Já é fato que treinar demais e descansar pouco causa problemas como insônia, enfraquecimento da imunidade e dores musculares. Mas os malefícios podem ir além. Cientistas brasileiros estão em busca dos efeitos do exercício físico excessivo no coração e no fígado.
Pesquisadores da Universidade Estadual de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) reuniram as suas principais descobertas sobre o tema em um artigo publicado recentemente no periódico Cytokine. As pesquisas receberam apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Em testes realizados com camundongos, coração, fígado, músculos e sistema nervoso mostraram alterações (algumas prejudiciais) após treinos muito intensos. Os exames incluíram corridas no plano, na subida e na descida por oito semanas.
Nos músculos, as células demonstraram mais dificuldade em captar a glicose no sangue. Na descida, por exemplo, os animais apresentaram ainda sinais de atrofia e má formação de proteínas no interior das células.
Novos testes mostraram que, como as células musculares mostraram maior dificuldade de captar glicose, o fígado ajudou o organismo a aumentar o estoque.
Por outro lado, os cientistas constataram também maior acúmulo de gordura no fígado e sinais de inflamação (esteato-hepatite). Isto pode estar relacionado à atuação compensatória do fígado na administração do estoque de glicose, mas isso ainda não foi confirmado.
“O aumento da gordura no fígado é muito ruim, pois tem relação com uma série de doenças, como obesidade e diabetes. Mas é importante destacar que, nos experimentos, não constatamos essas doenças, apenas o acúmulo de gordura”, destaca Adelino Sanchez Ramos da Silva, coordenador da pesquisa e professor da USP.
Até mesmo o coração incrementou a sua participação na captação da glicose, com um maior acúmulo da substância em seus tecidos. Mas, como efeito negativo no coração, após as oito semanas de treino excessivo, foi observado também sinais de fibrose no ventrículo esquerdo.
Tanto neste órgão, quanto no fígado, sangue e músculos, foram detectados ainda marcadores inflamatórios.
Um período de descanso de duas semanas fez com que os camundongos recuperassem o seu peso e apetite, duas alterações clássicas no estudo dos exercícios de intensidade.
O importante papel das citocinas
Uma outra inovação proposta pelos pesquisadores diz respeito ao papel das citocinas. Uma explicação aceita na literatura científica até agora é a de que as citocinas seriam liberadas com o exercício excessivo, levando a várias mudanças no organismo e à queda na performance.
A hipótese da citocina considera que um desequilíbrio envolvendo exercício excessivo e recuperação inadequada induz trauma musculoesquelético, aumentando a produção e liberação de citocinas pró-inflamatórias, principalmente interleucina 6 (IL-6), fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), e interleucina 1 beta (IL-1beta), que interagem com diferentes sistemas orgânicos, iniciando a maioria dos sinais e sintomas ligados ao decréscimo de performance.
Este estudo utilizou dados recentes para discutir as bases científicas da teoria das citocinas de Smith e destacou que os efeitos adversos do exercício excessivo vão além do declínio do desempenho, propondo uma abordagem de múltiplos órgãos para essa questão.
Essas descobertas recentes permitirão que treinadores e fisiologistas do exercício desenvolvam estratégias para evitar resultados adversos crônicos induzidos pelo exercício exagerado.
Entretanto, os estudos liderados pelo pesquisador Adelino Silva vem demonstrando que, mesmo quando as citocinas já estão em níveis normais após uma série de exercícios, a performance pode continuar prejudicada.
Assim, os cientistas brasileiros defendem que as citocinas não são a única explicação para a queda na performance. Portanto, a busca por outras justificativas continua.