Imagine a quantidade de bagaços e as cascas que sobram das frutas que consumimos em casa? Pense também na quantidade que uma indústria do segmento de sucos, doces ou qualquer setor que tenha as frutas como matéria-prima deve gerar.
Agora, essas toneladas de lixo podem ter uma serventia importante porque cientistas paulistas estão produzindo biogás a partir do bagaço de maçãs. O trabalho integra pesquisa baseada na economia circular, que tem como objetivo o fechamento dos ciclos de produção de resíduos e o avanço da reutilização e reciclagem de bioenergia e biomateriais.
Os pesquisadores lembram que a maçã é uma das frutas mais consumidas no mundo, mas os subprodutos gerados pela indústria são geralmente descartados sem qualquer reaproveitamento.
À frente dos trabalhos está Tânia Forster Carneiro, doutora em engenharia de processos industriais e professora da FEA (Faculdade de Engenharia de Alimentos) da Universidade de Campinas (Unicamp). A Ecoa, a especialista conta que frequentemente o bagaço de maçã é encaminhado para aterros sanitários ou utilizado para a alimentação de animais.
Na primeira situação, explica ela, as indústrias precisam pagar para que o bagaço seja levado ao aterro, onde o material se decompõe e libera gases de efeito estufa, que são danosos ao meio ambiente. Já na segunda, a utilização do bagaço para alimentação de animais também não é ideal porque ele tem poucos nutrientes e é composto principalmente de carboidratos.
Assim, o tratamento do bagaço de maçã para geração de biogás surgiu como uma forma de aproveitamento do resíduo de modo que as emissões de gases de efeito estufa sejam diminuídas. “E as indústrias podem, ainda, se beneficiar da energia gerada a partir do biogás”, ressaltou a doutora.
Tânia destaca que, no Brasil, a indústria de processamento de maçã (doce, suco, cidra etc.) produziu 60 mil toneladas de bagaço a partir da produção de 1,3 milhão de tonelada da fruta em 2021.
Após a produção industrial de suco, por exemplo, ocorre a geração do bagaço, que deve ser removido do equipamento em que os frutos são moídos e prensados. Em seguida, cerca de 80% desse bagaço é destinado a aterros, incineração ou locais de compostagem.
O Brasil é um país exportador de suco de maçã. Estima-se que cerca de 60 mil toneladas de bagaço da fruta tenham sido geradas apenas em 2021, o que mostra a importância do reaproveitamento do material, visando obter novos produtos com valor agregado, diz Tânia Forster Carneiro, professora da Unicamp
Produção de biogás
Para a obtenção do biogás são utilizados reatores anaeróbios. Mas o que seria isso? São as reações que acontecem sem a presença de oxigênio. No interior do reator, detalha a cientista, é adicionado o bagaço de maçã e também o inóculo, que é uma mistura de microrganismos que consome o bagaço de maçã e produz o biogás contendo metano.
As reações químicas são as mesmas que ocorrem na natureza, mas a técnica utilizada pelos pesquisadores acelera o processo no reator industrial. Além do biogás, também é gerado um material semissólido no reator, chamado de digestato, e que pode ser aplicado em plantações como biofertilizante, diminuindo a necessidade de fertilizantes químicos.
“O biogás é gerado no reator anaeróbio e mais de 70% da sua composição é de metano. O metano pode ser purificado e utilizado como combustível de veículos, como gás de cozinha ou ainda ser utilizado em sistema combinado de calor e eletricidade para obtenção de energia elétrica e térmica que podem ser usadas na indústria ou, no caso da energia elétrica, podem voltar para a rede”, diz.
A pesquisadora explica que é uma alternativa sustentável porque o bagaço, que antes era considerado um resíduo, passa a ser visto como matéria-prima para a obtenção de um novo produto de alto valor agregado.
Escala industrial
Atualmente, está em curso uma avaliação para a implantação de reator em escala industrial. Após esse estudo, ficarão evidenciados o investimento necessário e o melhor cenário para a produção do metano em escala industrial, conta a pesquisadora.