As cidades desempenham um papel crucial no combate às mudanças climáticas globais. Como grandes emissores de gases de efeito estufa e locais onde eventos climáticos extremos – como inundações, estiagens e ondas de calor – afetam um maior número de pessoas, a busca por sustentabilidade urbana é essencial.
No entanto, o maior desafio para alcançar cidades sustentáveis não está apenas na ciência e tecnologia, mas na implementação política. Em um debate recente realizado em 5 de agosto na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), no Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, especialistas em sustentabilidade urbana discutiram essas questões.
“Vivemos um momento desafiador e é importante ter a consciência de que precisamos de uma transição de modelo de desenvolvimento. O atual é extremamente predador ao ambiente e desconsidera as desigualdades sociais. Nós temos ferramentas suficientes para enfrentar as questões. O conhecimento e a ciência têm capacidade para enfrentar isso, mas não avançamos por questões políticas. As soluções existem, mas seguimos com os mesmos problemas por questões políticas”, disse Jorge Abrahão, diretor-presidente do Instituto Cidades Sustentáveis.
Empenho Abrahão destacou que as grandes cidades estão se empenhando para garantir que os cidadãos possam se deslocar para o trabalho ou serviços em no máximo 15 a 30 minutos, e que a oferta de saúde, segurança, educação, mobilidade e habitação seja descentralizada. “A ciência nos mostra e sabemos o que é melhor para cada um desses itens, pelo menos para iniciar processos, mas não temos feito essa mudança estruturante”, completou.
Utilizando dados do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e a metodologia do Sustainable Development Solutions Network (SDSN), o Instituto Cidades Sustentáveis criou o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC-BR). Este índice avalia os desafios e avanços das cidades brasileiras com base em cem indicadores públicos, apresentando também Painéis ODS que mostram o desempenho dos municípios em relação aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.
“Com isso, o Brasil é o único país do mundo a acompanhar a evolução de todas as suas cidades nos 17 ODS”, destacou. De acordo com Abrahão, um estudo recente mostrou que o progresso global na implementação desses objetivos foi de apenas 20%, com o Brasil apresentando resultados semelhantes, segundo o IDSC-BR.
“Sete em cada dez cidades brasileiras têm nível de desenvolvimento sustentável baixo ou muito baixo”, disse. Das cem piores cidades, 83 estão localizadas na Amazônia. “Como vamos enfrentar o problema de desmatamento se não conseguirmos resolver a questão das cidades, produzindo renda e oferecendo educação e saúde? Sem isso, as pessoas vão trabalhar na ilegalidade”, sublinhou.
Análises Abrahão apontou que esse índice permite análises sobre a situação das cidades brasileiras e os obstáculos políticos à sustentabilidade. Exemplos de dificuldades incluem as cidades gaúchas afetadas por grandes inundações em maio, que impactaram mais de 2 milhões de pessoas e deixaram quase 80 mil desabrigadas.
Os mapas do IDSC-BR mostram uma correlação entre esses municípios e a falta de gestão e prevenção de riscos climáticos. “Entre as 497 cidades gaúchas, 476 não tinham implementado nem a metade de um conjunto de 20 ações e planos de prevenção que poderiam amenizar os impactos provocados pelas chuvas”, relatou.
Karin Regina de Castro Marins, professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), enfatizou a necessidade de um planejamento urbano que considere diferentes escalas – não apenas a cidade como um todo, mas também bairros, ruas e lotes. Ela destacou o impacto da variação térmica no bairro Belenzinho, na zona leste da capital paulista.
“O adensamento tem acontecido em vários bairros com estação de metrô. As áreas são ocupadas e ocorre a verticalização perto de edifícios baixos, formando diferenças de temperatura superficial de até 13°C. Em vários casos, uma quadra fica na sombra o tempo todo, enquanto a outra toma sol. O resultado são cidades com gradientes térmicos associados à ocupação e não só ao clima, o que impacta a percepção de clima do cidadão”, explicou.
Planejamento urbano Marins ainda defendeu uma abordagem sistêmica no planejamento urbano. “Mais de 80% das emissões da cidade de São Paulo estão associadas ao transporte. Por isso, estimular o transporte público é tão importante, mas não há uma integração entre políticas de segurança e mobilidade urbana, por exemplo. Precisamos lembrar que as pessoas caminham até o transporte público e, se não há segurança para isso, não vamos conseguir atingir a meta da Agenda 2030”, disse.
“Percebemos, portanto, que as políticas públicas acabam tendo um detalhamento pequeno, ou existe uma dificuldade de implementação. São Paulo é uma cidade extremamente rica, com estrutura, mas existe uma dificuldade de implementação. Há, inclusive, incompatibilidade para se trabalhar entre diferentes setores em ações interdisciplinares – como, por exemplo, segurança e mobilidade – dentro da gestão pública”, avaliou.
José Antônio Puppim de Oliveira, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (Eaesp-FGV), ressaltou que muitas políticas de saúde também são políticas de sustentabilidade. “Como, por exemplo, fazer as pessoas andarem [a pé]. A ciência já mostrou que trabalhar a intersetorialidade traz cobenefícios”, apontou.
“Por isso é importante trabalhar com as secretarias que têm os maiores orçamentos, como saúde e educação. Mas é preciso fazer uma análise do que chamamos de capacity and capability, ou seja, uma secretaria pode ser capaz, mas não ter recursos suficientes para a realização de uma ação ou projeto. No caso do Brasil, muitas vezes, é o contrário: há o recurso, mas falta capacidade”, afirmou Puppim.
Guia de Infraestrutura Verde e Azul Puppim e seu grupo lançaram recentemente o Guia de Infraestrutura Verde e Azul, que oferece diretrizes para tornar as cidades mais sustentáveis. O guia adota a abordagem nexo água-energia-alimentos, que explora como o crescimento urbano desordenado, mudanças climáticas e perda de biodiversidade podem levar à insegurança alimentar e escassez de água e energia, à medida que a demanda por esses recursos aumenta nas próximas décadas.
“Atualmente, existe uma abundância de dados que são fundamentais para a formulação de políticas públicas e para que a população cobre por mais ações. No entanto, é preciso melhorar a gestão. Porque o que vemos hoje é que ter as informações não necessariamente garante que as decisões políticas sejam tomadas”, disse Puppim.
O evento contou ainda com a presença de Natacha Jones, diretora-executiva do Instituto do Legislativo Paulista (ILP), e Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis