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Como formar e desperdiçar pesquisadores

Publicado em 15 julho 2003

Eduardo Nunomura escreve para 'O Estado de SP'; Do início de 1995 até o fim do mês, o Brasil terá investido mais de R$ 130 mil na formação de Lúcia Helena Carvalho, de 32 anos. A Universidade Bandeirante agradece. A Uniban, que cobra mensalidade de R$ 605,00 dos alunos de biomedicina, terá o privilégio de contar com as aulas da pesquisadora a partir de agosto. E a ciência brasileira perderá mais um de seus quadros. Com nível de pós-doutorado e atuando num conceituado laboratório do Instituto de Química da USP, Lúcia Helena é um exemplo de desperdício na pesquisa brasileira. Sem condições de absorver seus mestres e doutores, o país perde talentos para o mercado, que os utiliza em outras funções, com raras exceções. Alguns vão vender máquinas e produtos. 'As estatísticas dizem que precisamos de mais pessoas qualificadas. Formamos esse pessoal, mas não há emprego para todos', atesta Mari Cleide Sogayar, do Depto. de Bioquímica e orientadora de Lúcia Helena. A pesquisadora e futura professora da Uniban preferia continuar na bancada, fazendo ciência - estuda a ação de hormônios glicocorticóides na proliferação celular. Tanto que já prometeu manter um vínculo informal com a USP, sem remuneração. Poderia ter insistido na renovação da bolsa, mas com a procura gigantesca suas chances eram reduzidas. 'É dose ter de ficar esperando sentadinha, sem saber se vai ser aceita ou não.' Indo um dia por semana à Uniban, receberá mais que os R$ 2.100,00 da bolsa. Qual a conseqüência disso? Novos estudantes têm de ser treinados. É quase uma volta à estaca zero. Mas esse é só um dos problemas na formação de pesquisadores. As três maiores instituições que oferecem bolsas de pós-graduação, Capes, CNPq e Fapesp, não dão conta da demanda nacional. Particularmente para SP, as duas primeiras vêm diminuindo a oferta. A Fapesp está cobrindo a diferença. E como todas investem em outras áreas além das bolsas, a seleção de mestrandos e doutorandos está mais rigorosa. Uma das conseqüências foi a redução de bolsas de estudo no exterior. Nos dois níveis, as três agências financiam quase 30 mil bolsas. E os valores das bolsas estão defasados. Um pesquisador em início de carreira, o mestrando, ganha de R$ 725,00 a R$ 930,00. Um doutorando, de R$ 1.072,00 a R$ 1.770,00. O farmacêutico bioquímico Wagner Ricardo Montor, de 26, faz doutorado. Com a bolsa de R$ 1.430,00, ajuda a família de classe média, vai poucas vezes a restaurantes, não tem carro e economiza o que pode. Muitos já fazem isso, por precaução. 'Essas contas acabam consumindo raciocínio, que deveria ir para a pesquisa. Daria para produzir mais', diz Montor, que estuda a ação do ácido retinóico (um derivado da vitamina A) contra tumores no cérebro. Como todo pesquisador, afirma que dinheiro não é seu principal objetivo, mas se preocupa com o futuro próximo. Seguirá no pós-doutorado e não descarta a hipótese de recorrer a uma bolsa em instituições estrangeiras. Causam menos stress. Formação - A pós-graduação tornou-se um grande marco da ciência e do ensino no país. Só que, de cada dez pesquisadores, um pertence a uma Universidade privada. É um número que tende a crescer, mas talvez só em algumas décadas. Já as empresas investem pouquíssimo e não aproveitam os cientistas. O poder público, sozinho, não faz milagres. Nos últimos 30 anos, houve a grande expansão da pesquisa pública. Entre 1966 e 1975, foram criados 402 cursos de pós. Mais de um quarto deles em SP. Até 1985, o aumento na formação de pesquisadores ocorreu basicamente no Sudeste. Só na década seguinte procurou-se acabar com essa concentração. Mas até hoje a USP forma um grande número de cientistas. Em 2002, foram 3.289 mestres e 2.070 doutores. Estudiosos vêm alertando que só a concessão de bolsas é insuficiente para o progresso da ciência. Como houve uma excessiva vinculação da pesquisa à pós-graduação nas últimas décadas, boa parte do dinheiro para o setor vai para bolsistas. E muitos deles, após a obtenção do título, deixam de produzir pesquisas relevantes. A torneira, como se vê, continuará aberta. (O Estado de SP, 13/7)