Considerados fundamentais para o monitoramento e até para a construção de políticas de preservação da biodiversidade, os dados abertos de florestas requerem um "acordo radicalmente novo" entre originadores, usuários e financiadores. Esse é um dos principais pontos colocados em discussão em artigo de opinião publicado na revista Nature Ecology and Evolution e assinado por 25 pesquisadores de 27 instituições e universidades de vários países, entre elas quatro brasileiras.
Liderado pelos cientistas Renato Augusto Ferreira de Lima, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), e Oliver L. Phillips, da Universidade de Leeds (Reino Unido), o grupo concorda com a necessidade de os dados serem abertos, mas coloca a desigualdade de condições de trabalho entre geradores e usuários das informações como argumento para avaliar de que forma e quando abri-los, defendendo um processo mais “justo e equitativo”.
"O cientista tropical de campo conhece bem essa realidade. Com o debate que trazemos à tona queremos atingir instituições financiadoras, os usuários que querem acoplar dados florestais a informações de satélites e as casas editoriais, que às vezes exigem a abertura dos dados. É uma forma de alertar que as condições de trabalho para a geração dessas informações não são iguais para todos”, afirma Lima à Agência FAPESP.
As diferentes condições de trabalho, de infraestrutura, de capacitação e de financiamento das pesquisas estão na lista das causas para o que o grupo de cientistas chama de “abismo” entre os profissionais e instituições que medem as florestas em campo e os que utilizam os dados coletados para fazer sínteses em escalas regionais e globais.
“No artigo mostramos que os geradores de dados biológicos nos trópicos – entre eles botânicos, ecólogos, engenheiros florestais, técnicos e comunidades locais – não dispõem de acesso aos mesmos treinamentos, infraestrutura e recursos. Isso acaba gerando um ônus para quem tem a responsabilidade de coletar os dados e que, muitas vezes, precisa de investimento continuado para conseguir monitorar a biodiversidade”, diz Lima.
O acesso a dados sem restrições e com possibilidades de compartilhamento tem sido considerado fundamental para atender a uma crescente demanda por informações florestais, seja para pesquisa, monitoramento e formulação de políticas públicas.
Isso porque as florestas tropicais – onde se insere a Amazônia, por exemplo – são vistas como ponto central numa abordagem de sistemas integrados para enfrentar as crises globais relacionadas às mudanças climáticas e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pelas Nações Unidas na Agenda 2030.
Esses sistemas são responsáveis por serviços ambientais cruciais, como a absorção de gases de efeito estufa, o equilíbrio hídrico e a biodiversidade. No entanto, são constantemente ameaçados por desmatamento, queimadas e outros.
Com o apoio da FAPESP, Lima foi o primeiro autor de um estudo, publicado em 2020, mostrando que a ação humana já causou – direta ou indiretamente – perda de biodiversidade e de biomassa em mais de 80% dos fragmentos florestais remanescentes da Mata Atlântica (leia mais aqui).
Por outro lado, coletar e gerar dados de longo prazo sobre as florestas envolve medir fisicamente árvores de várias espécies in loco e identificá-las. Esse trabalho requer atualizações e monitoramentos constantes para registrar as mudanças ao longo dos anos, o que, em se tratando de florestas, pode representar décadas de financiamento e carreiras inteiras de pesquisadores.
Sugestões
Para garantir os benefícios dos fluxos de dados florestais de longo prazo, o grupo apresenta no artigo oito recomendações baseadas no que chamam de “modelo alternativo”, concentrado nas necessidades dos originadores e garantindo que usuários e financiadores contribuam adequadamente.
“Uma abordagem justa e sustentável começa por reconhecer o desafio humano envolvido em medições florestais de longo prazo. Ela deve colocar as pessoas, e não os dados, em primeiro lugar. Isso significa assumir os verdadeiros custos financeiros, profissionais e pessoais dessas medições”, escreve o grupo de cientistas com grande experiência em ecologia de florestas tropicais, que representam, além do Brasil, Peru, Colômbia, Argentina, Camarões, Congo, Vietnã, Estados Unidos e países europeus.
Nas recomendações, os pesquisadores sugerem financiamento dos custos diretos e indiretos em: 1) trabalho de campo e laboratórios, incluindo apoio aos herbários; 2) treinamento e condições seguras de trabalho para os profissionais que produzem os dados florestais; e 3) despesas gerais das instituições responsáveis pela entrega das informações.
Além disso, destacam ser essencial o investimento no gerenciamento dos dados por meio de bancos, como o que já existe hoje para os registros e sequências de DNA das espécies, mas avaliam que é preciso cobrir os custos de curadoria e padronizar a infraestrutura deles.
Ao tratar dos periódicos, o grupo sugere que eles apoiem os pesquisadores de campo adotando definições holísticas de autoria para incluir todos os envolvidos na coleta e garantir que os resultados sejam divulgados na língua dos criadores. “Isso significa reconhecer os verdadeiros custos para capacitar instituições tropicais. Por último, mas não menos importante, é essencial desenvolver colaborações de longo prazo e equitativas, que devem ser o objetivo declarado de financiadores, produtores e usuários igualmente”, concluem.
Em dezembro de 2020, em artigo publicado na Scientific Data, os pesquisadores Jingjing Liang, da Universidade de Purdue (Estados Unidos), e Javier Gamarra, da equipe do National Forest Monitoring (NFM), defendiam que, apesar dos avanços, a quantidade de dados florestais compartilhados in situ não atendia à urgência das crises globais, como políticas de combate a pandemias e de ações de mitigação das mudanças climáticas.
No Brasil, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) publicou no mesmo ano uma pesquisa para compreender as características e o modo como 11 iniciativas de diversos setores florestais utilizavam os dados abertos em ações voltadas à prevenção, ao monitoramento e ao controle do desmatamento.
De acordo com o depoimento de representantes das iniciativas analisadas, os principais problemas das bases usadas eram dados de baixa qualidade, incompletos, desatualizados, além da falta de integração ou centralização das bases.