C omentei na semana passada neste espaço sobre os impactos negativos das guerras em Israel e na Ucrânia também na realização da COP-28, a Conferência do Clima, que acontece em Dubai, Emirados Árabes Unidos, entre 30 de novembro e 12 de dezembro.
Com as atenções das grandes potências e de alguma forma do mundo todo para essas terríveis tragédias, é muito provável que o evento seja mais uma vez marcado por indecisões em termos das necessárias e urgentes medidas para o enfrentamento do aquecimento global.
De qualquer modo estão sendo tomadas medidas, pelo menos no âmbito da ciência e das organizações da sociedade civil, para que a COP-28 tenha algum saldo positivo. É o caso do Brasil, que chegará em Dubai com uma nova realidade política, diferente das Conferências anteriores, em que a presença oficial, quer dizer, do governo federal, foi próxima de zero. Agora o governo brasileiro, sob nova direção, participará do evento com nova disposição e com o efeito do anúncio de que retomou os compromissos que o país havia assumido anteriormente com a redução das suas próprias emissões de gases de efeito estufa (GEE), os gases que estão alimentando o aquecimento global.
Ontem, o Observatório do Clima, composto por dezenas de organizações sociais brasileiras, divulgou uma nota técnica alertando que o incremento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, verificado no governo anterior, prejudicou em muito os esforços pelo cumprimento dessas metas. O desmatamento na Amazônia cresceu 53% e, no Cerrado, 48%, nos últimos quatro anos.
De acordo com a análise de especialistas do Observatório do Clima, do Instituto de Energia e Meio Ambiente e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, as metas estabelecidas em 2015 pelo Brasil, no âmbito de sua Contribuição Nacionalmente Pretendida (NDC), podem ser atingidas, se houver novas quedas importantes no desmatamento na Amazônia, principal fonte de emissão de GEE no país. Isto é, o Brasil teria que repetir, em 2024 e 2025, o desempenho de redução da velocidade do desmatamento na Amazônia verificado em 2005 e 2006, anos iniciais do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm). Compreendendo uma série de ações interministeriais, esse Plano repercutiu em expressivas reduções no desmatamento naquele bioma, que hoje passa por uma seca histórica.
Claro está que será necessário muito empenho político do governo brasileiro para que a redução nas emissões ocorra dentro das metas de 2015. Até o momento ele tem-se empenhado nesse sentido, mas a conjuntura global e possíveis entraves internos podem de alguma dificultar o cumprimento das metas.
A descarbonização é fundamental, porque, em termos planetários, a causa principal das mudanças climáticas em curso é a queima de combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás, que emitem dióxido de carbono, metano e outros gases que alimentam o aquecimento global.
Três eventos ocorridos nos últimos meses mostram como a ciência brasileira está muito mobilizada no sentido de contribuir com a descarbonização da economia. No início do ano, houve a criação, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Centro de Estudos de Carbono em Agricultura Tropical (CCarbon), que foi instalado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), em Piracicaba.
O CCarbon já conta com 42 pesquisadores associados, da Esalq e outras instituições, e com grande número de bolsas de estudos para alimentar as linhas de pesquisa abrangidas. O propósito é que o Centro contribua para aprofundar estudos e disseminação de conhecimento em práticas que contribuem para a descarbonização na agricultura, como plantio direto e adoção de sistemas agroflorestais.
No dia 10 de agosto de 2023, por sua vez, foi lançado em São Paulo o projeto da primeira estação de abastecimento de hidrogênio renovável a partir do etanol no mundo. Quando a estação entrar em operação, em julho de 2024, a estimativa é a de que tenha a capacidade de produção de 4,5 quilos de hidrogênio por hora. O combustível será empregado inicialmente para abastecer três ônibus que circularão pelo campus da Universidade de São Paulo (USP). Haverá uma avaliação do processo por dez meses para, então, ser verificada a viabilidade de construção de uma fábrica que produzirá 45,5 quilos (kg) de hidrogênio por hora.
Já no dia 27 de setembro, na abertura da 60ª Expo Rio Preto, em São José do Rio Preto, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo lançou o Centro de Ciência para o Desenvolvimento da Neutralidade Climática da Pecuária de Corte em Regiões Tropicais, o NeuTroPec.
O NeuTroPec está sendo estruturado e vai operar com um investimento de R$ 20 milhões, sendo fruto de uma parceria entre o governo de São Paulo e a iniciativa privada, mais especificamente, das empresas DSM, SILVATEAM, ALLTECH e JBS. O novo Centro está sendo instalado na Unidade de Pesquisa do Instituto de Zootecnia, em São José do Rio Preto. A sua missão será a de medir as emissões de GEE e formular estratégias de mitigação em sistemas de produção de bovinos de corte, visando o desenvolvimento de tecnologias e sua transferência para a cadeia produtiva. A emissão de gases de efeito estufa é relevante na pecuária brasileira.
Desta forma o Brasil vai chegar com boas cartas na manga em Dubai. Tomara que sejam tomadas medidas ainda mais ousadas até lá, para assegurar que o país não apenas cumpra suas metas de redução de emissões de GEE, mas que esse tema seja cada vez mais orientador de políticas públicas e que nunca mais saia da agenda da sociedade em geral.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com