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Gazeta Mercantil

Cientistas se esforçam para "privatizar"o quilo (1 notícias)

Publicado em 24 de agosto de 1997

Por The Economist
Laboratórios em todo o mundo buscam melhorar precisão da medida, para romper o monopólio da norma de Sèvres; dificuldades são muitas Um dos monopólios menos conhecidos no mundo está escondido num cofre subterrâneo em Sèvres, perto de Paris. Trata-se de um cilindro cintilante, feito de irídio e platina, e é a única coisa no universo cuja massa se conhece com infinita precisão. Isso porque ele pesa, por definição, exatamente um quilo. Desde 1889, a massa de tudo o mais que as pessoas talvez queiram avaliar - de um próton a um quilo de bife - foi aferida usando padrões que remontam a Sèvres. Até países que aderem às unidades de medida imperiais britânicas precisaram ir de chapéu na mão à França, a fim de comparar seus padrões-libra com o "protótipo internacional do quilograma". Graças a Deus, um grupo dos mais meticulosos cientistas do mundo - pessoas que chamam a si mesmas de metrologistas - trabalha dia e noite para mudar esse infeliz estado de coisas. Os metrologistas consideram a definição atual de quilograma um pouco melhor, em princípio, do que a que define uma unidade de comprimento como algo baseado no tamanho do pé do rei. O objetivo desses cientistas é privatizar o quilograma e destronar a lei de Sèvres. Isso aconteceu há muito tempo às outras unidades fundamentais de medida. O metro e o segundo já são definidos em termos de fenômenos naturais invariáveis; assim, qualquer laboratório que precise pode construir o seu próprio. Um metro é a distância em que a luz viaja em um segundo, dividido por 299.792.458; e um segundo dura precisamente 9.192.631.770 ondulações de luz que um átomo de césio-133 emite quando é induzido a mudar de um determinado estado para outro. Para qualquer um que se importe muito com o tempo e a distância (o fabricante de um satélite de telecomunicações, digamos), fazer medições como essas implica apenas gastar o dinheiro para comprar o equipamento necessário e contratar técnicos. A maneira óbvia de definir o quilograma é dizer que um quilo é a massa combinada de um dado número de átomos de um determinado tipo. Contar o número de átomos de um quilograma com a exatidão necessária é difícil. A fim de se alcançar a precisão exigida, é permitido errar apenas em dez átomos, num bilhão - e, em números redondos, um quilograma não é muito menos que uma centena de milhões de bilhões e bilhões de átomos, em média. Neste verão (setentrional), entretanto, três equipes de pesquisadores dos laboratórios nacionais de metrologia da Austrália, do Japão e da Itália juntaram forças para chegar a uma posição próxima de quatrocentos átomos, num bilhão. Eles fizeram isso medindo esferas de silício. Os australianos forneceram as esferas, projetadas de modo preciso a partir de cristais isolados de silício. A contagem foi feita pelos japoneses e italianos num processo em duas etapas. Primeiro, o diâmetro da esfera foi medido por um interferômetro, que utiliza raios laser para comparar comprimentos até um centésimo de bilionésimo de metro. A partir desse diâmetro, o volume podia ser facilmente calculado. Então, a distância entre átomos próximos dentro da esfera (e, portanto, o volume ocupado por um átomo) foi medida pela difração de raios X - uma técnica que usa o modelo criado pela interferência mútua de raios X irradiados através de um cristal para revelar o espaçamento exato de seus átomos. Dividindo o volume da esfera pelo espaço ocupado por um átomo, tem-se o número de átomos na esfera - e, portanto, a massa de um único átomo. Em teoria. Infelizmente, muitas coisas podem dar errado, motivo por que os pesquisadores ainda não podem destituir o quilograma tradicional. Em primeiro lugar, os cristais precisam ser quase perfeitos, com muito poucos átomos de silício faltando ou mal-colocados. Mesmo as esferas sofisticadas da Austrália não são suficientemente boas. E, embora o silício seja uma boa escolha por causa da perfeição com que seus cristais podem ser produzidos, usando aparelhagem projetada para fabricá-los para a indústria de chips de