Carne ou peixe, couro de animais ameaçados de extinção ou próprios para consumo, madeira certificada ou ilegal: quando a fiscalização de empresas, da polícia ou de agências de vigilância sanitária encontra material de origem duvidosa em contêineres, bagagem ou nos mercados e restaurantes, pode usar uma técnica chamada DNA Barcoding, ou código de barras do DNA, como padrão de identificação. Os especialistas defendem que a técnica, que tende a ser rápida e barata, terá aplicações mundiais que vão do combate à biopirataria ao controle de pragas e à investigação forense.
No Brasil, ela foi aplicada pela geneticista Cristina Miyaki, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), na identificação da espécie de ovos que estavam sendo contrabandeados para o exterior no porto do Recife e foram apreendidos pela Polícia Federal. O contrabandista, que portava os ovos escondidos no corpo, alegava que pertenciam a codornas. Submetidos à prova do código de barras, demonstraram ser de espécies ameaçadas - araras-canindés, sabiás-cica e papagaios-galegos. O contrabandista foi preso de acordo com as evidências.
"Nós usamos a técnica de identificar espécies pela seqüência de DNA faz tempo, mas a ideia de padronização é recente", disse Cristina, que foi uma das organizadoras do Simpósio Internacional sobre DNA Barcoding, realizado na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A técnica tem a vantagem de usar apenas um trecho muito pequeno do DNA como marcador para caracterizar espécies.
No simpósio realizado em São Paulo, foram apresentados casos em que o código de barras poderia ser aplicado com sucesso por exemplo, na fiscalização de madeiras transportadas de forma ilegal ou no mercado de couro de animais silvestres, muito ativo na África e Ásia. Com esse instrumento, desde que haja fragmento de DNA conservado, se poderá dizer se as bolsas vendidas em butiques famosas são de fato de couro de crocodilo como alardeiam.
Fraude nos sushis
Nos Estados Unidos, os cientistas usaram o método para identificar as espécies de peixe usadas em sushis de 31 restaurantes de Nova York e Denver. Descobriram que várias amostras não eram de atum e, pior, pertenciam ou a espécies ameaçadas ou de peixes que haviam sido banidos dos restaurantes por causarem problemas à saúde.
"No futuro, poderemos também identificar vetores de doenças, espécies invasoras e a proveniência de material orgânico perigoso", confirma Cristina.
As aplicações se ampliam. Especialistas do Jardim Botânico de Londres usaram o método para identificar os ingredientes de remédios vendidos como medicina herbal chinesa. Segundo os especialistas, o método permite caracterizar as plantas mesmo em diferentes estágios de crescimento ou apenas por fragmentos.
A bióloga Mariana Cabral de Oliveira, outra coordenadora do simpósio, explica que o código de barras também pode identificar espécies pela raiz e entender como se espalham pelo solo, ajudando no estudo da ecologia de uma floresta. "Há um esforço internacional sendo feito para a aplicação dessa ferramenta em todas as espécies", afirma. Há pesquisadores brasileiros colaborando com grupos do Canadá para a criação de um banco mundial de código de barras da vida, que está sendo proposto no próximo ano, com impactos sem precedentes no conhecimento sobre a biodiversidade.