Pesquisadores identificaram uma proteína que pode atuar como um sensor de dano tecidual e bloquear a resposta inflamatória desencadeada por um subtipo de célula do sistema imune envolvido no desenvolvimento de diferentes doenças autoimunes.
A descoberta abre espaço para novos estudos em busca de tratamentos para enfermidades como psoríase, artrite reumatoide e esclerose múltipla, nas quais o próprio sistema imunológico ataca células saudáveis.
O trabalho revela o papel da proteína STING (acrônimo em inglês para STimulator of INterferon Genes) em linfócitos, particularmente em células T auxiliares do tipo 17 (Th17, na sigla em inglês). Os resultados foram publicados na revista científica Cell Reports.
Os cientistas, liderados por um grupo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), demonstraram que a ativação de STING em linfócitos in vitro reduz a capacidade dessa célula de causar inflamação e, em contrapartida, ela passa a fabricar uma citocina, a interleucina-10, que tem funções anti-inflamatórias.
“Acreditamos que a ativação da proteína STING seja um modulador para reduzir a resposta inflamatória das células Th17. Achamos que pode haver um potencial vínculo entre sensores de lesão tecidual e a lesão causada pela inflamação autoimune no tecido afetado. Essa mesma lesão pode levar a um freio da resposta inflamatória em agravar ainda mais a doença”, explica o professor da USP José Carlos Farias Alves-Filho, autor correspondente do artigo.
Nas doenças autoimunes, as células de defesa do organismo invertem seu papel. Em vez de proteger o indivíduo contra infecções, passam a agredi-lo, produzindo inflamação e lesões progressivas no tecido afetado. Em casos de esclerose múltipla, por exemplo, a lesão se dá no sistema nervoso central, prejudicando parte da capacidade motora. Na psoríase, a pele é o principal local atingido.
Já se sabe que o linfócito do subtipo Th17 tem importante papel tanto na mediação do desenvolvimento de doenças autoimunes quanto na progressão das lesões causadas pela inflamação característica de cada tipo de doença autoimune. Mas ele também está implicado na resposta de combate do organismo aos patógenos, dando origem à natureza dupla desse tipo de célula.
Ou seja, existem Th17 “patogênicos” – que produzem interleucina-17 e outras citocinas responsáveis pela modulação da resposta inflamatória que leva à lesão tecidual das doenças autoimunes – e “não patogênicos”, que também fabricam interleucina-10, com capacidade anti-inflamatória de reduzir a lesão. Durante esse processo, há liberação de DNA.
Na literatura, a proteína STING tem sido descrita como um importante sensor intracelular de DNA. Agora, a pesquisa mostrou que esse mecanismo freia a capacidade inflamatória do linfócito Th17.
Segundo o professor, STING é mais encontrada na célula Th17 que controla a infecção (não patogênica) do que na que promove doenças autoimunes (patogênica). E, além disso, quando ativada, faz com que Th17 patogênico deixe de ter esse perfil inflamatório autoimune.
“Ainda há pouca descrição na literatura sobre os efeitos da STING em linfócitos. No laboratório, já tínhamos um foco em estudos com Th17. Com esse trabalho, conseguimos identificar na experimentação in vitro que essa proteína consegue discriminar o tipo patogênico e não patogênico de linfócitos Th17. E mostramos o mecanismo de como isso acontece”, explica o doutorando Luis Eduardo Alves Damasceno, primeiro autor do trabalho e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na Alemanha.
Os cientistas integram o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) sediado na FMRP-USP. O trabalho também teve apoio da Fapesp por meio de bolsas concedidas a Gabriel Azevedo Públio e Guilherme Cesar Martelossi Cebinelli.
Em 2020, o grupo havia descoberto que uma enzima ligada a processos metabólicos (a PKM2) está envolvida na diferenciação do Th17 e, por consequência, no desenvolvimento de doenças autoimunes. O estudo foi feito durante o mestrado de Damasceno, sob orientação de Alves-Filho, e publicado no Journal of Experimental Medicine.
Atualmente, o tratamento de doenças autoimunes é feito com drogas imunossupressoras, que diminuem a atividade do sistema imunológico responsável pela lesão tecidual, mas também inibem a capacidade de resposta do organismo às infecções. Por isso, acabam criando um estado de imunossupressão geral que predispõe os pacientes a infecções por bactérias, vírus e fungos. Além disso, essas drogas apresentam vários efeitos adversos que muitas vezes limitam o seu uso.
Estudos desse tipo são importantes porque apontam caminhos e mecanismos usados pelas células para desencadear e agravar as doenças e podem servir de foco para novos tratamentos, direcionando a aplicação de drogas específicas.