No IQ (Instituto de Química) da USP, pesquisas identificaram genes ligados à proliferação de tumores de câncer de pâncreas que são altamente resistentes ao tratamento. Com a ajuda de técnicas computacionais, os cientistas também conseguiram atribuir possíveis funções aos genes, como o crescimento e a migração de células tumorais, que seriam confirmadas em experimentos de laboratório.
Os resultados do trabalho ajudarão a definir novos alvos para a terapia do câncer, bem como marcadores de resíduo ou recidiva em pacientes tratados. As conclusões do estudo são apresentadas num artigo publicado na revista científica Oncologia Celular último dia 14 de maio.
“O câncer de pâncreas é a sétima causa de morte por câncer no Brasil e no mundo e uma das mais mortais: a sobrevida dos pacientes cinco anos após o diagnóstico é inferior a 5%. Atualmente, o único tratamento curativo é a remoção cirúrgica em estágio inicial da doença”, disse ao Jornal da USP o professor Eduardo Moraes Rego Reis, que coordenou o estudo. , “Muitas vezes já se espalhou para outras partes do corpo. Ainda é um câncer que é resistente à quimioterapia e imunoterapia.”
A pesquisa teve como objetivo criar um catálogo de alta resolução de genes ativos em tumores pancreáticos, com foco na identificação de RNAs longos não codificantes (IncRNAs). “As funções dos IncRNAs ainda são pouco compreendidas pelos cientistas, ao contrário dos RNAs mensageiros, por exemplo, que são responsáveis pela síntese de proteínas que expressam as informações genéticas contidas no DNA”, explica o professor.
“Identificamos genes de lncRNA que desempenham um papel oncogênico, ou seja, contribuem para que a célula tumoral apresente propriedades associadas à malignidade tumoral, como alta proliferação, capacidade de crescimento independente de substrato, migração e invasão”, explica o professor.
O estudo analisou o conjunto de genes expressos (transcriptoma) de 14 tumores pancreáticos e tecidos pancreáticos não tumorais a partir de amostras de pacientes.
“Para isso, todos os RNAs foram isolados, seguido da criação de bibliotecas para sequenciamento de alto desempenho”, descreve Reis. “Os dados obtidos com o sequenciamento foram submetidos à análise bioinformática para reconstruir a sequência de RNAs expressos no pâncreas e identificar lncRNAs com expressão aberrante em tumores em comparação com tecidos normais.”
funções
“Através do sequenciamento de alta resolução de RNAs ativos em tumores e em tecido pancreático normal, identificamos ‘assinaturas’ de lncRNAs que produzem expressão aberrante em tumores, centenas deles inéditos, não descritos na literatura. Alguns deles se correlacionam com a sobrevida do paciente. e valor para fazer um prognóstico da doença na clínica”, diz o professor.
“Análises funcionais de vários lncRNAs em linhagens de células tumorais pancreáticas mostraram que o silenciamento desses RNAs reduziu as propriedades do tumor, como proliferação, migração e invasão, confirmando que são lncRNAs oncogênicos”.
Utilizando uma abordagem computacional baseada em redes de coexpressão gênica, a pesquisa atribuiu a vários lncRNAs oncogênicos um papel que indica os prováveis processos biológicos em que atuam e que podem ser confirmados experimentalmente. “Validamos essa abordagem mostrando que um desses RNAs, o lncRNA UCA1, é necessário para o reparo do DNA em células tumorais expostas à radiação ionizante”, diz Reis.
O estudo continua investigando o efeito do silenciamento individual e combinado dos lncRNAs oncogênicos descritos no trabalho, agora utilizando modelos tumorais in vivo.
“Para isso, usaremos uma coleção de xenotumores que já existe em nosso laboratório, que foram gerados a partir de tumores pancreáticos que foram retirados de pacientes e implantados em camundongos imunossuprimidos”, enfatiza o professor. “Também pretendemos investigar a presença de lncRNAs em exossomos, vesículas secretadas por células tumorais e em fluidos biológicos de pacientes com câncer pancreático ao longo do tratamento.”
“Esses experimentos serão importantes para avaliar o potencial dos lncRNAs como alvos terapêuticos ou como marcadores para detectar resíduos ou recidivas em pacientes com câncer de pâncreas em tratamento”, enfatiza Reis. “Dessa forma, além de avançar no conhecimento sobre a biologia desses RNAs, o trabalho também contribui para novos alvos moleculares para diagnóstico e possíveis intervenções terapêuticas no combate à doença”.
A pesquisa foi realizada no Departamento de Bioquímica do IQ em colaboração com uma equipe multidisciplinar de bioquímicos, biólogos moleculares e celulares, bioinformáticos e médicos de diferentes unidades da USP e com o apoio de FAPESP (Fundação de Fomento à Pesquisa do Estado de São Paulo).
As amostras clínicas analisadas no estudo vieram do biobanco do AC Camargo Cancer Center, em São Paulo, que também contribuiu para o trabalho dos médicos da instituição.