Notícia

Gazeta Mercantil

Como avançar na política de investimento (1 notícias)

Publicado em 07 de abril de 1997

Por José Roberto Mendonça de Barros* Lídia Goldenstein**
A necessidade de uma política de investimento e competitividade não é uma idéia nova. Vem ocupando o primeiro plano de nossas atenções desde abril de 1995, quando começamos a acompanhar o processo de reestruturação industrial pelo qual o Brasil vem passando. Em agosto de 1996, após mais de um ano de entrevistas com empresários, consultores econômicos, pesquisadores universitários e discussões com as gerências setoriais do BNDES, tornamos públicas, através de um trabalho publicado na Gazeta Mercantil, nossas primeiras hipóteses sobre o que vinha ocorrendo na indústria brasileira. Naquele momento, quando as importações de todos os tipos de bens invadiam fábricas, lojas e camelôs e grande número de indústrias fechava suas portas, na contramão do senso comum e das principais análises elaboradas pelos especialistas, afirmávamos que o País não estava se desindustrializando, muito ao contrário, passava por um profundo e positivo processo de reestruturação industrial. A percepção do processo não era fácil. Exigia uma radical mudança nos valores e parâmetros com os quais estávamos acostumados a pensar a realidade brasileira. Não só o mundo era outro, afinal a "globalização" não era apenas um jargão bonito para ser usado em textos acadêmicos, como o Brasil também mudara com a abertura, a estabilização e as privatizações. Juntos, globalização, abertura, estabilização e privatizações, esses processos recriavam os determinantes do investimento nacional e internacional, exigindo um olhar novo para compreendê-los. A "invasão de importados", vista como ameaça à indústria nacional, era, na verdade, parte de uma dinâmica muito mais complexa do que se imaginava. De um lado, era uma procura das empresas aqui instaladas, nacionais ou internacionais, de rápida redução de custos, para enfrentar a concorrência que, pela primeira vez, sofriam. A compra de certos componentes e/ou máquinas no exterior era o mecanismo mais rápido e eficiente para cortar custos e conseguir ganhos de produtividade (Edward Amadeo foi o pioneiro nessa análise). De outro, a elevação das importações era resultado do interesse despertado nas empresas internacionais pelo mercado brasileiro, cuja ampliação, decorrente da abertura e da estabilização, projetou-o no cenário internacional como um dos mais atraentes do mundo. Em ambos os casos, as importações tiveram impactos mais positivos e profundos que a mera substituição da produção local. Além de viabilizarem a sobrevivência dos produtores locais, via redução de custos e modernização, as importações eram o primeiro passo no processo de vinda de novas empresas para o Brasil. Através das importações testava-se o mercado, criava-se uma rede de distribuidores e viabilizava-se a internalização da produção no País. De chocolates a automóveis, passando por todos os setores industriais, o processo era parecido. A dificuldade de compreensão dessa dinâmica decorria da concomitância de vários movimentos novos. Ao mesmo tempo que as empresas aqui instaladas procuravam modernizar-se e reduzir custos rapidamente, tem início o movimento de vinda de novas empresas multinacionais, primeiro importando o produto final e, em um movimento seguinte, importando máquinas e componentes para a internalização da sua produção. A conjunção desses dois movimentos ampliava a atratividade do mercado brasileiro e deslanchava um novo movimento, o de reintegração. Algumas atividades e/ou setores que no primeiro movimento haviam sido externalizados tornam-se atrativos como opção de investimento e, aos poucos, passam a ser internalizados novamente. À ampliação do mercado consumidor brasileiro propiciada pela abertura da economia e pela estabilização somava-se uma nova massa de consumidores, graças à introdução do crédito na economia e à consolidação do Mercosul. Estas novas escalas de produção mudam a relação custo-benefício entre o "outsourcing" e o fornecimento local. O "outsourcing" que, em um 1 primeiro momento, havia sido a opção mais racional, passa a perder sentido. A opção pelo fornecimento local barateia custos de transporte e agiliza as relações com o mercado. Segue-se então o movimento de busca de fornecedores locais e/ou de importação, não mais de produtos mas de fornecedores que queiram vir produzir aqui. O caso exemplar deste processo é o da indústria automobilística, que, em um primeiro momento, adequou-se à abertura da economia, importando o produto acabado para, em uma segunda etapa, montá-lo no Brasil com grande volume de componentes importados. Agora, a indústria automobilística está passando por uma terceira fase, na qual busca fornecedores locais e/ou estrangeiros que queiram se localizar no País. As montadoras que haviam feito a opção de manter um índice de nacionalização baixo (45%) estão tendo que rever esta estratégia, que se revelou menos eficiente. É um processo que temos chamado de reintegração produtiva, que ocorre basicamente graças às escalas de produção que