Nem sempre as áreas acadêmicas que os estudantes preferem são prioritárias para o Brasil. Exemplo desse desencontro de interesse foi o surgimento recente de 60 candidatos para fazer doutoramento em psicologia em Paris em relação a apenas treze em microbiologia. Por isso mesmo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) que oferece bolsas de pós-graduação no exterior, deverá "induzir" a pesquisa tecnológica como o governo fez no passado com a química. "Em vinte anos a química brasileira passou para o segundo lugar em termos de produção científica e grupos de pesquisa", disse José Galizia Tundisi, presidente do CNPq.
Sexta-feira passada, no encerramento da I Conferência Brasileira de Ciência e Tecnologia, organizada pelo Itamaraty e Associação dos Estudantes Brasileiros (BSA) do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e co-patrocinada por este jornal e pela Raytheon, ele anunciou que o CNPq vai formar grupos de trabalho com cientistas e empresários para verificar quais setores estratégicos precisam de investimentos importantes.
Um outro exemplo da parceria do CNPq com o empresariado é o projeto de fruticultura de exportação para melhorar a qualidade do mamão papaia, dos cítricos, do melão e da maçã. O Brasil exporta apenas US$ 200 milhões por ano em frutas, enquanto o Chile coloca anualmente no exterior US$ 500 milhões. "Podemos chegar a US$ 900 milhões se desenvolvermos frutas de melhor qualidade para o mercado internacional", aposta o presidente do CNPq. A agência também trabalha em parceria com universidades e empresas e aloca fundos, conhecidos como "seed money", para alavancar certos tipos de pesquisa. Tundisi é um entusiasta da pesquisa dirigida pelo mercado. Ele citou o exemplo do Funcafé, que investiu US$ 4 milhões para melhorar a qualidade do café tipo exportação. Esforços como esse, em escala consideravelmente maior, são feitos pela associação dos "cafeteros" colombianos, que cunharam a marca "Café da Colômbia". O Brasil, um dos maiores produtores mundiais, não possui um símbolo que identifique o seu produto no exterior.
Para o presidente do CNPq "é preciso escolher áreas estratégicas, mas jamais renunciar à interação entre o País e os grandes centros no exterior". Na conferência realizada no MIT todos concordaram em que os programas de doutoramento e pós-doutoramento devem continuar e que o Brasil terá de aumentar o seu quadro de especialistas porque a falta de qualificação prejudica o investimento em ciência e tecnologia.
Os programas de bolsas e treinamento de recursos humanos têm dado bons resultados, avalia Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente do Conselho Superior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Uma das formas de se medir a eficiência é o número de trabalhos científicos divulgados no Science Citation Index. No ano passado, o Brasil publicou três vezes mais que em 1980, o que levou o País a se distanciar de seus vizinhos latino-americanos, mas em comparação com a Coréia do Sul a saga tupiniquim deixa a desejar. Com um terço da população brasileira, o país asiático publicou em 1995 o mesmo número de artigos científicos que o Brasil.
A Capes, agência de fomento à pesquisa do Ministério da Educação, e o CNPq investem anualmente cerca de US$ 1 bilhão na formação de recursos humanos (bolsas no Brasil e no exterior). Dos 1.500 estudantes financiados pela Capes fora do País, 30% estão nos EUA, 25% na França e 20% na Inglaterra, diz Luiz Loureiro, presidente da entidade. Na região de Boston, onde existem 70 universidades, entre elas MIT, Boston University e Harvard, são trinta os beneficiados pela entidade. As cifras de 1996 revelam que o número maior de bolsas no exterior concentra-se em ciências humanas (18,3% ou 356 estudantes). A seguir estão as ciências exatas (16,7%), as ciências sociais aplicadas (16,6%), engenharia (13,9%, 270 alunos), lingüística, letras e artes (11,8%), ciências agrárias (8,6%, 167 bolsistas), ciências da saúde (8,1%, 157 médicos) e ciências biológicas (6%).
