Notícia

Gazeta Mercantil

Ciência, tecnologia e competitividade

Publicado em 21 dezembro 1998

Por Flavio Grynszpan*
A inserção das indústrias brasileiras na competição global depende de medidas que incluem a reforma tributária, a redução do custo Brasil, a criação de uma mentalidade exportadora e o estímulo às pequenas e médias empresas. Abrange, ainda, a coordenação dos diversos órgãos de governo para a implementação de uma política integrada, que destaque o papel da Câmara de Comércio Exterior e a reformulação da legislação vigente. É preciso, além disso, atrair novos investimentos, como aqueles direcionados para a abertura do setor de telecomunicações, que, após privatizado, necessita de um projeto que garanta a internalização da produção de equipamentos e insumos num ambiente de concorrência. Finalmente, cabe promover o aumento da competitividade sistêmica do País, incluindo aí o desenvolvimento educacional, científico e tecnológico. Para alcançar esse objetivo é importante estimular a participação de universidades e institutos de pesquisa públicos e privados, de modo que a competitividade de nosso parque industrial tenha uma base sólida de desenvolvimento tecnológico. Analisar o papel do desenvolvimento científico e tecnológico na formação da competitividade sistêmica do País é procurar entender como se pode ter uma indústria capaz de manter uma competitividade sustentável, com capacidade de inovação tecnológica e sem necessidade de ser viabilizada por incentivos e subsídios fortuitos. No novo quadro queremos indústrias que, além de atender às necessidades do nosso mercado interno, sejam capazes de competir mundialmente. Não podemos mais substituir importações oferecendo um mercado interno protegido, transferindo o ônus para a população. O papel da inovação é básico para a estratégia competitiva. Isso se relaciona diretamente com a qualificação de mão-de-obra e com a capacidade de pesquisa. Sem mão-de-obra qualificada, a empresa brasileira não vai inovar e não vai ser competitiva. E, sem uma pesquisa científica que abra novos horizontes, não será possível o desenvolvimento de inovações tecnológicas que mantenham o parque industrial brasileiro competitivo. A relação universidade-indústria também fica mais clara: a universidade dará ênfase à formação de pessoal qualificado e à competência nas pesquisas científicas. O "produto" principal da universidade é o profissional formado. Se for de alta qualificação, ele será absorvido pela indústria e, lá, estará engajado no desenvolvimento tecnológico, base para os novos produtos da empresa. Por outro lado, exige-se que a universidade se consolide como um centro de excelência, capaz de gerar conhecimentos no mais alto nível internacional. Caso a universidade brasileira se tome um pólo de excelência mundial em uma certa área, certamente atrairemos as melhores empresas para aqui se localizarem. E um importante vetor de política industrial será trazer para o Brasil as mais importantes empresas globais para fazer do nosso país sua base de negócios em nível mundial. Hoje temos boas universidades que conseguiram avanços significativos, mas estão ainda aquém das melhores universidades dos Estados Unidos e da Europa. Se quisermos evoluir para criar áreas de excelência, precisamos mudar a maneira de pensar. Temos de introduzir na linguagem universitária e de pesquisa o conceito de competição. Assim, quando a empresa global decidir escolher onde estabelecer suas raízes, vai optar pelo Brasil. O problema é que não conseguiremos ser competitivos em tudo. É impossível. Temos de escolher. Essa escolha é muito difícil para a universidade, especialmente depois que a competência acadêmica foi gradualmente sendo substituída pela isonomia universitária. Esse é um desafio para a universidade moderna, pois temos de fazer a escolha dos setores onde seremos competitivos. Quero deixar duas idéias para serem discutidas, as quais dariam ao Brasil condições de assumir uma posição competitiva mundialmente: adensamento da cadeia produtiva, de modo que, em um dado setor, controlemos todo o processo — design, teste, inovação, produção. É um pouco do que acontece com o setor de calçados na Itália, onde o controle de todas as etapas do processo permite a indústria italiana receber um "prêmio" pelo seu produto, se comparado com similares de outros países. Pagamos mais pelo sapato italiano porque sabemos que a qualidade, o design, o teste e todas as características positivas do produto estão sob controle. Devemos então escolher no Brasil setores nos quais temos melhores condições de maximizar o controle de toda a cadeia e investir para nos tomarmos o centro de referência internacional; escolher e desenvolver (em conjunto, instituições de pesquisa, empresas e governo) setores de fronteira competitivos, criando competência industrial, tecnológica e científica em áreas onde o Brasil possa se tornar centro mundial de conhecimentos mais avançados e, assim, atrair as melhores empresas internacionais para se localizarem no Brasil (pela competência local não apenas para explorar o mercado brasileiro). A escolha dessas áreas deve levar em conta que o objetivo final é criar centros de competência e indústrias competitivos mundialmente. Temos uma grande chance de nos tomarmos centros mundiais nas áreas em que não precisamos competir diretamente com os países mais adiantados. Hoje, países em desenvolvimento, como China, Índia e Rússia, oferecem um significativo mercado para tecnologias avançadas, do qual as empresas brasileiras poderiam ser fornecedoras preferenciais. * Vice-presidente da Motorola do Brasil e diretor estratégico para a América Latina.