Cientistas da Universidade de São Paulo (USP) criaram um dispositivo embutido em uma luva de borracha sintética capaz de detectar resíduos de pesticidas em alimentos. O dispositivo tem três eletrodos, localizados nos dedos indicador, médio e anelar. Eles foram impressos na luva por meio de serigrafia, com uma tinta condutora de carbono.
O sensor permite a detecção das substâncias carbendazim (fungicida da classe dos carbamatos), diuron (herbicida da classe das fenilamidas), paraquate (herbicida incluído no rol dos compostos de bipiridínio) e fenitrotiona (inseticida do grupo dos organofosforados). No Brasil, carbendazim, diuron e fenitrotiona são empregados em cultivos de cereais (trigo, arroz, milho, soja e feijão), frutas cítricas, café, algodão, cacau, banana, abacaxi, maçã e cana-de-açúcar. Já o uso de paraquate foi banido no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A luva não tem prazo de validade e pode ser usada enquanto não houver danos nos sensores. Os danos podem ocorrer devido ao contato com solventes orgânicos (como álcool e acetona) ou por algum contato mecânico impróprio na superfície do sensor (um objeto que o arranhe, por exemplo).
Como a luva funciona?
Para que o dispositivo detecte os pesticidas, basta mergulhar a ponta do dedo que contém o sensor em uma amostra de líquido ou colocar a luva em contato direto com frutas, verduras e legumes (desde que haja algumas gotinhas de água sobre eles). Ou seja, para que o dispositivo funcione, é necessário apenas tocar a amostra que se deseja analisar e descobrir se há pesticidas ou não.
Na luva, cada dedo é responsável pela detecção eletroquímica de uma classe de pesticida. A identificação é feita na superfície do alimento, mas em meio aquoso. “Precisamos da água, pois é necessário um eletrólito [substância capaz de formar íons positivos e negativos em solução aquosa]. Basta pingar uma gotinha no alimento e a solução estabelece o contato entre este e o sensor. A detecção é feita na interface entre o sensor e a solução”, detalhou a química Nathalia Gomes, que é integrante da equipe que desenvolveu a luva.
Considerando que cada dedo da luva possui um sensor que detecta substâncias diferentes, deve-se colocar um dedo de cada vez na amostra: primeiro o indicador, depois o médio e, por último, o anelar. No caso de um suco de frutas, basta fazer a imersão dos dedos no líquido, um de cada vez. A detecção é feita em um minuto e, no caso do dedo anelar, em menos de um minuto.
O químico Paulo Augusto Raymundo-Pereira, que foi o idealizador e líder do projeto, explicou que “o sensor no dedo anelar usa uma técnica mais rápida. Ele é composto por um eletrodo de carbono funcionalizado, enquanto os dos outros dois dedos por eletrodos modificados com nanoesferas de carbono [dedo indicador] e carbono printex, um tipo específico de nanopartícula de carbono [dedo médio]”. O pesquisador também salientou que, após a detecção, os dados são analisados por um software instalado no celular.
Raymundo-Pereira ressalta que a incorporação de materiais de carbono conferiu seletividade aos sensores, uma das propriedades mais importantes e difíceis de alcançar em dispositivos semelhantes. Ou seja, a invenção tem a capacidade de identificar os pesticidas mencionados mesmo se na amostra houver outros grupos dessa substância.
Outro destaque do dispositivo está na possibilidade de detecção direta, sem exigir preparo de amostra, o que torna o processo rápido. Além disso, o método preserva o alimento, permitindo o consumo após a análise (caso ele esteja liberado para consumo, ou seja, sem pesticidas nocivos). A prática de verificação da presença dessas substâncias garante uma maior segurança alimentar nos vegetais que entram no país e são comercializados e consumidos pelos brasileiros.
Relevância da luva que detecta pesticidas
O líder do projeto, Raymundo-Pereira, explicou que o processo de requisição de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) já está em andamento. O pesquisador salienta que não há um procedimento simples para a detecção de pesticidas, principal razão pela qual os testes para discriminação de diferentes classes de pesticidas e outros contaminantes ainda não estão disponíveis no mercado.
Para ele, o uso de dispositivos como a luva, que permitem a análise química de materiais perigosos in loco, seria relevante em aplicações alimentares, ambientais, forenses e de segurança, permitindo um rápido processo de tomada de decisão no campo. Já o professor Sergio Antonio Spinola Machado, que é coautor da pesquisa, diz que não há nada semelhante no mercado.
Sergio explica que os métodos mais utilizados atualmente para detecção de pesticidas se baseiam em técnicas como cromatografia (técnica analítica de separação de misturas), espectrofotometria (método óptico de análise usado em biologia e físico-química), eletroforese (técnica que utiliza um campo elétrico para separação de moléculas) ou ensaios laboratoriais.
“No entanto, essas metodologias têm custo alto, demandam mão de obra especializada e um tempo longo entre as análises e a obtenção dos resultados. Os sensores são uma alternativa às técnicas convencionais, pois, a partir de análises confiáveis, simples e robustas, fornecem informação analítica rápida, in loco e com baixo custo”, afirmou o professor.
Junto a isso, o custo da luva é mais baixo que os métodos usados anteriormente. Segundo Raymundo-Pereira, os sensores custam menos de US$ 0,1. “O custo principal é a luva. Usamos uma luva nitrílica porque é menos porosa que a de látex. Com a pandemia, o preço dela disparou. E o custo individual subiu. Mas, ainda assim, o dispositivo que criamos é um produto muito barato. Mais acessível que os testes feitos atualmente”, completou o pesquisador.