Elon Musk, inventor, empresário, bilionário pop star e polemista, não dá conta de responder a todos os tuítes que recebe ou nos quais é mencionado. Precisou, porém, dar atenção a um questionamento público feito pela jornalista e empreendedora Kori Hale.
“Quanto Elon Musk vai depender de cobalto produzido na África, para realizar o sonho da Tesla com o Modelo 3, de fabricar 5 mil carros por semana?”, perguntou Kori. Musk tuitou de volta na manhã do dia seguinte, 23 de julho: “Usamos menos de 3% de cobalto nas nossas baterias e não usaremos nada na próxima geração [de baterias]”.
O bilionário se referia, com “próxima geração”, a um projeto da Panasonic de novas baterias em desenvolvimento para a Tesla. Detalhes do andamento da invenção devem ser anunciados até o fim de 2018, mas a maioria dos especialistas duvida que a novidade chegue ao mercado tão cedo. O empresário apenas mostrou que se move na direção correta — o cobalto se revela um ingrediente tóxico para a sociedade e para os negócios.
A Tesla não está sozinha na empreitada — gigantes como a Toyota e a fabricante chinesa de baterias CATL, assim como startups, disputam esse terreno.
Atendem a uma pressão global. O fundador da CATL, Zeng Yuqun, entrou este ano para a lista dos mais ricos da China, a Hurun China Rich List, na 53ª posição, com uma fortuna em US$ 5,8 bilhões. Conforme usamos mais baterias recarregáveis do modelo íon-lítio (e nós as queremos cada vez mais poderosas), para fazer funcionar celulares, notebooks e automóveis elétricos, e no futuro casas, aeronaves e navios movidos a eletricidade, tendemos a precisar de mais cobalto.
O nome deriva de Kobold — no folclore alemão, um tipo de espírito maligno das cavernas (por causa do péssimo hábito do metal de, nos veios subterrâneos, associar-se ao venenoso arsênico).
Procurado pela excelente densidade energética, ou seja, por conseguir armazenar relativamente muita energia em pouca massa, é encontrado em alguns países de grande extensão territorial, como Austrália, Canadá, China e Rússia. Mas 50% a 60% das reservas mundiais estão concentradas na paupérrima República Democrática do Congo, na África, que forneceu dois terços do consumo global no ano passado.
As empresas que fabricam baterias ou dependem delas precisam atualmente avaliar o que acontece naquela área, a fim de determinar a confiabilidade de seu suprimento. E ali encontram um caldo de instabilidade política, gente trabalhando em péssimas condições e uso de mão de obra infantil.
“É vital que o fornecimento futuro de energia inclua a origem ética [das matérias-primas] nas soluções de armazenamento. Infelizmente, é de quase 100% a chance de que o seu smartphone ou veículo elétrico contenha cobalto extraído por trabalho infantil em minas artesanais”, afirma Benedikt Sobotka, CEO da consultoria Eurasian Resources, em um estudo da Anistia Internacional, intitulado Time to Recharge (“Hora de recarregar”).
“Há aproximadamente de 110 mil a 150 mil mineiros manuais na região, usando as ferramentas mais básicas para escavar rochas de túneis subterrâneos”, prossegue o relatório. O governo do Congo estima que um quinto do volume exportado saia dessas minas exploradas de forma mais rudimentar, no sul do país. A exposição prolongada ao pó, na extração manual do minério, provoca doenças respiratórias e outros males crônicos, potencialmente fatais.
A Samsung quis conferir a situação por conta própria e encomendou à Universidade da Califórnia em Berkeley um relatório sobre o problema. Outro resultado lamentável: nas comunidades avaliadas, os pesquisadores concluíram haver cerca de 4,7 mil crianças e adolescentes trabalhando nas minas.
As condições tenebrosas já deveriam ser suficientes para as fabricantes de baterias buscarem alternativas. Mas o problema vai além e atinge diretamente os resultados financeiros das companhias. Apesar de uma queda em agosto, o preço do cobalto mais que triplicou desde 2016 (outros metais usados nas baterias, como lítio, níquel e manganês, também dispararam ou passaram a sofrer volatilidade intensa).
É fácil entender o motivo: a demanda explosiva por baterias, explicam Adrian Del Maestro e Jacques van Oorschot, consultores da PwC. Hoje, há pouco mais de 3 milhões de carros elétricos em circulação, segundo o relatório Global EV Outlook 2018, da Agência Internacional de Energia. A consultoria Frost & Sullivan prevê que as vendas atinjam 25 milhões por ano em 2025.
Agora, além do avanço da demanda, inclua na conta A) a concentração das reservas de cobalto no Congo, B) a dificuldade de as companhias fazerem negócio num país pobre e instável e C) o esforço de várias empresas se acotovelando, cada uma tentando garantir o próprio suprimento pelos próximos anos. O resultado não pode ser bom.