computador, ele apresenta outra dificuldade: seus átomos vêm em três isótopos distintos (cada um com massa diferente), e as proporções dos três isótopos num cristal de silício são ainda muito vagas para a boa metrologia. Em abril, uma equipe do Instituto de Pesos e Medidas da Comissão Européia, na Bélgica, divulgou certo progresso nessa área, mas muitos metrologistas imaginam se o problema poderá um dia ser resolvido. Entre os céticos está Michael Glaeser, que trabalha no laboratório nacional de metrologia da Alemanha, em Braunschweig. Ele tem idéia diferente sobre a contagem de átomos num quilograma de material — quer transformar o processo numa mensuração de corrente elétrica. Desde a década de 60, é possível fazer medições extremamente precisas das correntes e voltagens pela exploração de dois fenômenos fundamentais da teoria quântica - os efeitos quânticos de Josephson e Hall. A aparelhagem planejada por Glaeser (projetada em colaboração com Zhou Baoguo, do Instituto Nacional de Metrologia em Pequim) criará um feixe de átomos de ouro seriam ionizados (isto é, separados de um elétron), a fim de dotá-los de carga elétrica. Desse modo, o feixe dourado conduz uma corrente elétrica à medida que atravessa a aparelhagem. Usando os dois efeitos quânticos para medir a intensidade da corrente que o feixe conduz, é possível contar os íons de ouro individualmente enquanto eles viajam. Resta só a tarefa de pesar a pepita de ouro que se acumula na parte traseira da aparelhagem e dividi-la pelo número de átomos que entraram em sua produção. Depois de seis anos, Glaeser e Zhou construíram quase todos os componentes necessários para fazer o aparelho. Este enfrenta agora os testes preliminares. No momento, o maior problema que a equipe encara é ter segurança de que todos os íons do feixe dourado se "grudem" direito ao alvo, e não se despreguem dele ou façam "chuviscar" pedacinhos do material que já está no alvo. Mas Glaeser espera conseguir muitos aficionados pelo seu aparelho, pelo menos tão bons quanto os da esfera de silício dentro de alguns anos, e continuar com a pesquisa para substituir o quilograma-protótipo dentro de uma década. Uma terceira tentativa de destronar o artefato francês talvez tenha êxito antes disso. Ela usa os mesmos efeitos elétricos ultra-sensíveis de Glaeser, mas de maneira totalmente diversa. Bryan Kibble e Ian Robinson, do Laboratório Nacional de Física da Grã-Bretanha (NPL), em Teddington, trabalham há nove anos com uma idéia que associa os princípios de um motor elétrico e de um dínamo. Quando uma corrente elétrica em movimento percorre um arame que fica suspenso num campo magnético, o arame é afastado para o lado pelo magnetismo (este é o princípio segundo o qual os motores elétricos funcionam). Na primeira metade do experimento feito pelo NPL, manda-se uma corrente através de uma mola que balança nesse campo. A mola, então, recebe energia, que pode ser utilizada para suspender: um cilindro de metal contra a gravidade. Conseqüentemente, o quilograma poderia ser redefinido como qualquer massa que possa ser suspensa pela energia magnética quando uma determinada intensidade de corrente passar pela mola. O problema é que a relação entre a corrente e a energia depende de muitas questões confusas - como as condições específicas do campo magnético e a geometria da mola - que não podem ser muito bem controladas. O modo de se superar isso é fazer o procedimento ao contrário fazendo recuar a mola através da aparelhagem numa velocidade determinada, gerando, portanto, uma corrente elétrica (o princípio segundo o qual um dínamo funciona). A corrente resultante depende exatamente dos mesmos pormenores confusos da primeira medição; seus efeitos podem, portanto, ser calculados ou anulados do resultado final - o que fica uma casa decimal distante da precisão necessária para concorrer com o quilograma tradicional. Kibble e Robinson acreditam que poderão capturar o último dígito de precisão dentro de dois anos, de modo a trazer o quilograma (ou, pelo menos, o crédito por suplantar o cilindro de metal de Sèvres) à Grã-Bretanha. Resta saber se isso vai tornar os seus conterrâneos britânicos mais propensos a pedir seus bifes em quilos.