já alcançamos ou estamos em perspectivas de alcançar. Obviamente, este processo, que é tão claro e firme na indústria automobilística e em alguns outros segmentos industriais, não o é em outros cujas especificidades, tanto tecnológicas quanto de mercado em nível nacional e internacional, moldam padrões de funcionamento diferentes. Apesar de pesquisa recente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizada com uma amostra considerável de empresas de vários setores, confirmar que as empresas estão passando de uma primeira fase de investimentos em redução de custos e aumentos de produtividade para uma segunda fase, de ampliação, de capacidade instalada, para que esse processo de reintegração produtiva se consolide e se espraie para os demais setores, entre os quais os mais intensivos em tecnologia e mão-de-obra qualificada e "tradables", é fundamental uma política de investimentos e competitividade. Nos setores mais tradicionais, nos quais o Brasil possui óbvias vantagens comparativas, apesar de encontrarmos situações muito díspares, o caminho a ser percorrido já é bastante conhecido e vários passos já foram ou estão sendo dados. Alguns setores, tais como calçados e têxtil, precisavam não só de investimentos como também de uma reorganização completa. Eram setores muito pulverizados, com empresas familiares pouco competitivas, dependentes de reserva de mercado. Em alguns deles, com o auxílio de novos instrumentos financeiros criados pelo BNDES, muito já se avançou em termos de reestruturação. É o caso, por exemplo, do setor calçadista, que, inclusive, conseguiu recuperar suas exportações que haviam caído significativamente. Outros, como o setor têxtil, apesar de terem passado por grandes transformações, enfrentam situações muito diferentes, não só dentro da cadeia produtiva como entre plantas industriais de um mesmo segmento. Apesar de os avanços serem indiscutíveis, é preciso aprofundá-los, principalmente na direção de uma maior agressividade com relação ao mercado externo. Para isso, uma política de investimento e competitividade pode ajudar muito, porém, é fundamental também que os empresários desses setores superem velhas posturas que os levam a encarar as exportações de forma extremamente passiva. Em outros setores de tradicional vantagem comparativa, entre os quais agroindústria, metalurgia e celulose e papel, também já tivemos importantes processos de ajuste e estamos relativamente competitivos. Estão faltando investimentos maciços para elevar a oferta, dependentes de condições de financiamento que, aos poucos, estão começando a ser viabilizadas, como veremos adiante. No setor de bens de capital, a situação também não é homogênea. O subsetor ligado a equipamentos agrícolas já está praticamente equacionado, graças aos ajustes feitos no setor agrícola que permitiram a retomada da demanda e aos novos instrumentos de financiamento colocados à sua disposição pelo BNDES, via Finame. O subsetor de bens de capital sob encomenda, no qual o Brasil já tinha certa especialização, avança na sua retomada "pari passu" ao processo de privatização que garantirá a retomada dos investimentos em áreas altamente demandantes de seus produtos. Também para este segmento os novos instrumentos financeiros que vêm sendo lançados são decisivos. Já as indústrias mais intensivas em tecnologia dependem não só das privatizações (das telecomunicações, por exemplo), como de uma revisão profunda do papel da Zona Franca de Manaus na estrutura econômica brasileira, visando a um adensamento do valor adicionado local (questão essa que já vem sendo discutida). Ou seja, entre acusações de imobilismo - nada que não se pareça com os grandes pacotes econômicos, com proteção e subsídios, merece crédito - e a crença de que nada precisa ser feito, "que a melhor política é uma não-política", decorrente de ideologias e/ou do medo legítimo de um retrocesso com relação à abertura da economia e da volta às velhas políticas de subsídio, que tanto contribuíram para o déficit público, as inúmeras decisões e avanços que já se fizeram no sentido de construir essa nova política não estão sendo bem avaliadas. Estamos assistindo a um fenômeno similar ao que ocorreu com o processo de reestruturação industrial no qual a dificuldade de se enxergar o novo em um cenário ainda em construção (como em um quebra-cabeça de inúmeras peças), somada à insatisfação dos perdedores, levou a uma negação do processo. Da mesma forma que dizíamos quanto às transformações na indústria, apesar de não estarem ocorrendo na velocidade, intensidade e, principalmente, com a facilidade com que gostaríamos, mas que estavam ocorrendo, acreditamos que é urgente avançar na política de investimento e competitividade, sem, entretanto, menosprezar o que vem sendo construído já há algum tempo, em diferentes instâncias governamentais. Não só entendemos como compartilhamos o sentido de urgência que se tem em relação aos problemas que estão sendo ou que têm ainda de ser enfrentados. Entretanto, muitas das medidas que já foram implementadas têm um tempo de maturação ou dependem de processos longos até