A edição de livros técnicos e científicos no Brasil recebe subsídio público em todas as etapas de produção, mesmo que indiretamente, mas, uma vez no mercado, o acesso ao seu conteúdo por estudantes universitários é dificultado pelas restrições legais à cópia e pela falta de políticas públicas de difusão de temas científicos. A conclusão é de um estudo feito pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP).
Os pesquisadores mostram que de 39% a 44% dos livros publicados nessas áreas são resultado de pesquisas feitas com financiamento oficial, por meio de entidades como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e com professores que têm dedicação exclusiva nas universidades públicas.
Porém, o custo dos livros exigidos na bibliografia básica de cursos em universidades públicas pode variar de R$ 3,3 mil - em Ciências da Atividade Física da USP Leste - a R$ 5,8 mil - para Obstetrícia. Nos dois cursos, mais de 85% dos alunos têm renda familiar menor que R$ 5 mil.
A pesquisa levou em consideração o total do mercado, sem distinguir o porcentual de publicações feitas por editoras particulares e pelas universitárias públicas. 'Levando-se em conta os livros de autores brasileiros adotados em universidades, a contribuição pública na geração de conhecimento pode chegar a 85,8% da bibliografia de cursos de Física, Biologia e História com maior excelência acadêmica', diz o professor Jorge Machado, um dos coordenadores da pesquisa. 'Além do subsídio para a elaboração do conteúdo, o financiamento público aparece na atividade editorial, com as editoras universitárias, que também recebem subsídios das instituições', explica.
Machado acrescenta ainda que há isenção de impostos para o setor, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e PIS/Cofins. Estimativas do estudo apontam que o setor deixou de pagar R$ 978 milhões em impostos em 2006. 'O estudo foi feito para fomentar a discussão sobre o acesso a livros científicos', diz Machado. Nesse debate, ele lembra cenas como a Polícia Federal entrando em universidades atrás de máquinas copiadoras. 'Esse tipo de ação não é benéfica para ninguém.'
Além do custo das obras, nos cursos de Medicina, Direito e Engenharia Civil, cerca de 30% dos livros exigidos na bibliografia básica estão esgotados. 'Nesses casos, os alunos só podem recorrer à cópia', afirma. Uma das propostas é a permissão de digitalização dessas obras.
Um exemplo de sucesso citado no trabalho é a portaria que obriga dissertações de mestrado e teses de doutorado do Brasil, a partir de 2006, a fornecerem uma cópia ao site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Estudantes de diversas universidades têm acesso livre ao conteúdo do portal. No entanto, a medida não é válida para as teses anteriores a essa data.
PROPOSTAS
O estudo recomenda que seja feita uma mudança na lei, permitindo a cópia de trechos maiores para fins não-comerciais e de livros já esgotados.
Outra sugestão é que governo, agências de fomento e universidades vinculem contratos de pesquisa ao acesso público dos resultados. 'Falta uma ligação entre a origem pública do financiamento e a disposição dos resultados, que é interesse da sociedade', diz Machado.
Editoras apostam em parceria
Simone Iwasso
As propostas sugeridas pelo grupo para democratização do acesso aos conteúdos, na visão das editoras, apenas serviriam para desestimular pesquisadores e empresas, já que tornariam ainda menos rentável o processo de edição. 'Esses livros têm tiragem de 1.500 exemplares, em média. Como vendem pouco, sai mais caro para as editoras', diz Dalton Morato, consultor jurídico da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR).
'Tentamos de várias maneiras mudar essa cultura, respeitando o direito autoral, mas facilitando o acesso, oferecendo propostas de venda com desconto para universidades, mas nenhuma aceitou, alegando que o problema era das casas que fazem cópias', diz. 'Abrir o conteúdo ou fazer com que o professor assine uma cláusula dessas apenas fará com que ele, que já não vê vantagem em publicar, queira menos ainda.'
Para Morato, a melhor proposta está na parceria com as instituições para que os textos sejam postos à disposição dos alunos mediante pagamento.