O cientista derrama um líquido sobre uma estrutura, feita com uma vasilha de isopor, um disco de cobre e pastilhas de material supercondutor. Dissipada a nuvem de fumaça que espalha-se pelo laboratório, surge a descoberta: o objeto, antes apoiado, agora levita. O que parece brincadeira realmente aconteceu no Brasil - mais precisamente na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Uma equipe de dez cientistas, em parceria com a universidade alemã de Braunschweig, desenvolveu uma técnica de levitação de objetos. Entre suas aplicações, está a construção do trem-bala brasileiro.
A tecnologia poderá competir ou até vir a substituir tecnologias semelhantes utilizadas hoje em várias partes do mundo. A pesquisa baseou-se nu seguinte princípio físico: quanto menor o atrito, maior a velocidade que um objeto poderá atingir, e seguramente, manter essa velocidade por mais tempo.
A tecnologia desenvolvida no Brasil, que leva o nome de levitação por supercondutividade de alta temperatura, mostra que alguns materiais são capazes de conduzir melhor a eletricidade quando submetidos à determinadas temperatura. A técnica é considerada "mais barata" e "mais estável" que outras em teste no mundo. Quem garante é o engenheiro da UFRJ Richard Stephan, engajado no projeto. "A repulsão entre o trem e os trilhos deve ser controlada, por ser um fenômeno instável, mas em menor nível", explica.
Ele conta que essa tecnologia usa nitrogênio líquido para resfriar o metal e provocar a levitação. O Japão, por exemplo, está desenvolvendo um trem-bala que levita. Hoje em fase de testes, o trem utiliza, entretanto, o processo de supercondutividado de baixa temperatura em sua estrutura, que demanda resfriamento por hélio líquido. O hélio é infinitamente mais raro e mais caro que o nitrogênio, explica a White Martins, que produz ambos os produtos e patrocina o projeto da UFRJ. O nitrogênio compõe 79% do ar existente na Natureza, enquanto o hélio é menos de 1%.
"Além disso, o ponto de liqüefação do hélio é aos 279ºC e o do nitrogênio líquido é de 196ºC. Logo, é muito mais difícil resfriá-lo e mantê-lo a essa temperatura que o nitrogênio", afirma a assessoria de imprensa da White Martins. Stephan explica que enquanto o hélio precisaria ser mantido em recipientes especiais, ele guarda nitrogênio líquido em garrafas térmicas de café, sem nenhum prejuízo ao material.
A idéia da equipe da UFRJ é construir um protótipo de trem bala dentro das instalações da universidade até o ano 2000, quando o Rio de Janeiro sediará pela primeira vez o maior congresso do mundo sobre levitação magnética, o Lev Mag 2000. O trem deverá ser construído em fibra de vidro ou alumínio e parte da estrutura levará peças de cobre. O objetivo principal do protótipo é testar como se comportará a tecnologia na prática. O trem terá meio metro de comprimento e deslizará sobre um trilho de onze metros.
A equipe encaminhou um projeto de financiamento ao Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, para aporte de R$ 200 mil.
Depois de construído o protótipo, o passo seguinte seria complementar o serviço de transporte dentro da universidade com a construção de um pequeno trem de levitação, conta Stephan. "Hoje a universidade conta com um serviço de ônibus para circulação no campus, já que as distâncias entre os prédios são muito grandes. Poderíamos ter um trem, que funcionaria por eletricidade, sem a necessidade de combustível fóssil", vislumbra o engenheiro.
Pensando em novas maneiras de diminuir o atrito entre objetos, muitos avanços foram feitos mundialmente. Entre eles, está o trem-bala de baixo atrito Kioto-Tóquio, que percorre 514 quilômetros em apenas 2h48. Convencidos de que seria possível acabar de vez com o atrito, alçando no ar um trem inteiro, os japoneses construíram o trem-bala do futuro, que já atingiu 500 quilômetros horários em testes. O trem levita sobre os trilhos após ganhar certa velocidade. Os alemães estão desenvolvendo um trem-bala que dispensa totalmente o contato com os trilhos. Ele foi projetado segundo o princípio do eletromagnetismo.
A mesma tecnologia poderá servir à construção de giroscópios de melhor qualidade. O aparelho, usado para nortear naves espaciais e aviões, poderá funcionar por muito mais tempo com o princípio da levitação, diz Stephan. "Como no espaço não há o magnetismo para nortear uma bússola, precisavam inventar outra maneira para guiar as espaçonaves. O giroscópio funciona da mesma forma que uma bicicleta. Se a roda atinge grande velocidade, o ciclista pode soltar o guidon, que a bicicleta não vai perder a direção". No giroscópio atual, um objeto circular é apoiado sobre um diamante, havendo ainda um pouco de atrito, sustenta o engenheiro.
Outra utilidade para a tecnologia da supercondutividade é a construção de ultracentrífugas. As máquinas são geralmente utilizadas para separar elementos de pesos diferentes, como isótopos de urânio ou a água misturada com o petróleo. Quando centrifugados, os elementos mais pesados ficam depositados no fundo da centrífuga. A Marinha brasileira construirá, em breve, milhares de ultracentrífugas que funcionam pelo mesmo princípio. As máquinas serão vendidas à Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que pretende completar, com as máquinas, o seu ciclo de construção de combustível nuclear no Brasil.
Notícia
Gazeta Mercantil