O Institut Pasteur de São Paulo (IPSP) criou em julho um grupo de estudos para monitorar o surgimento e o avanço de novas estirpes do vírus influenza, causador da gripe.
As recolhas periódicas de amostras de esgoto permitem identificar quais as estirpes que entraram em circulação e quais as que podem trazer riscos para a saúde humana e animal. Também é possível prever o início e o pico da sua transmissão, além da dinâmica de circulação no ambiente urbano. As informações serão depois passadas às autoridades de saúde pública e ajudarão no desenvolvimento de uma vacina mais eficaz e rápida contra a doença.
O projeto no IPSP tem uma previsão de duração de quatro a cinco anos e conta com financiamento da FAPESP.
Atualmente, as vacinas distribuídos pelo Ministério da Saúde do Brasil protegem contra os três tipos de estirpes do vírus influenza que mais circularam nos hemisférios Norte e Sul. O problema é que nem sempre os vírus em circulação são os mesmos que compõem a vacina. Além de serem diversos, o influenza muta rapidamente. Estima-se que a eficácia da vacina numa campanha varie de 40% a 60%, devido à adequação da vacina às estirpes em circulação e adaptação às especificidades de cada uma.
“Esse problema pode ser diminuído com a nova forma de vigilância e uma tecnologia que possibilite atualizar a vacina com mais rapidez, que é o objetivo do nosso grupo de pesquisa”, disse à Assessoria de Imprensa do IPSP o virologista e biomédico Rúbens Alves, coordenador do grupo de pesquisa Survivax: Laboratório de Vigilância Genômica e Inovação em Vacinas.
Segundo Alves, a proposta de fazer a vigilância através de amostras de águas residuais do saneamento básico é uma estratégia que se mostrou muito eficaz na pandemia da COVID-19 e que foi utilizada por mais de cem países e 293 universidades.
“Agora, estaremos na vanguarda da implementação dessa tecnologia para a influenza. No caso do coronavírus, foi possível observar os picos de transmissão em determinada região com duas semanas de antecedência – uma informação que foi muito útil para a tomada de decisões na saúde pública”, afirmou.
Atualmente, a vigilância dos vírus da gripe é feita pela Rede Global de Vigilância de Influenza da Organização Mundial da Saúde (OMS), composta por laboratórios espalhados pelo mundo. Eles são responsáveis por monitorar os vírus circulantes e potencialmente pandémicos, com base em análises laboratoriais. A partir disso, todos os anos, a OMS divulga com seis a oito meses de antecedência quais são as estirpes que devem ser usadas na produção das vacinas para o hemisfério Sul, para uso no ano seguinte.
“Boa parte dos controlos inseridos nessa rede depende da testagem de casos suspeitos da doença. O monitoramento por esgoto permite uma cobertura mais representativa da população, porque inclui pessoas que não têm acesso a cuidados de saúde ou que optam por não ir ao hospital, o que o faz também ser menos caro, pois depende de menos exames clínicos. Além disso, é um sistema que permite um monitoramento contínuo, não apenas na sazonalidade de maior circulação do vírus, isso ajuda na avaliação de tendências a longo prazo e em um rastreamento em tempo real. Sem contar que pelo esgoto é possível monitorar não só o influenza como outros agentes patogénicos”, complementou Alves.
Vacina inovadora
No projeto do IPSP, a proposta é criar uma plataforma de vacina baseada em RNA autorreplicativo. Essa tecnologia imita um mecanismo existente em alguns vírus, como o chikungunya e outros alfavírus, no qual a sequência codificadora da proteína vacinal alvo introduzida é replicada múltiplas vezes por mecanismos inseridos no próprio RNA da vacina.
“A vantagem dela é o facto de necessitar de uma menor quantidade de RNA e de criar respostas imunológicas mais prolongadas, o que resulta num aumento da eficácia da vacina e redução dos efeitos colaterais. Há também um aumento da velocidade para que a vacina possa ser produzida. Muitas das vacinas atuais contra a gripe dependem da reprodução de ovos para obtenção dos vetores dos vírus”, explicou o biomédico.
“Essa é uma plataforma que aprendi a dominar e fui responsável por implementar durante os meus quatro anos de pós-doutoramento, concluído em junho deste ano no La Jolla Institute for Immunology, em San Diego, nos Estados Unidos. Lá, desenvolvi novas vacinas contra a COVID-19, dengue, zika, entre outros flavivírus, utilizando essa tecnologia”, contou.
De acordo com Alves, a maior preocupação é com os subtipos potencialmente pandémicos: “Hoje é com a gripe aviária, do tipo A, subtipo H5N1. Nos Estados Unidos está a ocorrer um surto da doença em rebanhos de gado e já foram identificados os primeiros casos em humanos, da mesma forma que foi identificada a circulação do vírus nos esgotos. Assim, o vírus está a fazer spillover [transbordamento], contaminando outras espécies além das aves. Mas, fazendo uma vigilância eficiente e desenvolvendo vacinas mais eficazes, podemos evitar que ele se torne pandémico”.
Agência FAPESP