Notícia

Head Topics (Singapura)

Cientistas criam modelo que mimetiza malformação associada à epilepsia (12 notícias)

Publicado em

Por Luciana Constantino, Agência Fapesp

Tratamento para esses casos ainda é difícil pela falta de drogas eficazes ou dificuldade de acesso a cirurgia. Organoides abrem caminhos para novas terapias

, uma das mais relevantes em neurologia clínica e neurociências. Podem contribuir com trabalhos futuros voltados a testar drogas contra a epilepsia grave, aquela que acomete indivíduos que, mesmo depois de dois anos de uso da medicação adequada e ou de cirurgia, continuam a ter crises frequentes.

Os organoides (órgão desenvolvidoin vitroque simula a morfologia e o funcionamento de parte do cérebro) foram cultivados a partir de células da pele de quatro pacientes com epilepsia grave tratados no Hospital de Clínicas da Unicamp. Essas células foram reprogramadas para se tornar células-tronco pluripotentes, diferenciando-se, em seguida, em células neurais.

Ao fazer análises morfológicas, moleculares e funcionais dos organoides, o grupo identificou características desta malformação cortical, entre elas alteração na proliferação celular, hiperexcitabilidade da rede neuronal, presença de neurônios dismórficos e de células “balão”, chamadas assim por causa de seu formato (parecem híbridas, tendo o núcleo como se fosse o de um neurônio e o citoplasma como o de um astrócito). headtopics.com

“Encontramos alteração molecular compatível com o que se espera em vias celulares relacionadas com desenvolvimento e maturação de neurônios. Também demonstramos que é possível gerar organoide cortical com atividade elétrica que se aproxima do que se entende como descarga neuronal associada à epilepsia. Portanto, obtivemos um modelo próximo do que vemos em pacientes, que poderá, futuramente, ser usado para fazer triagem de medicações já existentes”, resume

Iscia Lopes-Cende, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e coautora do artigo.A pesquisa foi realizada durante o pós-doutoradodeSimoni Avansini, no âmbito doInstituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia (BRAINN) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.

Até então havia uma limitação para estudos desse tipo de epilepsia em modelos animais, incluindo roedores, porque o córtex cerebral é bem diferente do córtex humano e não apresenta esse tipo de malformação. “Na área da epilepsia, esse é um estudo muito importante. Ao longo de anos foram várias tentativas, com erros e acertos. O resultado coroa a busca da Simoni, que manteve algo importante em um pesquisador: a perseverança”, afirma Lopes-Cendes, que é pesquisadora principal no BRAINN.

Doença neurológica sem cura, a epilepsia afeta cerca de 50 milhões de pessoas no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Estima-se que no Brasil sejam 2 milhões de registros.Os pacientes com casos graves chegam a ter entre 40 e 50 convulsões por dia, com perda de sentido e queda. O tratamento é feito com uma combinação de medicamentos, que nem sempre funciona. A maior parte das drogas diminui a atividade dos neurônios de forma generalizada, controlando as crises, mas provocando muitos efeitos colaterais, como sonolência e alteração de memória. Outra alternativa é a cirurgia, em que é retirada a parte do cérebro afetada pela malformação. headtopics.com

As crises não controladas, além de ter impacto na rotina do paciente, são um grave risco de morte súbita e prematura (chegando a ser até três vezes maior do que entre a população geral). Além disso, aproximadamente metade das pessoas adultas com epilepsia tem outros tipos de transtornos, como depressão e ansiedade.

Continua após a publicidade“Conseguimos mimetizar o desenvolvimento do neocórtex e algumas características básicas da displasia cortical focal. A vantagem é que obtivemos um modelo humano, mantendo obackgroundgenético do paciente. Com o organoide é possível estudar cada estágio da malformação, que começa no desenvolvimento do córtex, com repercussão na proliferação e diferenciação das células”, diz Avansini à

Agência FAPESP.Na literatura ainda não está claro como o desenvolvimento cortical anormal pode contribuir para a geração de crises epilépticas no tecido cortical displásico. Em 2018, outro artigo publicado pelo grupo, resultado do doutorado de Avansini, havia sugerido que a desregulação na expressão de um gene chamado

NEUROG2, importante para o processo de diferenciação dos neurônios e das células da glia (astrócitos, oligodendrócitos e micróglias), teria um papel-chave no desenvolvimento da doença.AmostraOs pesquisadores usaram células da pele de quatro pacientes que não responderam ao tratamento com medicação nem à cirurgia. Um deles chegou a passar por três procedimentos cirúrgicos que resultaram na redução da quantidade de crises, mas ainda sem alcançar o resultado esperado. Os outros três indivíduos fizeram duas cirurgias, entre eles uma criança que começou com convulsões aos 14 meses de idade e teve a parte da fala afetada. headtopics.com

“Nossos dados apontam para uma ruptura molecular na junção das células neuroepiteliais que afetaria alguns neurônios que formam a placa cortical, levando a alterações na rede neural. Essas, por sua vez, tornariam esses pacientes suscetíveis à epilepsia”, afirma o professor

Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia e um dos autores correspondentes do artigo, emvídeode divulgação do trabalho.Para capturar os registros elétricos, os cientistas usaram duas técnicas, sendo uma delas inovadora na área: colocaram o organoide em placa com eletrodos e introduziram o eletrodo dentro do organoide. Esses eletrodos foram desenvolvidos especificamente para a pesquisa.

O grupo também conseguiu trabalhar com organoides de três e cinco meses, o que é difícil de obter porque eles tendem a morrer em pouco tempo por não terem sistema vascular.“Somos movidos por desafios. Tive um familiar com epilepsia que faleceu em decorrência de uma das crises. Quando vivenciamos isso, sabemos exatamente o que vai no coração das famílias. Isso é o que me move. Conseguimos avançar em muitas coisas, mas ainda é preciso fazer mais, a busca continua”, afirma Avansini.

Segundo a pesquisadora, o próximo passo é buscar entender mais a formação da epilepsia e colocar foco na região proliferativa para entender como as células e o circuito se formam. E, se houver alteração nessa etapa, como é possível interferir no sistema para levar a novos tratamentos.

Agora, Avansini é pesquisadora no Laboratório de Bioimagem, dentro do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), instituição de pesquisa especialmente focada para o uso da luz síncrotron. O LNBio integra o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) com outros três laboratórios: o Nacional de Luz Síncrotron (LNLS/Sirius), o Nacional de Biorrenováveis (LNBr) e o Nacional de Nanotecnologia (LNNano).

“Nosso CEPID cumpriu a tarefa de produzir boa ciência e formar pesquisadores independentes que continuarão fazendo boa ciência”, completa Lopes-Cendes.