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Jornal do Brasil

Ciência no estado é a mais violentada do país (1 notícias)

Publicado em 29 de janeiro de 1995

Por ALEXANDRE MANSUR E ALICIA IVANISSEVICH
De todos os estados do Brasil, o Rio é seguramente o que mais foi prejudicado na área de ciência e tecnologia. A arrecadação de 2% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) não vem sendo repassada à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Faperj) como previsto na Constituição. Por direito, a Faperj deveria receber R$ 60 milhões referentes a 1995. O governo Marcello Alencar prometeu R$ 20 milhões. Mas, a poucas semanas de terminar o ano, só R$ 5 milhões foram liberados. Já a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) arrecadou mais do que todas as verbas federais juntas: cerca de R$ 150 milhões. "O estado do Rio sofreu com a junção de duas catástrofes: a violência do governo Collor que bloqueou todos os auxílios federais se somou à do governo Brizola que secou a fonte de recursos estaduais, o que se perpetuou na atual gestão", afirma o professor de física da UFRJ Moysés Nussenzveig, diretor da Copea (Coordenação do Programa de Estudos Avançados). "A escassez de verbas ameaça a própria sobrevivência da pesquisa no estado que é o segundo centro de produção científica do país." Essa, entretanto, pode não ser a maior violência para a comunidade científica. "O pior é a falta de uma política para a área de ciência e tecnologia, que vise ao aproveitamento do conhecimento, sem elitizar o processo produtivo", destaca Ennio Candotti, professor de física da Universidade Federal do Espírito Santo. Para Candotti, que também é editor da revista Ciência Hoje, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, os recursos públicos e a competência disponível são mal utilizados. "A maior frustração para um cientista é ver que seu trabalho não é revertido para fins sociais e que milhares de pesquisas ficam na gaveta." A frustração é partilhada pelo engenheiro Maurício Arouca, coordenador da Casa da Ciência, da UFRJ. "É comum o pesquisador passar meses em cima de um projeto e, na hora que precisa de um determinado equipamento, ver seu trabalho interrompido. No Brasil, não existem políticas a longo prazo. Quando um projeto começa a andar, mudam-se as prioridades", diz. O reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, padre Jesus Hortal, confirma a queixa. "O descaso e a falta de atenção para as atividades de pesquisa dificultam qualquer trabalho", reclama. A questão social é a principal preocupação do pesquisador Eduardo Vieira Martins, vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz. "O que mais agride um pesquisador da área de saúde é assistir ao aumento da incidência de doenças por falta de condições sanitárias. Quando tratamos uma pessoa com verminose, sabemos que no dia seguinte ela vai voltar para aquele ambiente contaminado e se infectar outra vez", diz Vieira. Ele destaca que as doenças típicas de países subdesenvolvidos são simples de serem tratadas: basta um maior volume de investimentos na área social. Vieira lembra pesquisas do Ministério da Saúde que apontam a violência dos anos 90 como a maior causa de mortalidade entre os jovens, superando as doenças mais comuns nas décadas anteriores. "Esta violência também está afetando psicologicamente a saúde das pessoas", alerta. "A miséria constrange", resume Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia (Coppe), da UFRJ. "É triste trabalhar com um supercomputador de última geração na Ilha do Fundão sabendo que perto de nós os moradores da Favela da Maré sofrem com problemas medievais." Para Pinguelli, a violência não vem do nada. "O modelo desenvolvido pelo mundo de hoje é restritivo. Ele forma jovens que saem da universidade e não têm emprego. O menino da favela tem mais oportunidade no tráfico ou no seqüestro. Estamos todos dentro deste mundo", avisa. Candotti chama a atenção das autoridades para não expulsar do processo produtivo a mão-de-obra desqualificada. "Devemos nos modernizar sem deixar de oferecer novas oportunidades de trabalho para essas pessoas. Temos que investir nos recursos humanos preparando-os para participar desse novo mundo da automação." O clima de insegurança da cidade também prejudica o avanço do conhecimento. "Cada vez é mais difícil organizar congressos internacionais no Rio ou trazer convidados estrangeiros por causa da reputação de cidade violenta que ela tem", diz Nussenzveig. "Quando conseguimos convencer prêmios Nobel a participar de encontros não os deixamos sós. Nos transformamos em verdadeiros guarda-costas dos convidados para que nada lhes aconteça. O caso do físico japonês que morreu em conseqüência de um assalto no bonde teve péssimas repercussões na comunidade científica internacional."