Notícia

GCN

Ciência no rastro da chuva

Publicado em 04 janeiro 2015

Por Wilson Marini

Ninguém duvida que a crise hídrica pela qual passa o Estado de São Paulo e outras regiões do País surpreendeu a todos e coloca em xeque o abastecimento de água de muitas cidades. “É chover no molhado”, diz uma expressão popular quando o assunto é de domínio público. A boa notícia é que, prevista com mais antecedência, a seca pode prevenir o problema por meio de ações concretas por parte da população e dos gestores públicos. Trabalho científico de um grupo internacional divulgado pela Revista da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) revela que no futuro será possível calcular com maior precisão variações de chuva e umidade na América do Sul e, dessa forma, ajudar a agir mais cedo. O estudo foi publicado na prestigiosa revista Scientific Reports. O conteúdo é uma combinação de estimativas de temperatura no passado e modelagem matemática para reconstruir a temperatura da superfície do Atlântico Sul nos últimos 12 mil anos. “Além de estabelecer com maior precisão o clima no período, o trabalho pode ajudar a compreender a dinâmica entre as temperaturas no oceano e a umidade no continente”, diz a reportagem da Fapesp, assinada por Salvador Nogueira.

O Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo observou que o aumento da temperatura na porção norte do Atlântico Sul, próximo à linha do Equador, esteve associado a um maior volume de chuvas onde hoje é o Nordeste brasileiro e a menos chuvas no Sudeste nos últimos 12 mil anos. Inversamente, o Nordeste enfrentou períodos de secas mais severas e o Sudeste de mais chuvas quando a temperatura no sul do Atlântico esteve mais elevada. É como se fosse uma balança em que um prato compensa o outro. A constatação dessas macro tendências leva agora os cientistas a buscar explicações que possam auxiliar as projeções do futuro. O que melhor explicou a variação climática nesses 12 mil anos foi um padrão de distribuição de temperaturas no Atlântico Sul semelhante ao observado hoje, com períodos em que a temperatura das águas superficiais era mais alta ao norte e outros em que eram mais elevadas ao sul. Os pesquisadores dão o nome de Dipolo Subtropical do Atlântico Sul ao padrão de distribuição de temperaturas em que o oceano parece ter um polo mais quente e outro mais frio - com a inversão ocasional. “Caso tenha existido nesses 12 mil anos, esse fenômeno pode ter influenciado de modo importante a distribuição das chuvas no continente”, diz a meteorologista Luciana Figueiredo Prado, coautora do estudo.

Essa conclusão é, até certo ponto, surpreendente, diz a Revista Fapesp. Até então se atribuía a variação no volume de chuvas na América do Sul principalmente à influência do fenômeno El Niño, flutuações na temperatura das águas superficiais do Pacífico que ocorrem em períodos curtos (15 a 18 meses). Mas alguns trabalhos já haviam mostrado que o El Niño não explica totalmente as alterações no regime de chuvas atual da América do Sul. Parte dessa variação (cerca de 20%) parece decorrer das mudanças de temperatura na superfície do Atlântico Sul. Por essa razão, diz a revista, embora a seca de 2014 em São Paulo esteja atrelada ao El Niño, acredita-se que essa não seja ainda a história completa.

Os cientistas envolvidos no projeto querem agora aprimorar o modelo aumentando o número de amostras de sedimentos marinhos analisados. Para coletar o material, planejam usar o Alpha-Crucis, o novo navio oceanográfico do Estado. “O objetivo é entender esses eventos de seca ou de excesso de chuva no continente sul-americano, levando em conta a variação da temperatura de superfície do Atlântico Sul e como essas mudanças de temperatura alteram o transporte de umidade e os ventos”, diz a pesquisadora Ilana Wainer. Um tema, portanto, que permanece aberto à investigação científica.

Jornalista - email wmarini@apj.inf.br