A redução orçamentária de R$ 120 milhões da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para 2017, aprovada em dezembro pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), acabou fazendo com que a verba normalmente dedicada pela fundação aos 19 institutos de pesquisa do governo estadual cresça 140% neste ano. O valor foi retirado do orçamento da Fapesp pelos deputados estaduais e remanejado para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, à qual a fundação está vinculada.
Porém, após a reação negativa da comunidade científica paulista e brasileira, que classificou a mudança como inconstitucional, já que ela deixou o orçamento da Fapesp abaixo do piso previsto por lei, o governo estadual e a Fapesp entraram em um acordo para que o valor seja novamente repassado à fundação, mas vinculado especificamente a um "programa de modernização destes institutos.
Em entrevista ao G1, o presidente da Fapesp, José Goldemberg, afirmou que a Fapesp repassa, todos os anos, aproximadamente R$ 50 milhões aos institutos – desse valor, só o Instituto Butantan recebe cerca de R$ 15 milhões. Com a mudança aprovada na Alesp e o acordo feito com o governo estadual, o valor vai subir para R$ 120 milhões. "Nós estávamos apoiando os institutos. A decisão da assembleia fez com que aumentássemos o nosso apoio aos institutos. Acabou sendo um bom acordo", afirmou ele, ressaltando que o apoio extra não se repetirá no ano que vem.
Goldemberg explicou ainda que a mudança vai obrigar a Fapesp a remanejar recursos para as demais atividades previstas para o ano. Ele diz que não sabe se haverá cortes nas demais atividades previstas, mas que usará as reservas da Fapesp de anos anteriores caso haja necessidade.
Leia a entrevista:
Como o senhor recebeu a notícia sobre a redução do orçamento?
É difícil o poder público, o Estado de São Paulo e qualquer estado montar uma instituição com a Fapesp. Começou com Carvalho Pinto em 1963 e já tem mais de 50 anos de operação. Como uma instituição, inclusive, exemplar do ponto de vista administrativo, porque ela só gasta 5% do seu orçamento consigo mesma, essa é uma característica da Fapesp. Compara isso com qualquer repartição pública ou com universidades, ela gasta muito pouco consigo mesma.
O resto todo é dedicado ao apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico, que é um resultado a longo prazo. Os nossos contratos não são contratos de seis meses ou um ano. Nós temos contratos de cinco anos, de dez anos. Por quê? Porque a atividade científica e tecnológica é assim mesmo, demora até você efetivamente fazer descobertas, entender os fenômenos. E isso só foi conseguido graças à estabilidade dos recursos, que é aquele 1% da Constituição [Estadual].
Ela tem sempre recursos que acompanham a atividade econômica do estado. E quebrar esse processo é uma coisa que poderia ter consequências ruins para o apoio à ciência e à tecnologia.
E o que foi feito após essa quebra?
Agora então a Assembleia Legislativa... O governo do Estado de São Paulo até que entendeu isso. A proposta orçamentária enviada pelo governo do Estado em outubro era a correta. Era a proposta orçamentária dedicando 1% das receitas às atividades da Fapesp. Mas a Alesp mudou, retirou R$ 120 milhões para a modernização dos institutos de pesquisa. Bom, foi uma espécie de incompreensão do problema, porque nós estamos trabalhando com os institutos. A ideia de que nós não damos dinheiro para os institutos é incorreta. Todo ano nós aplicamos aproximadamente R$ 50 milhões nos institutos de pesquisa do estado.
Então esse ano mais que dobrou o apoio?
