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Ciência enfrenta questões políticas para tornar as cidades sustentáveis, apontam especialistas (5 notícias)

Publicado em 13 de agosto de 2024

As cidades desempenham um papel crucial no combate às mudanças climáticas globais. Como grandes emissores de gases de efeito estufa e locais onde eventos climáticos extremos – como inundações, estiagens e ondas de calor – afetam um maior número de pessoas, a busca por sustentabilidade urbana é essencial.

No entanto, o maior desafio para alcançar cidades sustentáveis não está apenas na ciência e tecnologia, mas na implementação política. Em um debate recente realizado em 5 de agosto na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), no Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, especialistas em sustentabilidade urbana discutiram essas questões.

“Vivemos um momento desafiador e é importante ter a consciência de que precisamos de uma transição de modelo de desenvolvimento. O atual é extremamente predador ao ambiente e desconsidera as desigualdades sociais. Nós temos ferramentas suficientes para enfrentar as questões. O conhecimento e a ciência têm capacidade para enfrentar isso, mas não avançamos por questões políticas. As soluções existem, mas seguimos com os mesmos problemas por questões políticas”, disse Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Cidades Sustentáveis.

Empenho Abrahão destacou que as grandes cidades estão se empenhando para garantir que os cidadãos possam se deslocar para o trabalho ou serviços em no máximo 15 a 30 minutos, e que a oferta de saúde, segurança, educação, mobilidade e habitação seja descentralizada. “A ciência nos mostra e sabemos o que é melhor para cada um desses itens, pelo menos para iniciar processos, mas não temos feito essa mudança estruturante”, completou.

Utilizando dados do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e a metodologia do Sustainable Development Solutions Network (SDSN), o Instituto Cidades Sustentáveis criou o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC-BR). Este índice avalia os desafios e avanços das cidades brasileiras com base em cem indicadores públicos, apresentando também Painéis ODS que mostram o desempenho dos municípios em relação aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.

“Com isso, o Brasil é o único país do mundo a acompanhar a evolução de todas as suas cidades nos 17 ODS”, destacou. De acordo com Abrahão, um estudo recente mostrou que o progresso global na implementação desses objetivos foi de apenas 20%, com o Brasil apresentando resultados semelhantes, segundo o IDSC-BR.

“Sete em cada dez cidades brasileiras têm nível de desenvolvimento sustentável baixo ou muito baixo”, disse. Das cem piores cidades, 83 estão localizadas na Amazônia. “Como vamos enfrentar o problema de desmatamento se não conseguirmos resolver a questão das cidades, produzindo renda e oferecendo educação e saúde? Sem isso, as pessoas vão trabalhar na ilegalidade”, sublinhou.

Análises Abrahão apontou que esse índice permite análises sobre a situação das cidades brasileiras e os obstáculos políticos à sustentabilidade. Exemplos de dificuldades incluem as cidades gaúchas afetadas por grandes inundações em maio, que impactaram mais de 2 milhões de pessoas e deixaram quase 80 mil desabrigadas.

Os mapas do IDSC-BR mostram uma correlação entre esses municípios e a falta de gestão e prevenção de riscos climáticos. “Entre as 497 cidades gaúchas, 476 não tinham implementado nem a metade de um conjunto de 20 ações e planos de prevenção que poderiam amenizar os impactos provocados pelas chuvas”, relatou.

Karin Regina de Castro Marins, professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), enfatizou a necessidade de um planejamento urbano que considere diferentes escalas – não apenas a cidade como um todo, mas também bairros, ruas e lotes. Ela destacou o impacto da variação térmica no bairro Belenzinho, na zona leste da capital paulista.

“O adensamento tem acontecido em vários bairros com estação de metrô. As áreas são ocupadas e ocorre a verticalização perto de edifícios baixos, formando diferenças de temperatura superficial de até 13°C. Em vários casos, uma quadra fica na sombra o tempo todo, enquanto a outra toma sol. O resultado são cidades com gradientes térmicos associados à ocupação e não só ao clima, o que impacta a percepção de clima do cidadão”, explicou.

Planejamento urbano Marins ainda defendeu uma abordagem sistêmica no planejamento urbano. “Mais de 80% das emissões da cidade de São Paulo estão associadas ao transporte. Por isso, estimular o transporte público é tão importante, mas não há uma integração entre políticas de segurança e mobilidade urbana, por exemplo. Precisamos lembrar que as pessoas caminham até o transporte público e, se não há segurança para isso, não vamos conseguir atingir a meta da Agenda 2030”, disse.

“Percebemos, portanto, que as políticas públicas acabam tendo um detalhamento pequeno, ou existe uma dificuldade de implementação. São Paulo é uma cidade extremamente rica, com estrutura, mas existe uma dificuldade de implementação. Há, inclusive, incompatibilidade para se trabalhar entre diferentes setores em ações interdisciplinares – como, por exemplo, segurança e mobilidade – dentro da gestão pública”, avaliou.

José Antônio Puppim de Oliveira, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Eaesp-FGV), ressaltou que muitas políticas de saúde também são políticas de sustentabilidade. “Como, por exemplo, fazer as pessoas andarem [a pé]. A ciência já mostrou que trabalhar a intersetorialidade traz cobenefícios”, apontou.

“Por isso é importante trabalhar com as secretarias que têm os maiores orçamentos, como saúde e educação. Mas é preciso fazer uma análise do que chamamos de capacity and capability, ou seja, uma secretaria pode ser capaz, mas não ter recursos suficientes para a realização de uma ação ou projeto. No caso do Brasil, muitas vezes, é o contrário: há o recurso, mas falta capacidade”, afirmou Puppim.

Guia de Infraestrutura Verde e Azul Puppim e seu grupo lançaram recentemente o Guia de Infraestrutura Verde e Azul, que oferece diretrizes para tornar as cidades mais sustentáveis. O guia adota a abordagem nexo água-energia-alimentos, que explora como o crescimento urbano desordenado, mudanças climáticas e perda de biodiversidade podem levar à insegurança alimentar e escassez de água e energia, à medida que a demanda por esses recursos aumenta nas próximas décadas.

“Atualmente, existe uma abundância de dados que são fundamentais para a formulação de políticas públicas e para que a população cobre por mais ações. No entanto, é preciso melhorar a gestão. Porque o que vemos hoje é que ter as informações não necessariamente garante que as decisões políticas sejam tomadas”, disse Puppim.

O evento contou ainda com a presença de Natacha Jones, diretora-executiva do Instituto do Legislativo Paulista (ILP), e Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis