Eles trabalham mais de oito horas por dia, chegam em casa e estudam. Não ganham hora extra nos feriados, não têm férias, nem 13° salário. Apesar disso, são apaixonados pelo que fazem e, mesmo a maioria sendo desconhecida, são responsáveis pela evolução da ciência.
Estudantes de pós-graduação e professores do Brasil estão fazendo um abaixo-assinado na internet pedindo a regulamentação da profissão de cientista. O documento será apresentado à Câmara dos Deputados em agosto. Devido a não regulamentação da profissão, pesquisadores brasileiros buscam no exterior mais valorização do trabalho que exercem.
Há 14 anos Alexandre Kanashiro, de 38 anos, trabalha com pesquisa na USP de Ribeirão Preto. Hoje, ele faz pós-doutorado e é bolsista da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Como na bolsa que recebe não são descontados os impostos trabalhistas, ele guarda a quantia equivalente e há mais de 10 anos paga um plano de previdência privada.
Kanashiro trabalha em uma área conhecida como neuroimunologia. A pesquisa visa criar novas alternativas para o tratamento do câncer, por exemplo. Alexandre não pretende deixar de ser pesquisador e se pudesse escolher entre ser contratado por uma universidade como professor ou cientista, ele escolheria a segunda opção. “Minha formação é esta. No entanto, com raríssimas exceções, o modelo brasileiro, ao contrário do modelo norte-americano, não permite esta separação. Os pesquisadores/ professores precisam alternar estar no laboratório e sala de aula", diz.
Maternidade X pesquisa
A professora de Farmacologia da USP de Ribeirão Preto e cientista Samia Joca, de 35 anos, teve que conciliar a maternidade com as pesquisas em 2009, quando o filho Miguel nasceu. Apesar de ter tido seis meses de licença-maternidade como professora, ela não pôde deixar de elaborar os relatórios científicos.
“Recebia meus alunos de pós-graduação em casa para reuniões rápidas. Tive que escrever projetos de pesquisa e artigos, além de relatórios científicos sobre auxílios já recebidos. Se eu não tivesse escrito o projeto, o laboratório teria ficado sem dinheiro para pesquisa", afirma Samia.
Sem carteira na medicina
Viver de bolsa e sem carteira assinada também será obrigatório para os estudantes de medicina que entrarem a partir de 2015 na universidade. Pelo menos por dois anos.
No início do mês, o Ministério da Educação elevou os cursos de medicina da rede pública e privada do país de 6 para 8 anos de duração. A partir de janeiro de 2015, os estudantes que ingressarem nas faculdades de medicina terão de cumprir obrigatoriamente um ciclo de dois anos da grade curricular no Sistema Único de Saúde (SUS).
Para realizar o ciclo adicional de formação no SUS, os alunos vão receber uma bolsa custeada pelo governo federal [de até R$ 10 mil], além de uma autorização provisória para exercício da medicina. As instituições de ensino terão de oferecer acompanhamento e supervisão nas especialidades.
Os alunos de universidades privadas deverão ficar isentos da mensalidade neste ciclo.
O anúncio foi criticado em carta pela Associação Médica Brasileira (AMB), Associação Nacional de Médicos Residentes (ANMR), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Federação Nacional dos Médicos (Fenam). A ampliação do tempo de formação nos cursos de medicina é “uma manobra que favorece a exploração de mão de obra."
Pesquisadores buscam espaço externo
Tratados como estudantes no Brasil, dupla de Ribeirão tem direito a férias e a plano de saúde
Em busca de reconhecimento e para aprimorar seus conhecimentos, muitos pesquisadores brasileiros procuram outros países para trabalhar. O caminho foi seguido por duas pessoas de Ribeirão Preto.
A cientista Ingrid Metzger, de 34 anos, e o cientista Evandro Neves, de 29 anos, realizaram pesquisas por mais de seis anos na USP de Ribeirão e hoje moram em Indianápolis, nos Estados Unidos (EUA).
“Aqui nos EUA sou tratada como cientista empregada, enquanto que no Brasil como estudante", diz Ingrid.
A pesquisadora trabalha com o estudo do metabolismo do Efavirenz, um medicamento utilizado no Brasil como primeira linha de tratamento da AIDS.
Há um ano e onze meses em Indianápolis e atuando como coordenadora de pesquisa clínica na School of Medicine, Indiana University, Ingrid acredita que os pesquisadores não são valorizados no Brasil.
"É necessário criar melhores condições de trabalho para pesquisadores e principalmente criar oportunidades de trabalhos após a conclusão do doutorado. Aqui nos EUA comecei contratada como pós-doutoranda com direito a férias, pagando impostos e plano de saúde e agora estou contratada como funcionária, tendo os mesmos benefícios de antes com adicional do pagamento de uma porcentagem referente à aposentadoria", afirma.
Um profissional
Já Evandro Neves pesquisa a embolia pulmonar aguda, doença, segundo ele, pouco estudada, de difícil diagnóstico e com poucas opções de tratamento.
Há cinco meses ele trabalha na Indiana University – Purdue University Indianápolis.
“Aqui nos EUA sou tratado como profissional com muito respeito. Já no Brasil, sempre fui tratado como um estudante que ganha bolsa do governo", comenta Evandro.
Evandro Neves queria voltar para o Brasil
Apaixonado pela pesquisa, Evandro Neves diz que gostaria de ser contratado por uma universidade brasileira como cientista e não como professor.
“Uma das melhores opções é prestar concurso público para docente em uma universidade pública e fazer alguma pesquisa com o pouco tempo que lhe resta".
Segundo Evandro, a regulamentação da profissão de cientista deve começar desde a pós-graduação, mestrado e doutorado. “Não só os cientistas, mas toda a sociedade brasileira tende a ganhar com isso".