Se você realmente quiser compreender como o cérebro funciona, terá que construir um, diz Kevan Martin, um cientista inglês que está fazendo exatamente isso no Instituto de Neuro-informática em Zurique. Martin e seus colegas analisam o trabalho de células isoladas do cérebro, acompanham os circuitos que elas formam e constroem microchips de silício que funcionam exatamente como os neurônios. Ligados uns aos outros, eles formam redes que processam a informação da mesma forma que o cérebro o faz.
A abordagem mais convencional para se compreender como as redes de neurônios funcionam é escrever um programa de computador que calcule a atividade das células individuais e simule o efeito de uma conexão entre elas. As simulações são importantes porque é impossível investigar tanto as propriedades das células como as dos circuitos formados por elas. Cada célula calcula suas saídas (output) a partir de centenas de sinais diferentes de entrada (input), e manda seus sinais de saída para centenas de outras células.
Os sinais nas células do cérebro podem ser analisados apenas em uma ou duas células de cada vez. Seguir o curso de redes de células para mostrar quais os tipos de circuitos que elas formam é algo que só pode ser feito em tecido (morto) especialmente preparado.
Portanto, a simulação fornece uma forma de revelar como uma rede de células se comporta, e como o comportamento das células de um indivíduo pode contribuir para o funcionamento de todo o circuito.
Mas Martin insiste em afirmar que as simulações por computadores não mostram o suficiente, "imagine se os irmãos Wright tivessem tido condições de usar um computador para simular o vôo com motores em 1903", ele diz. "Isso não teria ajudado. É só quando se constrói um aeroplano que se descobre o quanto é difícil fazê-lo voar. Os primeiros aviões costumavam estolar e cair. A única razão pela qual os Wright não fracassaram é que eles colocaram a cauda na frente, portanto, o avião não estolou", explica.
Martin pretende construir uma máquina que vê em vez de uma máquina que voa. Ele quer compreender como uma parte do cérebro chamada córtex visual processa a informação que chega pelos olhos.
Uma versão de silício da retina, a lâmina de células nervosas que processa a informação no olho antes que ela seja mandada para o cérebro, foi projetada por Carver Mead do Califórnia Institute of Technology e construída em 1990 por Misha Mahowald, que agora trabalha com Martin em Zurique.
"O circuito retinal já foi acompanhado de uma forma muito boa. A proeza foi fabricá-lo usando tecnologia digital de chip (conhecida como VLSI "very large scale integration") e descobrir como os circuitos funcionam", diz Martin.
As voltagens em chips digitais VLSI oscilam instantaneamente entre 0 e 5 volts. Os computadores digitais representam números diferentes pela mesma voltagem em diferentes partes do circuito. Em computadores análogos, como as células nervosas, a voltagem é proporcional ao número que ela representa. As voltagens precisam mudar suavemente e continuamente durante a faixa de operação de um neurônio de cerca de 10 milivolts (milésimos de um volt).
"NEURÔNIOS DE SILÍCIO"
Mead descobriu que era possível fazer chips digitais VLSI funcionarem em modo análogo, ao restringir sua faixa de voltagem para cerca de meio milivolt. Isso permite que se projetem "neurônios de silício" que imitam exatamente a operação de qualquer célula imaginável do cérebro.
Aparentemente, um problema com os neurônios de silício é que é impossível padronizar os componentes.
Todos eles funcionam de forma ligeiramente diferente, e os circuitos do cérebro são projetados de forma que possam compensar as diferenças. Essa é a razão pela qual o trabalho de Martin tem também um forte componente biológico.
"Nós estamos estudando o cérebro nos mínimos detalhes para descobrir quais são as conexões necessárias no silício", ele diz. Conectar os circuitos de neurônios de silício se apresenta como um problema especial. "O cérebro pode estabelecer uma ligação de qualquer célula para qualquer outra célula. Não se pode fazer isso num chip porque ele é plano. Simplesmente tem-se ligações demais", diz Martin.
A solução é usar um processador digital de sinais para conectar juntos todos os neurônios. Cada neurônio identifica sua saída e o processador a manda para todos os neurônios que devem receber isso como entrada. O grupo de Martin está trabalhando para construir um circuito contendo 10 mil neurônios corticais, tantos quantos caibam em meio milímetro quadrado de córtex visual.
Um surpreendente benefício dos neurônios de silício é que eles usam muito pouca energia. "Se você precisasse construir seu cérebro com tecnologia digital convencional, ele consumiria tanta energia quanto uma pequena cidade", diz Martin.
Os neurônios de silício são cerca de 10 mil vezes mais eficientes, embora eles ainda usem cerca de 100 mil vezes mais energia do que os verdadeiros neurônios. A Nasa, a agência espacial dos EUA, está discutindo a possibilidade de usar tecnologia VLSI análoga em equipamentos de sensoriamento remoto em Marte.
Mas o objetivo de Martin é compreender como o cérebro funciona. "A idéia propulsora é que todo o neocortex (cerca de 80% do cérebro) é construído a partir de unidades repetidas do mesmo circuito básico...se nós conseguirmos definir essa conectividade e construí-la em VLSI, então pode ser que nós venhamos a saber porque as pessoas são tão inteligentes", ele diz.O autor é professor de psicologia na Universidade de Nottingham.
Notícia
Gazeta Mercantil