“Quando os veículos elétricos virarem padrão global, vamos ver a demanda [por cobalto] subir absurdamente mais que a oferta”, afirma Hudson Mendonça, pesquisador do Laboratório de Inovação Tecnológica da Coppe, no Rio de Janeiro, estudioso de inovação e tecnologias limpas. E isso se pensarmos apenas em equipamentos portáteis e automóveis. Há outra agravante. “O mercado de smart grid [a rede elétrica inteligente] será pelo menos 30 vezes superior ao de veículos elétricos”, diz o engenheiro Celso Novais, coordenador de uma linha de pesquisa no Parque Tecnológico de Itaipu que desenvolve novas baterias para atender a essa demanda.
Com a smart grid e a expansão da frota de veículos elétricos, prédios e casas vão precisar de baterias para armazenar energia (para devolver à rede ou alimentar automóveis, quando necessário). Estamos falando de equipamentos de grande porte, como o sistema PowerPack que a Tesla colocou em funcionamento para abastecer uma região inteira em Hornsdale, na Austrália, em novembro de 2017.
O problema tornou um sucesso o documentário Em Busca da Superbateria, na Netflix, que mostra a disputa por melhores soluções de armazenagem de energia. O químico Kostiantyn Turcheniuk e seus colegas no Instituto de Tecnologia da Geórgia, nos Estados Unidos, computaram o máximo possível das variáveis — geológicas, econômicas, tecnológicas — na questão e chegaram a um resultado sombrio, num artigo publicado em julho na revista Nature. Concluíram que o colapso do mercado de cobalto vai ocorrer até 2030, o que nos dá apenas dez anos para avançar rumo a outra tecnologia.
Não se pode dizer que o mercado esteja parado. Há várias iniciativas interessantes em andamento, com abordagens distintas. Parte das companhias acredita em monitorar a cadeia do cobalto, em vez de confiar na sua substituição iminente. HP, Samsung, Sony e Volvo estão entre as 28 integrantes da Iniciativa de Cobalto Responsável.
O grupo foi organizado em 2016 a partir de uma proposta chinesa, a fim de combinar regras comuns para monitorar extração, transporte e venda do metal. Lado a lado com a Iniciativa avança o Instituto Cobalto, no Reino Unido, uma associação comercial que agrupa os responsáveis por cerca de 60% da produção global, além de outros interessados, como grandes consumidores, recicladores e traders do metal. A Bolsa de Metais de Londres anunciou que vai instituir um novo sistema de fiscalização a partir de janeiro de 2019, para coibir a negociação de matéria-prima de origem duvidosa.
Mesmo nesse tipo de abordagem, que não discute novos modelos de baterias, inovação tecnológica tem um papel importante: as startups canadenses Cobalt Blockchain e DLT Labs anunciaram em agosto que logo vão apresentar um sistema de monitoramento da cadeia do cobalto por meio de blockchain. A startup britânica Circulor afirma estar desenvolvendo uma plataforma parecida com a BMW (que não confirma a história).
Paralelamente, uma outra disputa envolve todas as empresas dedicadas a pequenos avanços incrementais em suas baterias. Elon Musk já pode se gabar dos magros 3% de cobalto nos carros da Tesla, mas a maioria dos equipamentos ainda usa teores bem maiores, de até 20%. Reduzir essa parcela significa aumentar a de outros metais, como níquel (que eleva um pouco o risco de combustão) ou ferro (que torna o equipamento mais pesado).
As maiores fabricantes chinesas do setor empenham-se em melhorar essa relação. A CATL, fornecedora da BMW, promete uma nova geração de equipamentos para 2019. A BYD vem usando mais ferro e estuda empregar alumínio nas baterias, como forma de diminuir o uso de cobalto e lítio.
A troca atende bem a aplicações que exigem alto consumo de energia e vida útil maior, como em ônibus, caminhões e empilhadeiras, explica Adalberto Maluf, diretor de Sustentabilidade e Novos Negócios da BYD Brasil. Na Coreia do Sul, outra das maiores players globais, a LG Chem, trabalha com a empresa de energia química SK Innovation para chegar à bateria com 10% de cobalto.
Por fim, há o grupo com a abordagem mais radical — os que se perguntam “como eliminar de vez o cobalto dessa equação?”. A resposta: com extrema dificuldade. A Apple quer ir fundo na economia circular e fabricar seus produtos com recursos renováveis e materiais recicláveis.