deslancharem. E o caso das políticas horizontais gerais como, por exemplo, educação. Dado que cada vez mais as vantagens comparativas são "criadas" por investimentos maciços em treinamento, educação, tecnologia e informação, não se pode negar que essa é uma área fundamental em qualquer política de investimento e competitividade. Porém, também não se pode negar que educação é uma das áreas nas quais mais se tem avançado graças à inversão de prioridades na direção do ensino fundamental e técnico, cujos resultados, entretanto, infelizmente, demorarão alguns anos até se tornarem evidentes. O mesmo ocorre quanto ao chamado "custo Brasil". E curioso notar que muitos analistas visualizam os efeitos da redução do "custo Brasil" apenas em relação às exportações, esquecendo que tão importante quanto são os ganhos de competitividade da produção interna com relação às importações. A redução do custo de produção para elevar a competitividade, tanto das exportações quanto da produção interna "vis-à-vis" as importações, depende de ações em diferentes áreas, tais como logística, redução de impostos, desburocratização, redução de taxas de juros, entre outras. Muitas áreas já foram objeto de mudanças, outras estão em processo. Apesar de a redução dos juros já ter sido significativa, precisamos avançar ainda mais. Na parte de logística, as privatizações de portos, estradas e ferrovias têm avançado surpreendentemente bem. Praticamente todas as principais ferrovias já foram privatizadas, os investimentos estão ocorrendo, mas os resultados, mais uma vez, infelizmente, não são instantâneos. Quanto aos portos, a corrida é para que os principais sejam privatizados ainda neste ano. O que alguns consideram lentidão no processo de privatização é, na verdade, o tempo necessário para não se repetirem os erros que ocorreram em outros países onde se "queimaram" empresas estatais a qualquer custo e sem preocupação de criar marcos regulatórios que evitassem a criação de monopólios privados não comprometidos com novos investimentos e modernização. Quanto às políticas de suporte à exportação, avançou-se na desoneração fiscal, no seguro de crédito e nas linhas especiais de crédito. Entretanto, estamos muito atrasados na organização dos canais de comercialização. Como economia fechada que sempre foi, o Brasil nunca investiu em uma estrutura de comércio exterior que criasse condições de acesso ao mercado internacional não só para grandes como para pequenas e médias empresas. Nossas exportações, com exceção de alguns produtos e "commodities", sempre dependeram de elevados subsídios e funcionaram como compensação às retrações do mercado interno. Em muitos setores somos "comprados", não vendemos. Em outras palavras, não desenvolvemos o produto, não temos parcerias ao longo da cadeia produtiva, não construímos um mercado externo, apenas fornecemos, quando, quanto e na forma que nos encomendam. Ficamos, assim, muito suscetíveis às vicissitudes do mercado externo e totalmente dependentes da manutenção de retração no mercado interno. Também está muito aquém do necessário, porém mais avançada do que se imagina, a reestruturação do sistema de financiamento brasileiro. Não é novidade para ninguém que o grande calcanhar-de-aquiles do capitalismo brasileiro sempre foi o seu sistema financeiro. A reforma financeira implementada em 1964/67, com o Paeg, deu um fôlego para o país crescer, porém, apesar da diversificação e ampliação da intermediação financeira que ocorreu no País após a reforma -que propiciou uma formidável expansão do setor de bens de consumo durável, especialmente a indústria automobilística e a construção civil -, nunca se conseguiu viabilizar uma estrutura privada de financiamento de longo prazo que garantisse a captação e os empréstimos no montante necessário aos empreendimentos de maior escala e prazos de maturação. Esse papel continuou sendo cumprido pelo Estado, quer diretamente, quer através de suas agências financeiras, que, para isso, contaram com a extraordinária (para os padrões da época) liquidez internacional existente. Todavia, já a partir de 1974, quando a inflação retoma seu movimento ascendente, pode-se vislumbrar a perda de funcionalidade do sistema financeiro montado em 1964, cuja crise aberta se expressaria com a crise da dívida externa e a hiperinflação nos anos 80. O grande desafio, portanto, continua sendo uma verdadeira reestruturação do sistema financeiro que permita a criação de estruturas de crédito de curto e longo prazos e um verdadeiro mercado de capitais. Ou seja, a criação daquilo que o Paeg havia se proposto e não conseguiu. Já que a via do decreto-lei se revelou incapaz de moldar estruturas de financiamento de longo prazo, é preciso construí-las agora com bases mais sólidas, de forma que permitam a consolidação do desenvolvimento capitalista brasileiro sem os percalços de crises como a que passamos nos anos 80. Para tal três coisas são fundamentais: o rompimento do padrão industrial que vigorava antes e depois do Paeg, o que vem sendo feito com a abertura da economia e a profunda reestruturação pela qual nossa indústria vem passando; a