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Cientistas criam banco de dados para mapear desenvolvimento do cérebro (32 notícias)

Publicado em 23 de abril de 2022

Por Luciana Constantino

Um grupo internacional de cientistas, incluindo brasileiros, reuniu 123.984 exames de ressonância magnética para mapear o desenvolvimento do cérebro humano desde as primeiras semanas do feto até os 100 anos de idade. Com esse banco, foram montados gráficos que mostram a evolução cerebral ao longo dos anos, incluindo fases de rápida expansão no início da vida e de redução do tamanho do órgão durante o envelhecimento.

Essa ferramenta sistematizando os processos de desenvolvimento típico e atípico do cérebro poderá servir como uma referência, funcionando de forma semelhante às atuais tabelas de acompanhamento de medidas de altura e peso de crianças. Além de base para novos estudos, a expectativa é que as curvas de referência tenham, no futuro, uma aplicação clínica.

O trabalho, liderado por pesquisadores das universidades de Cambridge (Reino Unido) e da Pennsylvania (Estados Unidos), foi publicado na revista Nature. Ao fornecer uma métrica por idade e sexo, a ferramenta permite comparações e poderá apontar caminhos, por exemplo, para identificar distúrbios que surgem em diferentes estágios da vida ou até mesmo alterações cerebrais capazes de sinalizar doenças neurodegenerativas progressivas, como Alzheimer e Parkinson.

O banco está sendo considerado o maior deste tipo - reúne exames de 101.457 pessoas de vários países. Apesar de haver uma predominância da representatividade de descendências europeia e americana, o estudo incluiu informações de indivíduos da América do Sul, da África e da Austrália. Porém, essa diversidade ainda é pequena se comparada ao total de informações. Por meio de um site, chamado BrainChart, os pesquisadores pretendem continuar alimentando os dados.

"O grande diferencial metodológico da pesquisa foi abrir a possibilidade de montar referências robustas e adequadas que até então não havia. Agora, ao estabelecer essas curvas, com as pontuações e percentis, é possível colocar cada indivíduo e entender como o cérebro está se desenvolvendo em comparação à trajetória padrão. Quando há um banco com tantas amostras é possível demonstrar pequenas diferenças com mais robustez", explica à Agência FAPESP o médico Pedro Pan, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coautor do trabalho.

Pan é vice-coordenador do Estudo Brasileiro de Coorte de Alto Risco para Transtornos Psiquiátricos na Infância (BHRC na sigla em inglês), uma grande pesquisa de base comunitária que acompanha 2.511 crianças e jovens de Porto Alegre (RS) e São Paulo desde 2010.

O BHRC, considerado um dos principais acompanhamentos sobre riscos de transtornos mentais realizados no Brasil, faz parte do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD), apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O INPD, com mais de 80 professores e pesquisadores de 22 universidades, tem como coordenador-geral o professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) Eurípedes Constantino Miguel Filho.

O instituto dispõe de mais de 2 mil imagens cerebrais coletadas na última década. Parte delas contribuiu com o trabalho publicado agora na Nature, que tem entre os coautores os professores Giovanni Abrahão Salum, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Andrea Parolin Jackowski, da Unifesp, e André Zugman, do INPD.

Achados

Os pesquisadores usaram métricas de ressonância magnética quantificadas por pontuações em relação a trajetórias não lineares de mudanças estruturais cerebrais e taxas de alterações ao longo da vida. Foi utilizado um software de neuroimagem padronizado para extrair os dados dos exames de ressonância magnética, começando com o volume de substância cinzenta (células cerebrais, neurônios) e branca (que inclui as conexões do cérebro).

Depois, houve expansão para análises da espessura do córtex e volume de regiões cerebrais específicas. Para gerar os gráficos cerebrais, o grupo adotou uma estrutura implementada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para desenvolver as curvas padronizadas de altura e peso.

A modelagem adotada - a GAMLSS (sigla em inglês para modelos aditivos generalizados para escala e forma de localização) - permitiu alavancar o conjunto de dados agregados de neuroimagem ao longo da vida dos indivíduos, derivando os marcos de desenvolvimento cerebral (ou picos de trajetórias) e comparando com a literatura atual.

Com isso, foi possível confirmar, e em alguns casos até mesmo mostrar pela primeira vez, marcos que haviam sido levantados por hipóteses. Entre eles estão a idade em que as principais classes de tecidos do cérebro atingem o volume máximo e quando regiões específicas do órgão chegam à maturidade.

Em relação ao volume de substância cinzenta, os cientistas mostraram que há um rápido aumento a partir da metade da gestação, atingindo o pico pouco antes de a criança chegar aos 6 anos de idade. Em seguida, começa a diminuir lentamente. Já o volume de matéria cinzenta na região subcortical - que controla as funções corporais e o comportamento básico - atinge o pico na adolescência, por volta dos 14 anos.

O volume de substância branca também aumenta rapidamente desde a metade da gestação até a primeira infância, atingindo o pico pouco antes dos 29 anos de idade. Seu declínio começa a acelerar após os 50 anos. "Isso mostra que o espaço de plasticidade dessas conexões vai até o início da vida adulta", explica Pan.

A partir dos 60 anos, há um crescimento do líquido cefalorraquidiano, implicando redução do cérebro. "Atualmente esse marcador é usado na clínica como um indício indireto de envelhecimento cerebral, que pode ser associado a doenças neurodegenerativas. Algumas dessas referências para o cérebro ainda não tínhamos com essa fidedignidade", completa o pesquisador brasileiro.

Até então, os cientistas sabiam que esse volume do líquido aumentava com a idade, já que normalmente está associado à atrofia cerebral, mas não tinham a dimensão da velocidade do crescimento em uma amostra tão significativa.

Cooperação

Ao contrário do que acontece na genética, em que os bancos de dados chegam à casa dos milhões, em neurociência os estudos tradicionalmente são baseados em conjuntos de amostras relativamente pequenas. Alguns fatores que contribuem para esse cenário são a dificuldade de coletar as imagens, por depender de estrutura física e de equipamentos de ressonância, e o alto custo.

Em março deste ano, um artigo publicado na Nature discutiu o tema, colocando em questão o fato de que muitas das pesquisas usando neuroimagem deixam de produzir resultados válidos exatamente porque tendem a incluir pequeno número de participantes, ficando aquém do necessário para gerar resultados confiáveis.

"O caminho para resolver esse ponto é trabalhar com amostras grandes e diversas, como esse grupo internacional se propôs a fazer", afirma Pan, recordando da primeira reunião que teve com os pesquisadores Richard Bethlehem (Cambridge) e Jakob Seidlitz (Pennsylvania) em dezembro de 2020 para tratar da cooperação. Ambos são os primeiros autores da pesquisa sobre desenvolvimento cerebral.

Para criar a amostra representativa global, os cientistas agregaram os exames de ressonância magnética de mais de cem estudos de diversos países. Em editorial na mesma edição da Nature, que trata sobre a autoria dos dados abertos, a revista destaca que "nem todos os conjuntos de dados estavam originalmente disponíveis para uso dos pesquisadores".

Em entrevista ao site da Universidade de Cambridge, Bethlehem destacou que a cooperação permitiu reunir dados de todas as faixas etárias, possibilitando detectar mudanças precoces e rápidas do cérebro humano. "Uma das coisas que conseguimos fazer, por meio de um esforço global muito coordenado, é reunir dados ao longo de toda a vida útil", afirmou.

O artigo Brain charts for the human lifespan pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41586-022-04554-y#Ack1.

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.