Um estudo realizado por pesquisadores canadenses sugere que a privação de sono pode precipitar o sonambulismo em indivíduos com predisposição. O problema, cuja ocorrência freqüentemente envolve má percepção e ausência de resposta ao ambiente, confusão mental e amnésia, afeta mais de 4% dos adultos.
Os resultados da pesquisa serão publicados na edição desta quarta-feira (19) do Annals of Neurology, revista oficial da Associação Norte-Americana de Neurologia.
Houve um sensível aumento no número de estudos que relacionam o sonambulismo a comportamentos agressivos, incluindo homicídios, mas, ao contrário da maior parte dos distúrbios do sono, o problema é diagnosticado com base no histórico clínico do paciente, pois não há método confiável para confirmar o diagnóstico.
Embora relatos clínicos tenham sugerido que a privação de sono pode levar ao sonambulismo em pacientes com predisposição, pequenos estudos utilizando esse método em laboratório tiveram resultados contraditórios.
O novo estudo, mais amplo, sugere que a privação de sono pode de fato precipitar o sonambulismo em indivíduos com predisposição. O estudo poderá servir como uma ferramenta válida para o diagnóstico do distúrbio.
A pesquisa, coordenada por Antonio Zadra, da Universidade de Montreal, no Quebec (Canadá), foi realizada entre agosto de 2003 e março de 2007 e incluiu 40 pacientes encaminhados a uma clínica de distúrbios do sono com suspeita de sonambulismo.
Todos os pacientes foram examinados e submetidos, no laboratório, a uma noite de sono regular registrado. No dia seguinte, depois de suas atividades cotidianas normais, voltaram ao laboratório à noite e foram continuamente supervisionados para ter a certeza de que não iriam adormecer.
Na manhã seguinte teve início o sono de recuperação, depois de 25 horas de vigília, calculadas a partir do horário em que eles haviam despertado na manhã anterior. Todos os pacientes foram vigiados por câmeras de vídeo durante o sono.
Os cientistas avaliaram então os movimentos e comportamentos — que variaram desde mexer nos lençóis até levantar da cama — para determinar se houve episódios de sonambulismo. Eles também classificaram a complexidade de cada episódio numa escala de três pontos.
Os resultados mostraram que enquanto 32 episódios comportamentais foram registrados entre 20 sonâmbulos (50%) durante o sono normal, 92 episódios foram registrados entre 36 pacientes (90%) durante o sono de recuperação.
A privação de sono também aumentou consideravelmente a proporção de sonâmbulos que experimentaram pelo menos um episódio complexo. Segundo os autores, "a privação do sono produziu um grande número de episódios numa ampla gama de variações de complexidade. Essa constatação pode facilitar, com base na video-polissonografia, o diagnóstico do sonambulismo e sua diferenciação de outros distúrbios."
Os especialistas supõem que sonâmbulos sofrem de uma incapacidade para manter a estabilidade do sono de ondas baixas (estágios 3 e 4 do sono). O estudo apóia essa hipótese ao indicar que esses pacientes, depois da privação de sono, tiveram uma maior dificuldade em passar do sono de ondas baixas para o estágio seguinte.
O estudo também está de acordo com observações de que outros fatores que aprofundam o sono, como a juventude ou a febre, podem ajudar a desencadear o sonambulismo em indivíduos predispostos.
Os autores alertam que observar eventos comportamentais no laboratório depois da privação de sono não é sempre suficiente para confirmar um diagnóstico de sonambulismo num contexto médico-legal.
No entanto, eles ressaltam que, "utilizada como uma ferramenta de diagnóstico, a privação de sono mostra alta sensibilidade para o sonambulismo e pode ser clinicamente útil com um número maior de pacientes sonâmbulos". Eles concluem que o estudo apóia a recomendação para que sonâmbulos durmam em horários regulares e evitem a privação de sono.
O artigo Polysomnographic Diagnosis of Sleepwalking: Effects of Sleep Deprivation, de Antonio Zadra e outros, pode ser lido por assinantes da Annals of Neurology em www.plosone.org. (Agência Fapesp)