Esse ano mais que dobrou. São R$ 120 milhões a serem aplicados só neste ano. Então, o que nós vamos fazer é um programa especial de modernização dos institutos, incluindo infraestrutura. Nos auxílios normais da Fapesp é difícil eu conseguir recursos para a infraestrutura: grandes equipamentos, adaptação do prédio. Às vezes você compra um microscópio eletrônico, e você precisa colocar ar-condicionado. Não é por conforto. O microscópio eletrônico precisa de ar-condicionado. Esses recursos eram difíceis porque a Fapesp apoia pesquisas científicas. Ela naturalmente não pode ficar apoiando a construção de prédios, por exemplo. Ela é proibida, por lei, de apoiar atividades administrativas.
E quem é responsável pelos prédios?
As próprias secretarias, e as próprias secretarias são da administração direta, e a administração direta é muito difícil de administrar. Depende do instituto, claro. Eles têm problemas diferentes. Alguns desses problemas são de natureza institucional: a secretaria tem pouco dinheiro, não fornece infraestrutura ou não oferece carreira. Os institutos se queixam de que há muitos anos não tem concurso para contratar mais gente. Mas esse é um problema geral do estado. O que a Fapesp pode fazer é contratar pesquisadores nacionais ou estrangeiros. Podemos contratar pesquisadores e colocar nos institutos. Esse programa já existia, mas agora, com o programa de modernização, nós podemos ampliar isso.
Agora que os institutos vão receber R$ 70 milhões a mais do que a Fapesp costuma aplicar neles todo ano, isso quer dizer que R$ 70 milhões de outras atividades terão que ser cortados?
Vai ter que ser feito um reajustamento da maneira pela qual funcionamos. E nós faremos isso. Esse investimento agora de R$ 120 milhões é uma vez só, não é todo ano. O problema é que a modernização é uma vez, não fica fazendo isso todo ano. A Fapesp tem critérios para aprovação. Precisam ser projetos de natureza científica e tecnológica que passem por uma análise. Não é um problema de distribuir dinheiro por aí, mas de apresentar projetos de natureza científica e tecnológica. Secretário pretende fazer isso em 15 dias. Aí a Fapesp vai analisar e pretendemos então colocar em marcha esse programa.
O senhor já sabe que atividades sofrerão cortes? Haverá redução no número de bolsistas de graduação e pós-graduação?
Não creio que isso vá acontecer. O que a gente faz nesses casos é que, como todos os nossos projetos são de longo prazo, duram três, quatro, cinco anos, a gente estende um pouco os projetos. E a Fapesp tem algumas reservas de exercícios anteriores. Se for necessário nós usaremos as reservas. É complicado porque parte das reservas são vinculadas. Grosso modo, a Fapesp tem reservas conhecidas da ordem de R$ 700 milhões, mas mais da metade é vinculada, você não pode mexer a não ser para fins específicos. Por exemplo, boa parte deste dinheiro é do Fundo Nacional de Telecomunicações. Então nós só podemos usar esses recursos para projetos de telecomunicações. Se a pessoa quiser fazer pesquisa com zika, não podemos usar o dinheiro do fundo. Mas a Fapesp tem reserva que nós usaremos de modo que o conjunto das atividades de apoio à pesquisa não sejam prejudicados.
O senhor acha que essa é a solução ideal?
Depois que o orçamento foi modificado pela Assembleia Legislativa, era a única coisa que podia ser feita. Nós estávamos apoiando os institutos. A decisão da assembleia fez com que aumentássemos o nosso apoio aos institutos. Acabou sendo um bom acordo. Recoloca São Paulo na liderança do apoio à ciência e tecnologia do Brasil. As outras estão atravessando problemas seríssimos, como você sabe.
Agora vai depender muito dos institutos se esforçarem para apresentar bons projetos. Por exemplo, o Instituto Butantan nunca teve dificuldade para obter apoios da Fapesp. Desses R$ 50 milhões que eu falei, cerca de R$ 15 milhões vão todo ano para o Butantan. Tem outros institutos que recebem muito menos. Precisamos capacitar esses institutos para que eles tenham mais pessoal formado adequadamente. É um problema de melhorar recursos humanos dos institutos para que possam solicitar recursos da Fapesp.