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Diário do Nordeste online

Cine cangaço

Publicado em 13 outubro 2010

Por DALWTON MOURA

Em um levantamento inédito dos filmes relacionados ao cangaço, o professor Marcelo Dídimo destaca a importância do tema para a história do cinema nacional. O resultado é "O Cangaço no Cinema Brasileiro", livro que tem lançamento hoje, às 19h30, na Livraria Cultura

O cangaço é o nosso épico por excelência, um universo mitológico fundamental para a cultura brasileira. A frase do cineasta cearense Rosemberg Cariry, diretor de "Corisco e Dadá", um dos 48 filmes realizados ao longo de mais de sete décadas sobre as desventuras e controvérsias dos cangaceiros, ressalta a importância do tema, que traspassa o tempo e enseja novas abordagens. Apesar da presença expressiva na história do cinema nacional, essa filmografia ainda se ressente de maior divulgação e mais referências bibliográficas.

Investindo na mudança desse cenário, o professor Marcelo Dídimo dedicou seu doutorado no programa de Pós-graduação em Multimeios e Cinema, na Universidade Estadual de Campinas, à realização de um detalhado mapeamento dos filmes relacionados ao cangaço. Trabalho agora compartilhado com o público através de "O Cangaço no Cinema Brasileiro", livro que será lançado hoje, às 19h30, na Livraria Cultura. E que reúne informações e reflexões acerca desses quase 50 trabalhos, de diferentes épocas, responsáveis por levar o cangaço às telas, com abordagens que vão do heroico ao erótico, do cômico ao político, do épico ao inusitado.

"Se você pegar livros de antropologia, sociologia, sobre a história do cangaço, são diversos, inúmeros, mais de 500 livros. Mas o cangaço no cinema foi um tema que ficou um pouco esquecido, não teve uma bibliografia mais aprofundada", compara Marcelo Dídimo, sem disfarçar a surpresa com esse contraste. "Acho que não tem como explicar. Ainda mais diante da importância do tema, que acabou se tornando um gênero do cinema brasileiro, abordado desde a década de 20 e sempre ativo, até a Retomada, nos anos 90".

Além de listar essas produções, o livro oferece análise do contexto e do enredo dos filmes, com mais detalhes sobre as 30 produções a que o autor conseguiu ter acesso. "Foi difícil encontrar os mais antigos, ou mesmo alguma informação sobre eles. A pesquisa foi feita em cinematecas, museus de imagem e som, todas as instituições que trabalham com imagem. Mas algumas tinham um acervo muito pequeno. E outros acervos estavam depositados em arquivos praticamente impossíveis de acessar", relata. "Felizmente, o Canal Brasil, que possui o maior acervo desses filmes, disponibilizou bastante material".

Primórdios

O filme mais antigo a fazer referência representativa ao cangaço, de acordo com a pesquisa de Dídimo, é "Filho sem mãe" (1925), de Tancredo Seabra. "A primeira aparição de um cangaceiro no cinema foi em 1917, quando mostraram Antonio Silvino preso na Casa de Detenção do Recife. Mas o filme de 1925 mostrava uma possibilidade maior da participação de cangaceiros no decorrer da trama", demarca o autor.

Ressaltando que a pesquisa se atém aos filmes rodados em película, Dídimo cita "O Cangaceiro" (1953), de Lima Barreto, como marco inaugural do filme de cangaceiro compreendido como um gênero cinematográfico. "As principais características do gênero em cinema são a capacidade de repetição, de renovação, de atualização. Aquela temática que esteve presente e ressurge com um novo ponto de vista, uma nova roupagem sobre o tema", define o pesquisador. "Por isso ´O cangaceiro´ inaugura o gênero, trazendo fortes referências ao western americano e gerando, a partir daí, a produção em larga escala de filmes sobre o cangaço", aponta Marcelo, contabilizando quase 40 produções relacionadas ao tema, nas décadas de 60 e 70. "Depois de Lima Barreto ter tido o êxito que teve com seu filme, distribuído em mais de 80 países, o Brasil viu a possibilidade de sucesso e retorno comercial com o tema".

Entre tantas produções, vertentes bem díspares, organizadas pelo pesquisador em seis divisões. Além dos primeiros filmes a fazer menção ao tema, o capítulo de mais fôlego aborda as produções definidas como "Nordestern", recuperando o termo cunhado por Salvyano Cavalcanti de Paiva nos anos 60, para ressaltar a ligação com os filmes de faroeste e se referir a obras como "Lampião, o Rei do Cangaço" (1962) e "Corisco, o Diabo Loiro" (1969), ambos de Carlos Coimbra. "Todo mundo viu no cangaço a oportunidade de fazer um filme com estrutura estabelecida, consolidada no western, apesar de outros filmes terem trabalhado de outras formas", pontua Dídimo. Entre elas, a comédia (como "Pedro Bó, o Caçador de Cangaceiros", de 1977, e os insólitos "A Ilha das cangaceiras Virgens" e "Kung fu Contra as Bonecas", ambos de 1976) e o documentário (como "A Mulher no Cangaço", de 1976 , e "No Raso da Catarina", do ano seguinte).

De Glauber a Lírio

Enquanto os clássicos de Glauber Rocha "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro" fazem por merecer um capítulo à parte - "por se diferenciarem de todos os demais filmes, em várias questões de linguagem", justifica o pesquisador -, as produções da Retomada do cinema nacional nos anos 90 também ganham destaque: além de "Corisco e Dadá", "O Baile Perfumado", de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, e o "remake" de "O Cangaceiro", por Aníbal Massaíni Neto.

Um caleidoscópio de olhares sobre o fenômeno do cangaço. "Nas décadas de 60 e 70 ainda havia uma visão mais romantizada e menos naturalista. Os documentários, que utilizaram imagens do Benjamin Abrahão, já oferecem outros lados da história, assim como a Retomada muda a forma com os personagens são tratados. Dependendo do período, são olhares diferentes", demarca Marcelo. "No geral, há um equilíbrio entre as visões positivas e negativas do cangaço, com uma certa tendência a mostrar o cangaceiro realmente como um bandido. E é uma história que deve continuar, com novos filmes previstos para breve". Entre eles, projetos dos cearenses Rosemberg Cariry e Wolney Oliveira. Cenas para os próximos capítulos.

PESQUISA

O Cangaço no Cinema Brasileiro

Marcelo Dídimo

ANNABLUME/UFC/FAPESP

2010

297 páginas

R$ 47

O livro do pesquisador e professor adjunto do Curso de Graduação em Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social do Instituto de Cultura e Arte da UFC tem lançamento hoje, às 19h30, na Livraria Cultura (Av. Dom Luís, 1010, Aldeota).