de distorcer o espaço-tempo a fim de permitir que as "worldlines" revisitem algumas partes dele por onde já haviam passado antes. Matéria e energia são conservadas. Kurt Godel, um matemático austríaco, demonstrou em 1949 que a matemática que descreve o espaço-tempo pode acomodar tais "curvas fechadas de tempo", embora — segundo a solução dele - apenas num universo que gira. Infelizmente, até onde sabem os astrônomos, o universo não está girando. Se estivesse, as galáxias se moveriam, umas em relação às outras, de um modo diferente daquele que é observado. O trabalho de Godel não torna a viagem no tempo muito prática - pôr todo o universo a girar não é uma tarefa fácil -, mas, pelo menos, demonstra que mover-se continuamente para diante no tempo e retornar, no fim, ao momento de partida não é inconsistente com as leis da física. E com Godel como seu guia, os teóricos descobriram, desde então, outras soluções para as equações de Einstein, que incluem "alças" no tempo. Algumas delas podem, eventualmente, indicar formas práticas de viajar no tempo, que estariam ao alcance dos poderes criativos de uma civilização tremendamente avançada. "Atalho" no hiperespaço Uma das preferidas entre as teorias recentes vem sendo defendida por Kip Thorne, um especialista em gravitação do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Sua candidata para uma máquina do tempo em potencial envolve um "atalho" - um caminho que supostamente existiria, ligando dois pontos no espaço, sem passar por todos os pontos na linha reta que normalmente constituiria a rota mais curta entre eles. Um atalho equivaleria, assim (na dimensão mais elevada do "hiperespaço" que envolve o universo), a dobrar uma folha de papel até encostar, uma na outra, as duas extremidades de uma linha reta traçada nela. Distorções locais no espaço, em dois pontos pouco afastados do hiperespaço, teriam o efeito, segundo a teoria, de arqueá-los até encostarem um no outro. Alguma coisa poderia, então, viajar através do atalho, chegando a um ponto distante sem atravessar todo o espaço intermediário. Para transformar um atalho numa máquina do tempo, seria preciso mandar uma de suas pontas numa longa viagem. Thorne forneceu uma receita para um sistema desse tipo em seu livro recente, "Black Holes and Time Warps" ("Buracos Negros e Distorções do Tempo", W.W. Norton & Company). Primeiro, encontre seu atalho. Um bom lugar para procurá-lo seria a "espuma quântica" de tempo fugaz e distorções de energia, que, segundo acreditam alguns físicos, é o que constitui o espaço vazio, numa escala 100 trilhões de trilhões de vezes menor que o átomo. Amarre uma das pontas do atalho numa base terrestre. Coloque a outra ponta a bordo de uma espaçonave e lance-a numa longa viagem circular. Se a nave viajar a uma velocidade próxima à da luz, o tempo (como prevê a relatividade geral) passará mais lentamente para sua tripulação e carga que para o pessoal de solo que permaneceu na Terra. A aeronave retornará dez anos mais velha, digamos, do que quando saiu, pousando numa Terra que avançou, talvez, 50 anos. Mas como o atalho é curto o suficiente para fornecer uma comunicação quase instantânea entre suas duas pontas, a ponta que está a bordo da espaçonave levará à outra ponta, que ficou na Terra, no estado em que esta era dez anos depois do lançamento -ou seja, 40 anos antes do momento de retorno. Desde, é claro, que os atalhos realmente existam. Os físicos modernos desenvolveram uma fé quase supersticiosa no poder da matemática de corresponder à realidade - com bons motivos, até aqui. Mas isso não significa que toda a equação algébrica, por mais abstrusa que seja, reflita, necessariamente, o mundo real. Entretanto, se é possível viajar no tempo através de um atalho, o paradoxo da consistência precisa ser examinado. Felizmente para os físicos, a matemática é capaz de realizar essa tarefa, até certo ponto. Colegas de Thorne, na Caltech, analisam o caminho seguido por uma bola de bilhar que rola para dentro de um atalho, de onde sai pela outra ponta alguns segundos antes para se chocar consigo mesma, desviando seu próprio curso. (Quem leu o livro "O Guia do Carona para a Galáxia", de Douglas Adams, já estará familiarizado com o conceito do bilhar intergalático.) As bolas de bilhar, no entanto, não são agentes éticos: são incapazes de decidir assassinar seus criadores. Mas é um início. Universos paralelos Em todas as experiências teóricas que os pesquisadores da Caltech realizaram até agora, eles conseguiram descobrir pequenas variações capazes de tornar os eventos consistentes: a bola que entra é desviada um pouco de seu curso por uma bola que a atinge de relance quando ela emerge, tornando sua rota ligeiramente oblíqua em relação à boca do atalho. O redirecionamento não é suficiente para fazê-la errar a entrada, mas ela entra deslocada para um lado, o que explica sua chegada descentrada, momentos antes, na outra boca do atalho. O problema é que a busca dessas soluções requer que se imponham restrições às ações dos objetos, que vão além das restrições físicas normais que regem o comportamento da matéria. Uma abordagem mais audaz, para resolver os paradoxos da viagem no tempo, e que acomoda com a mesma facilidade tanto as criaturas com vontade própria quanto as bolas de bilhar, invoca outra revolução da física do século XX: a teoria quântica. David Deutsch, um físico da Universidade de Oxford, é um dos principais defensores da interpretação da teoria quântica conhecida como a dos "muitos mundos". Ele toma sua estrutura matemática literalmente. Na mecânica quântica, os objetos não existem num estado único mas possuem uma variedade de estados possíveis com probabilidades particulares. Isso significa, segundo Deutsch, que existem diferentes universos correspondentes a cada possível estado de coisas. Para os amantes da parcimônia, esse é um modo extravagante de provar uma coisa tão improvável quanto a viagem no tempo. Exige a existência de um número inimaginável de universos paralelos, capazes de acomodar cada combinação possível de comportamento de todas as partículas do universo. Em troca de tal prodigalidade, permite uma interpretação consistente através de uma espiral godeliana de tempo. Deutsch acha que os desvios do espaço-tempo ligam um universo possível a outro, em vez de ficarem confinados dentro de um único universo. Onde isso deixa a lei da conservação, com objetos saltando alegremente entre diferentes universos, perdeu-se na neblina da matemática avançada. Mas, sem dúvida, é importante para o paradoxo do avô. Um viajante do tempo, decidido a modificar sua própria ascendência, passa de um universo para outro. Ambos os universos são idênticos, até certo momento da vida de seu avô. Daquele momento em diante, divergem. No universo de onde o viajante saiu, seu avô casa e tem filhas, uma das quais se torna a mãe do viajante. No universo a que chegou, "seu avô" é cruelmente abatido, ainda solteiro, por um homem de aparência estranhamente familiar, e o viajante não chega a nascer. Confuso? Não se preocupe. Num universo paralelo, seu sósia entendeu perfeitamente.