Assim, deixaria de depender de mineração. Mas a tecnologia mais falada é a bateria de estado sólido, atualmente um tipo de Santo Graal dos fabricantes do setor — muitos a ambicionam, ninguém a viu ainda. Musk já fez ironia com quem diz estar perto dessa ruptura. No ano passado, questionado por analistas a respeito do suposto avanço de concorrentes rumo às baterias pós-cobalto, contra-atacou: “Tudo funciona em PowerPoint. Eu poderia mostrar a você uma apresentação sobre teletransporte para a Galáxia de Andrômeda. Não significa que funcione”.
Ele acredita que ainda temos alguns anos de trabalho pela frente. Choca-se, assim, com a visão de outro empresário de temperamento exuberante, o dinamarquês Henrik Fisker. O designer se tornou em setembro conselheiro da First Cobalt, um grupo cuja estratégia consiste em garantir aos clientes metal totalmente produzido na América do Norte, em condições decentes.
Empreendedor serial, Fisker se tornou famoso por seus projetos e releituras de carros de luxo, já faliu com uma fabricante de veículos elétricos, a Fisker Automotive, e agora tem outro negócio próprio, a Fisker Inc. Em setembro, garantiu estar a apenas alguns meses de oferecer ao mercado uma bateria de estado sólido.
Uma perspectiva igualmente otimista havia sido apresentada em abril pelo físico John Goodenough, inventor da bateria de íon-lítio e ainda ativo na pesquisa, aos 96 anos. Deve-se ouvir essas previsões com uma boa dose de ceticismo. Em 2017, espalhou-se a expectativa de que diferentes empresas, como Toyota ou Nissan, estariam perto de apresentar a revolução. Não estavam.
O avanço lento das pesquisas isoladas levou o governo japonês a tomar atitude. Uma entidade governamental, a Organização para Nova Energia e Desenvolvimento de Tecnologia Industrial (Nedo, na sigla em inglês), lançou um projeto público-privado para desenvolver baterias de estado sólido. Participam da empreitada 23 das maiores companhias do Japão, incluindo Honda, Nissan, Panasonic e Toyota.
Há ciência relevante na área sendo feita também no Brasil. O Centro de Inovações em Novas Energias (Cine) pesquisa a viabilidade de baterias de lítio-ar, sem cobalto. Inaugurado em maio, o Cine vai receber R$ 110 milhões em investimentos nos primeiros cinco anos, dos quais R$ 35 milhões da Shell e R$ 23 milhões da Fapesp. Além disso, USP, Unicamp e Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) contribuem com infraestrutura e pessoal.
O trabalho com mais resultados no país, até o momento, é o aprimoramento da bateria de sódio, desenvolvida no Parque Tecnológico de Itaipu (PTI, criado e controlado pela estatal Itaipu Binacional) sob coordenação do engenheiro Celso Novais. “Essa inovação pode colocar o Brasil em posição avançada no mercado de armazenamento de energia”, diz. Entre 2009 e 2015 saíram dos laboratórios do PTI vários veículos elétricos pioneiros no Brasil: um caminhão, um ônibus, um utilitário 4x4 e um avião.
Novais lidera um grupo multinacional de pesquisadores na produção da nova bateria, a ser lançada em dezembro de 2019, numa corrida com projetos similares nos Estados Unidos, na França e em outros países. As vantagens da bateria de sódio são usar um elemento abundante, ser 100% reciclável e ter vida útil de 12 anos (enquanto a de lítio dura cerca de oito anos). A capacidade de armazenagem de energia é o maior problema a resolver.
A atual versão da bateria de sódio, criada pelo PTI com recursos da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), tem formato tubular. Já a flat, bancada pela própria Itaipu com recursos de US$ 7 milhões, é chata e circular. Na menor versão, tem altura de 2,5 cm e diâmetro de 10 cm. Pode ser instalada como um “tapete” no assoalho de um carro ou empilhada e usada em residências. Além de ser livre de cobalto, oferece aumento de 70% na densidade energética e menor custo de produção que a antecessora.
As tecnologias em desenvolvimento podem mover carros e aviões, mas não se aplicam a aparelhos eletroeletrônicos. Para esses casos, Novais destaca o grafeno. O material pode aumentar significativamente a vida útil e a densidade energética das baterias, com menos quantidade de metais raros, informa Jairo Pedrotti, pesquisador e coordenador da área de energia do centro de pesquisa MackGraphe, em São Paulo.
As promessas são muitas. Assim como ocorre com as de estado sólido, porém, baterias de grafeno inspiram otimismo há anos, mas sem que se tenha ideia de quando chegarão ao mercado. Há muito a fazer. O uso do íon-lítio foi uma grande invenção, apresentada em 1980. Mas está na hora de nos despedirmos dela — e buscarmos a bateria do século 21.
Matéria originalmente publicada na edição de novembro de 2018.