Embora existam controvérsias sobre o número de bolsistas que efetivamente volta ao Brasil depois da conclusão dos cursos, o vice-ministro da Ciência e Tecnologia, Lindolpho de Carvalho Dias, contesta a teoria da "fuga de cérebros". Ele está convencido de que a maioria regressa e os que ficam no exterior continuam prestando serviços ao País porque dificilmente se desvinculam das atividades brasileiras de ciência e tecnologia. Um dado positivo, ressaltou, é que no ano passado as empresas ampliaram a sua contribuição dos tradicionais 10% para 25% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Nos estados, as federações das indústrias e as secretarias de governo acordaram para a importância da tecnologia, e na conferência convidaram os futuros PhD a voltar. A oferta de emprego aumenta, por exemplo, em Santa Catarina, onde já existem 45 empresas sendo incubadas nas universidades. Até 1998 haverá mais dez, garantiu o governador Paulo Afonso Vieira. No Rio Grande do Sul, Telmo Frantz, secretário de Ciência e Tecnologia, anunciou que o estado vai repassar US$ 5 milhões obtidos com a receita líquida de impostos para modernizar 16 pó1os tecnológicos. Para Dagoberto Lima Godoy, presidente da federação das indústrias gaúchas (Fiergs), "os empresários estão compelidos a avançar tecnologicamente ou desaparecerão".
Pernambuco tem 10% de sua indústria centrada no setor eletro-eletrônico e está interessado em melhorar os produtos através da Fundação de Apoio à Ciência (Facepe), comentou Sergio Resende, secretário estadual. Nos últimos dois anos Minas Gerais tornou prioritárias a ciência e a tecnologia e elegeu como missões principais tratar os rejeitos, desenvolver a aquacultura e as florestas renováveis. "Queremos ser o maior pólo da indústria de meio ambiente", anunciou Stefan Bodgan Salej, presidente da federação estadual de indústrias (Fiemg).
O Instituto Universidade-Empresa (Uniemp) mantido por mais de trinta corporações privadas, é outra alternativa para o desenvolvimento tecnológico empresarial que nasceu nesta década. A entidade desenvolve projetos de tecnologia de gestão (capacitação gerencial de pequenas e médias empresas) e de transferência tecnológica, como o poleiro climatizado, para evitar que as galinhas poedeiras percam o seu vigor devido à alteração de temperatura. O poleiro é furado e por ele passa água com temperatura de 16 graus, o que otimiza as condições ambientais e amplia a produção, explicou Carlos Vogt, diretor-executivo do Instituto Uniemp.
Outro modelo de integração universidade-empresa é o Istec - Consórcio Ibero-Americano de Educação em Ciência e Tecnologia -, fundado na Universidade Novo México, nos EUA, no final de 1990. O objetivo é integrar as universidades do continente e aproximá-las de empresas de tecnologia de ponta, como Motorola, Fluke, IBM e Nortel. Seis universidades brasileiras são associadas ao Istec - as federais do Rio de Janeiro e de Santa Catarina, Usp, Unicamp, Puc do Rio e do Rio Grande do Sul. A Nortel, que em 1996 destinou US$ 8 milhões para programas de pesquisa em universidades, financiou os equipamentos iniciais para a interligação de dez bibliotecas universitárias do hemisfério. Nguyen Huu Le, diretor de planejamento global de pesquisa e desenvolvimento, disse que a sua empresa proporcionou estágio de um ano para um professor da Unicamp.
A Nortel é uma entre as centenas de empresas que, juntamente com o governo americano, contribuem com recursos para os programas do Massachusetts Institute of Technology. Se as companhias fundadas por ex-alunos desse conceituado centro tecnológico - onde estudam 70 brasileiros - formassem um país independente, este seria a vigésima quarta economia mundial. As quatro mil empresas que saíram do MIT empregam 1,1 milhão de pessoas e vendem anualmente US$ 232 bilhões. Isso equivale a um PIB de US$ 116 bilhões, pouco menor que o da África do Sul, mas maior que o da Tailândia. (MHT)
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Gazeta Mercantil