Dominar o ciclo da manufatura bem como o condicionamento das propriedades dos materiais representa um passo decisivo para a inovação. A partir dessa evolução pode-se obter produtos de alto desempenho, inclusive por Impressão 3D, como destaca André Paulo Tschiptschin, coordenador do Concurso MetMat de fotomicrografias de metalurgia e materiais, nesta entrevista à Revista ABM. Professor titular do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da Poli-USP, ele ressalta que a iniciativa patrocinada pela Gerdau e Zeiss do Brasil tem contribuído fortemente para a capacitação de profissionais, além de ajudar o setor minerometalúrgico a incorporar novos processos de produção. Basta lembrar, segundo ele, que, nos 17 anos de realização do concurso, as técnicas de caracterização microestrutural deram um salto qualitativo, respaldando a análise e o conhecimento das relações entre a microestrutura, as propriedades e o desempenho dos materiais.
Revista ABM – Como o senhor avalia a importância do concurso para a evolução do conhecimento técnico-científico em metalografia?
André Paulo Tschiptschin – O concurso vem sendo realizado há 17 anos e nesse período as técnicas de caracterização microestrutural, seja por microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura, microscopia eletrônica de transmissão ou microscopia de força atômica, evoluíram muito. Possibilitaram estudar detalhes microestruturais, tais como a distribuição de orientação de grãos no interior dos materiais. Utilizando técnicas de microscopia, estudantes e pesquisadores observam as microestruturas desenvolvidas durante e após o processamento de diferentes materiais metálicos, poliméricos, cerâmicos ou compósitos.
Esse estudo permite compreender a relação entre o processamento, microestrutura, propriedades físicas e o desempenho dos materiais. De que forma o conhecimento acumulado contribui para fomentar a inovação nas empresas e nas universidades?
As técnicas de análise microestrutural utilizadas atualmente foram desenvolvidas em laboratórios de universidades e institutos de pesquisa, mostrando uma importante interação entre a ciência, tecnologia e o desenvolvimento industrial. Por exemplo, o desenvolvimento da técnica de mapeamento de orientações de grãos, por meio da análise de padrões de difração de elétrons retroespalhados, é fruto dessa interação. Raramente a distribuição dos grãos de um material policristalino é aleatória. Muitas das propriedades e o desempenho dos materiais são determinados pela distribuição de orientações cristalinas que, por sua vez, decorrem de diferentes rotas de processamento. Os mapas sobre essa temática geram figuras de diversas cores, permitindo visualizar a distribuição existente em determinada amostra. Materiais com propriedades magnéticas otimizadas apresentam grãos com orientação cristalina predominante muito diferente das que caracterizam chapas de aço utilizadas em estampagem profunda.
Como são definidas as abordagens baseadas nas técnicas de microscopia óptica e microscopia eletrônica de varredura ou microscopia de força atômica?
Os temas são definidos pelos próprios participantes e não pela comissão organizadora. Mas os participantes só podem concorrer nesses temas ou em técnicas associadas. Nos últimos anos tivemos, em média, 150 trabalhos fotográficos inscritos, enviados por técnicos de laboratórios de controle de qualidade e de pesquisa de diferentes empresas, institutos de pesquisas e universidades de todo o País. A diversidade enriquece o conjunto de trabalhos, tornando muito rica a exposição. As fotografias têm apresentado excelente qualidade técnica, beleza e criatividade muito grandes (figuras 1 e 2), cujos autores são dois ganhadores do concurso de 2018.
Como essa pedagogia dialoga com os conceitos da Indústria 4.0, impressão 3D e transformação digital? Curiosamente, as melhores fotografias resultaram da análise de materiais por meio de manufatura aditiva ou impressão 3D, técnica que permite obter peças pela adição de camadas de material fundido ou derretido, depositado sobre camadas anteriormente existentes. A deposição sucessiva de camadas permite fabricar peças segundo o conceito CAD-CAM. A obtenção tradicional de materiais por meio da fundição de ligas metálicas ou injeção de polímeros vem sendo substituída por técnicas de deposição de camadas sucessivas controladas por computadores. Trata-se da aplicação prática de conceitos da In dústria 4.0 na manufatura de materiais. Graças a essas técnicas é possível fabricar peças especiais, para determinadas finalidades, com características especificadas no projeto. A impressão 3D gera camadas de material com morfologias muito regulares e simétricas. A título de exemplo, destaco a imagem obtida por difração de elétrons retroespalhados (figura 3), em que se observam as camadas depositadas e o mapa de orientação de grãos.
Como o conhecimento adquirido facilita a assimilação de novas tecnologias e processos de produção no setor minerometalúrgico?
Os exemplos citados acima ilustram o enorme potencial de envolvimento dos profissionais analistas de microestruturas de materiais com o desenvolvimento de inovações em termos de ligas, materiais e processos de fabricação. A difusão do concurso entre empresas do setor minerometalúrgico tem contribuído positivamente para a assimilação de tecnologias e processos inovadores. Os engenheiros e pesquisadores dessas empresas têm sido motivados e estimulados a aprofundar a análise e o conhecimento das relações entre a microestrutura, as propriedades e o desempenho dos materiais.
Dentre os trabalhos finalistas do último concurso, qual o senhor destaca como mais promissor neste sentido?
Cito o trabalho que tirou o primeiro lugar em microscopia eletrônica de varredura. De autoria do pós-graduando em Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Jhoan Sebastian Guzmán Hernández, e orientado pelo professor José Fernando Gomes Landgraf, o estudo foi baseado na técnica de difração de elétrons retroespalhados. Trata-se da liga Ti-53Nb anteriormente mencionada, utilizada para fabricação de próteses ortopédicas de liga Nb-Ti obtidas por fusão seletiva a laser. O trabalho vem sendo desenvolvido em parceria entre o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo), a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração) e a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), com apoio da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). A fusão seletiva a laser é um dos processos de manufatura aditiva no qual os mais diversos materiais podem ser aplicados camada por camada (na ordem de micrômetros) para a fabricação de uma peça sem a existência de um molde ou ferramenta, mas obrigatoriamente por meio de um sistema CAD/CAM. Pode-se trabalhar com metais, cerâmicas, polímeros e agregados minerais, além de diversas combinações de materiais de acordo com a funcionalidade desejada do componente.
Em que medida as vivências/pesquisas laboratoriais contribuem para melhorar a capacitação da mão de obra?
Entendo que há dois momentos que agregam conhecimentos significativos ao currículo dos participantes. Em primeiro lugar, os técnicos, estudantes e pesquisadores dos laboratórios de caracterização microestrutural preparam amostras para serem visualizadas nos microscópios. Em um segundo momento, o da análise propriamente dita, quando eles têm grande motivação e, sobretudo, oportunidade para entender os processos físico-químicos que regem a formação das microestruturas. Aprender como uma microestrutura se forma é o primeiro passo para dominar o ciclo de manufatura e condicionamento de propriedades e, em última instância, obter materiais de alto desempenho.