"Experimente, é muito gostoso". É com essa frase, seguida de informações nutricionais e um bom humor característico, que a pesquisadora Patrícia Milano tenta convencer seus interlocutores a comerem insetos. Pós-doutora em Entomologia, a bióloga montou em Piracicaba (SP) uma biofábrica que produz grilos, tenébrios e baratas para alimentação animal e, se os planos dela se concretizarem, humana.
O projeto de Patrícia, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), chama-se "Insetos para alimentação animal e humana: adaptações e pesquisas para futura criação massal no Brasil".
Com o fundo, ela criou um método próprio de produção na incubadora de empresas da Escola Superior de Ensino Luiz de Queiroz (Esalq), o campus da USP em Piracicaba. No local, Patrícia desenvolveu uma dieta nutritiva aos insetos e chegou a um processo que permite concluir o ciclo de um grilo em dois meses.
Como os insetos se reproduzem em cativeiro, a bióloga explica que o processo garante higiene, já que eles não estão sujeitos à alimentação comum se estivessem soltos.
A biofábrica possui compradores como zoológicos, pet shops, e empresas de piscicultura, já que os insetos são consumidos por peixes, lagartos, aves e primatas.
Mas é de uma previsão nada animadora que a bióloga propõe intensificar o estudo para incluir insetos no cardápio também dos seres humanos. Patrícia acredita que a alimentação baseada na carne deve colapsar em algumas décadas. Uma opção funcional e que não degrada o meio ambiente é o inseto.
"Você começa a ler que em 2050 vamos ser 9 bilhões de pessoas no planeta e que a criação dos insetos pode ser vertical. A parte ecológica da coisa, que é uma preocupação grande, para produzir um quilo de grilo você gasta oito litros de água e um único animal [de corte] você gasta 15 mil litros".
"Eu comecei a ler e descobri que isso aqui [aponta para grilos] é muito rico em proteínas, aminoácidos, vitaminas, sais minerais. A gente fala muito do ferro, cálcio, mas ele tem muito zinco, selênio, que faz bem para o sistema nervoso", diz a pesquisadora.
A bióloga afirma que estudos norte-americanos apontam que 100 gramas de grilos possuem 21 gramas de proteínas, enquanto a carne bovina tem 28 gramas de proteínas na mesma quantidade. Além disso, o grilo é mais rico em cálcio e ferro que a mesma proporção da carne de boi.
'Quem prova, aprova'
Foi em um congresso em Goiânia (GO, em 2014, que Patrícia teve o primeiro contato com insetos fabricados para consumo humano. Ela lembra experimentou pois uma empresa levou grilos para degustação.
Após o congresso, ela passou a ler e estudar o assunto e descobriu que há consumo de insetos e diversos países europeus e nas Américas. Um deles é o México, de onde ela buscou a proposta do grilo com chocolate. Os mexicanos também comem o animal com sal, garante a pesquisadora.
Patrícia fez mestrado, doutorado e pós-doutorado em Entomologia, que é o estudo dos insetos, todos pela Esalq. Deixou a vida acadêmica para trabalhar em empresas de controle biológico, mas buscava ter o próprio negócio.
A década de estudos deu suporte suficiente para ela desenvolver o projeto da biofábrica para produzir insetos que alimentassem outros animais. "No meu doutorado eu verificava, se retirasse proteínas de vitaminas de algumas mariposas que a gente cria em laboratório, qual seria a consequência para esses animais".
Há três anos, comprou os insetos e começou uma pequena criação. Conseguiu o apoio da Esalq por meio da incubadora de empresas e a bolsa da Fapesp. Com isso, "profissionalizou" a produção.
Depois de testes, Patrícia chegou a uma dieta baseada em farelo de trigo, sementes, hortaliças, legumes e água. Os ingredientes se transformam em uma massa que é servida aos insetos e os mantêm nutridos.
Da eclosão dos ovos até o abate, os grilos vivem dois meses, enquanto que as baratas e os tenébrios têm ciclos mais variáveis.
Um ano após começar a produção, um professor formado na Esalq perguntou se ela fazia insetos para alimentação humana, pois queria usar em sala de aula. "Eu falei 'olha, eu nunca fiz, mas já li muito sobre isso. Posso começar a fazer para você".
O professor, que dá aulas em uma universidade de Ribeirão Preto (SP), fez um evento e ofereceu os grilos de chocolate. Desde então, a "propaganda de boca" deu repercussão para que mais pessoas pedissem a iguaria.
E Patrícia garante tem bom retorno tanto das crianças quanto dos adultos, mas sente que as mulheres são mais corajosas na hora de provar.
"Nós fomos em praça pública em Limeira e eu achei que os homens fossem comer mais, mas no fim das contas as mulheres comeram mais", conta.
Receitas
A receita do grilo ao chocolate foi desenvolvida por tentativa e erro, conta Patrícia. Os animais são abatidos por congelamento, forma que, segundo a pesquisadora, é mais ética.
Depois, são fervidos, desidratados e levemente assados para em seguida receberem a cobertura de chocolate.
Os tenébrios molitor, que são besouros na fase larval, são "servidos" por Patrícia fritos e ao sal, como se fossem uma porção de tira-gosto ou um salgadinho. A pesquisadora nunca usou baratas nas receitas por acreditar que a negação seria maior.
Como a comercialização não é permitida no Brasil, Patrícia faz as receitas somente para sob pedidos e para degustação em eventos acadêmicos.
Um deles, na Esalq, ocorreu em xx. Patrícia levou os grilos ao chocolate e também propôs uma nova receita, com iogurte de morango. Garante que até se surpreendeu com o quanto os visitantes gostaram.
Industrialização
Apesar de saber que há produtores que também estudam a tentativa de inserir os insetos na culinária, Patrícia acredita que é preciso dar "mais ciência" ao processo de produção para conseguir viabilizar a comercialização. Isso porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve aprovar a venda dos insetos para consumo humano.
"Eu achei que havia a necessidade de se colocar mais ciência na criação dos insetos para que essa criação tivesse melhor aproveitamento em escala industrial e também fosse mais higiênica para atender normas sanitárias para poder destinar os insetos para alimentação humana".
"Assim elaborei dieta pastosa a base sementes, hortaliças , legumes e farelo de trigo o que enriqueceu o valor nutricional dos insetos, diminuiu tempo de execução de tarefas e mão-de-obra assim como o desperdício de alimentos. [E] Adaptações nos locais de criação permitiram a redução na produção de lixo".
Segundo a pesquisadora, após alcançar um resultado que considera suficiente, está "se adequando para pedir autorização a Anvisa." Ela não deu, no entanto, um prazo para fazer a solicitação.
Em nota, a agência informou que nunca recebeu um pedido como esse.
"O Brasil acompanha as discussões da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) sobre o tema, mas até o momento ainda não existe um conjunto de regras para enquadrar tal tipo de alimentos", informou a Anvisa.
G1 Piracicaba e Região