reconstrução do aparato institucional existente e a elevação da poupança interna. O padrão industrial brasileiro, ancorado no tripé empresa nacional familiar, empresa estrangeira e empresa estatal, que desde os anos 50 até o início dos anos 90 havia sido a base do capitalismo brasileiro, "no limite, prescindia de um mercado de capitais doméstico" (ver trabalhos de Paulo R. Davidoff Chagas). O grande capital privado industrial, graças à sua estrutura oligopólica e à reserva de mercado, auferia um "mark up médio muito superior ao da média da indústria dos países capitalistas centrais", além de contar com a inflação e todo o tipo de benesse governamental, via políticas cambial, fiscal, tarifária e creditícia e subsídios diretos. As empresas estrangeiras utilizavam-se de recursos externos e/ou se aproveitavam, assim como as nacionais, "das condições internas de concorrência e de valorização de capitais". As estatais, por sua vez, contavam com recursos externos e/ou transferências governamentais a fundo perdido. Agora, sem reserva de mercado e benesses governamentais, o capital privado nacional cria a demanda por recursos de longo prazo, os quais começam a ser ofertados pelo sistema bancário, já que este perdeu sua fonte de'lucros fáceis. Com o fim da inflação e a queda dos juros, a arbitragem vai deixando de ser o grande negócio para os bancos e, aos poucos, vem sendo substituída pela aposta no crescimento. Os fundos de empresas emergentes, as participações em "equities" e as engenharias financeiras plugadas em projetos específicos (''project finance") são a resposta, pelo lado da oferta, a esse tipo de demanda. As empresas estrangeiras também vêm mudando sua inserção no País e, na medida de seu crescente interesse, vêm aumentando significativamente seus investimentos diretos e suas parcerias com o capital nacional. Já a privatização das empresas estatais, ao provocar novos investimentos, vem atraindo grandes capitais estrangeiros e nacionais que, até há pouco, tinham a órbita financeira especulativa como seu grande espaço de valorização. Enquanto esses processos se estão iniciando, tomando forma e volume, o BNDES vem cumprindo papel pioneiro, ao apostar no crescimento e viabilizar a reestruturação de setores e/ou cadeias produtivas ainda sem canais de acesso a um crédito mais barato e de longo prazo por meio de programas específicos (exemplo: calçados, fornecedores para a indústria siderúrgica, autopeças, entre outros); ao financiar empresas brasileiras para poderem competir internamente em concorrências internacionais; ao participar, por intermédio do BNDESPar, no capital de empresas nas quais aposta; ao participar de fundos de empresas emergentes e financiamentos via "project finance" nos quais um pouco do risco do projeto é assumido pelo banco; ao rever as taxas e mecanismos de repasse via outras instituições bancárias para evitar o "empoçamento" de liquidez que vem ocorrendo, especialmente na Finame; ao criar um fundo de aval com recursos do BNDES para dividir o risco com o banco que repassar seus recursos; ao criar na sua agência de financiamento de máquinas e equipamentos, a Finame, novas regras para "new comers", que lhes dêem um prazo de internação da produção no País; ao mudar seus critérios de garantias, passando a aceitar recebíveis; ao ampliar os limites de financiamento de capital de giro, diferenciando-os por setor; ao introduzir o rito sumário para operações até R$ 10 milhões e, finalmente, ao desvincular a TJLP da política de estabilização, dando um horizonte, lá na frente, para os investidores. Tendo sido sempre um dos principais instrumentos de financiamento utilizados por um Estado cuja ideologia era a da defesa do capital nacional por meio do fechamento da economia e todos os tipos de proteção, incentivo e subsídio, a adaptação do BNDES aos novos parâmetros de funcionamento da economia brasileira tem sido decisiva, tanto para a reestruturação industrial quanto para a reestruturação do padrão de financiamento da economia, os quais, aliás, são processos indissociáveis. Para completar a reestruturação do sistema financeiro, ficam faltando a reforma da previdência e avanços na formatação de uma estrutura de crédito especializado, basicamente para agricultura, habitação e exportação. Entre estes, o equacionamento do financiamento da agricultura e da habitação está mais avançado, enquanto o crédito para exportação apenas se inicia. Onde estamos mais atrasados é na reforma da previdência, sem a qual será impossível elevar o nível de poupança interna do País e, conseqüentemente, aumentar nossa capacidade de investimento. Suspirar pelo passado e pensar estaticamente tem levado muitos analistas a equívocos. Não se trata de desindustrialização, mas de reintegração, de redução de custos e de elevação de investimentos. Finalmente, não se trata de imobilismo ou fé, mas do avanço em uma agenda ampla e sofisticada de construção de instituições e instrumentos ajustados às novas realidades. Esse é o verdadeiro debate de hoje. * Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda ** Assessora da presidência do BNDES