Poucos anos nos separam do século 20 que, de acordo com Eric Hobsbawm, foi um período de extremos e de violência incomparáveis em relação aos demais séculos da história da humanidade. Para compreendê-lo é necessário analisar os conflitos que o marcaram como tatuagem e que tiveram na luta entre capitalismo e comunismo sua mais importante motivação. A comunidade de historiadores, todavia, pouco tem se sentido atraída por pesquisas que contribuam para o entendimento das razões e ações de um dos principais agentes das divergências, guerras e conflitos ideológicos, que contribuíram para fazer do século 20 um tempo de violência: o anticomunismo.
Os movimentos e o pensamento de esquerda sempre exerceram maior atração sobre os historiadores e cientistas políticos do que o pensamento e ações de seus opositores, os anticomunistas dos mais variados matizes. Em decorrência, a produção historiográfica sobre o assunto é bastante exígua, tanto no que se refere à História Mundial, quanto à História do Brasil.
O fato é que, identificada com os ideais de igualdade, que sempre moveu os socialistas, e com a proposição metodológica de se debruçar sobre a história dos vencidos, parcela significativa dos historiadores brasileiros tem se dedicado, com prioridade, aos estudos dos movimentos históricos relacionados ao pensamento e às ações da esquerda.
Todavia, para melhor compreender a atuação dos socialistas, que se desenvolveu em contraposição ao projeto de consolidação do capitalismo, é preciso compreender também a ação de seus opositores, uma vez que ambas, através do conflito, têm se relacionado ao longo da trajetória histórica do mundo contemporâneo.
Rodrigo Motta, historiador da Universidade Federal de Minas Gerais, resolveu trilhar um caminho diferente do predominante nas universidades. Por intermédio de longa e minuciosa pesquisa, que inclui jornais, revistas, opúsculos, panfletos, documentos de órgãos de informação, revistas de quadrinhos, livros, fotografias e ilustrações de livros, mergulha no universo anticomunista no Brasil do século 20. O resultado de seu trabalho, publicado em um livro original e bem-fundamentado, é uma rara contribuição para todos que querem melhor compreender a dinâmica da história da República Brasileira no século passado.
Sem se descuidar de relacionar a história nacional ao movimento histórico internacional, Motta viaja simultaneamente pela história do Brasil e por processos como: Revolução Russa de 1917, movimentos de 1917, movimentos de emancipação nacional na África e na África e na Ásia após a Segunda Guerra, expansão do socialismo no pós-1945, processo da Guerra Fria, predomínio da bipolaridade e queda do socialismo em inúmeros países do mundo no final da década de 1980 e início da de 1990.
Mas se seu percurso histórico é particularmente inovador em razão do foco de sua pesquisa, torna-se ainda mais instigante pela interpretação desenvolvida ao longo do livro. Interpretação que recorre à história das mentalidades e que reconhece no anticomunismo pluralismo e unidade. Análise que também identifica as diferentes origens de atores anticomunistas, destacando-se entre eles católicos, militares, empresários, grande imprensa e políticos. E que, finalmente, indica a inserção anticomunista na História do Brasil através de dupla dimensão: a das representações, que inclui ideário, imaginário, doutrina e iconografia, e a da ação, que se traduz pela estruturação de movimentos e organizações anticomunistas.
Para desenvolver com maior precisão suas análises, o autor escolheu duas conjunturas nas quais o anticomunismo se manifestou com maior contundência ao longo das diferentes fases da trajetória histórica brasileira: o período compreendido pelos anos de 1935 a 1937, logo após a denominada Intentona Comunista, e imediatamente anterior à ditadura do Estado Novo, e a conjuntura de 1961 a 1964, que antecedeu à ruptura institucional, que depôs o Presidente João Goulart e implantou uma nova noite autoritária no Brasil. O estudo aprofundado dessas conjunturas, permeado pela análise de outras fases da História do Brasil Republicano, levou o autor a concluir que mais do que um estado de vigilância permanente, o anticomunismo, no caso brasileiro, tem sido um forte argumento para justificar intervenções políticas autoritárias, que em mais de uma vez romperam a ordem constitucional.
Notícia
Jornal do Brasil