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Ciência com bom humor

Publicado em 05 outubro 2004

O desafio de popularizar temas científicos e tecnológicos pode ser vencido por meio do humor, uma ferramenta eficiente para estimular o aprendizado de assuntos considerados "sérios". Essa é a opinião de João Garcia, coordenador da assessoria de imprensa do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de SP (IPT) Thiago Romero escreve para a "Agência Fapesp": Cartunista, bibliotecário e jornalista, Jão, como é conhecido, começou a desenhar aos cinco anos de idade. Graduado em Comunicação Social em 1981 pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de SP, é o editor do boletim Tecnologia em Dia, do IPT. Garcia também é co-autor e desenhista da série em quadrinhos Os Cientistas, inicialmente veiculada pelo jornal Correio Popular de Campinas, entre 1994 e 2002. O cartum hoje circula diariamente na Folha da Região, de Araçatuba, no boletim eletrônico do Núcleo José Reis, da Associação Brasileira de Divulgação Científica, e em outras publicações especializadas. O autor colabora ainda com a Folhinha, da Folha de S. Paulo, na produção da série Humor com Ciência. Em entrevista à 'Agência Fapesp', Garcia defendeu o humor em formatos não tradicionais como forma de difundir temas científicos e tecnológicos. O humor pode ser utilizado para a popularização de temas complexos que envolvam o conhecimento científico e tecnológico? O humor é uma ferramenta de divulgação importante em várias áreas e isso também é válido para a ciência e tecnologia. Existe uma forte tendência entre os consumidores de informação em enxergar os temas científicos como sendo muito sérios e que apenas a seriedade pode dar o ar de importância para os assuntos mais complexos. Isso nem sempre é verdade. Como em todas as áreas do conhecimento humano, em ciência e tecnologia também se cometem erros, o que acaba gerando um material muito rico sob o ponto de vista humorístico. De que modo podemos empregar o humor para difundir a C&T? Gosto muito do formato radiofônico. Quadrinhos e cartuns também geram um interesse muito grande na população. Certamente há espaço para crônicas, programas de televisão, enfim, qualquer veículo de massa que tenha uma linguagem variada e acessível. Em 1995, quando apresentei Os Cientistas em um painel de humor no encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), em Belo Horizonte, conheci um grupo do Sul que produz um programa humorístico de rádio chamado Loucos por Ciência, com uma sintonia muito grande entre os integrantes do projeto. Existe ainda um trabalho que é divulgado pela Rádio USP, conhecido como Cantores bons de bico. São formas diferentes de tratar a ciência e tecnologia de uma maneira mais acessível e descontraída, sem esquecer o lado crítico dos temas. O objetivo então é traduzir conceitos complexos em uma linguagem mais acessível, de modo que possa atingir o maior número de pessoas? O grande desafio é praticamente o mesmo que qualquer jornalista tem ao traduzir as notícias para um cidadão que não é pesquisador. O que muda são apenas as ferramentas disponíveis e o tipo de veículo em que o trabalho será publicado. Existe também a possibilidade de trabalhar o humor para estimular o aprendizado por meio de jogos e brincadeiras? Sim, como em jogos de sete erros, por exemplo, que combinem erros gráficos tradicionais com conceituais. Um jogo do tipo foi publicado na Folhinha, com seis erros envolvendo um cenário onde homens e dinossauros conviviam juntos na pré-história. As crianças puderam concluir o sétimo erro: que as duas espécies não poderiam ter vivido na mesma época, uma vez que os dinossauros foram extintos antes de o homem surgir. Já participei inclusive de algumas discussões com professores da rede pública e privada sobre a possibilidade de utilizar tiras em sala de aula para estimular o ensino de disciplinas como matemática, português ou ciências. Existe um público alvo específico para esse tipo de divulgação científica? O público é bem diversificado, indo de crianças a cientistas mais experientes. Além de informar, é importante ressaltar que o humor também pode ser utilizado para prestar serviços à população. No IPT, por exemplo, há um grupo que trabalha para evitar os riscos geológicos, como enchentes e deslizamentos. Eles chegaram a encomendar algumas tiras que serviram para a população que vive nas áreas de risco conhecer as medidas preventivas. É possível dar uma informação jornalística totalmente nova em uma tira de quadrinhos? Certa vez acabei dando um grande furo. Um grupo do IPT descobriu uma nova variedade de bactéria, desconhecida no meio científico internacional. Fiz uma tira e mandei no mesmo dia para o jornal Correio Popular, de Campinas. O anúncio da nova bactéria saiu em primeira mão em um quadrinho, o que acabou pautando toda a imprensa especializada para a descoberta. Existe algum tipo de preconceito em abordar temas sérios de forma bem humorada? As pessoas que ousam utilizar a linguagem do humor para divulgar conceitos científicos e tecnológicos são profissionais do meio, que atuam nessa área de divulgação. Mesmo assim há uma certa discriminação no uso dessas ferramentas alternativas por parte dos próprios cientistas, pois existem personagens que podem assustar o leitor que está dentro de uma hierarquia pré-definida. Como surgem os temas de Os Cientistas? Os Cientistas surgiram em 1994 com o objetivo de mostrar o cientista brasileiro em carne e osso. Ou seja, relatar o cotidiano da profissão sem precisar tomar partido de alguma instituição. Os temas são sempre explorados em cima de informações reais. Quando algum personagem diz o número de crescimento da população mundial, por exemplo, os dados são checados com base em estatísticas já divulgadas. A internet ajuda muito nesse sentido. Existe alguma relação entre seu trabalho humorístico e suas funções no IPT? Acredito que sim. Primeiro porque do IPT sai a maioria dos temas. Além disso, essa visão humorística de uma área considerada "séria" me faz ter uma relação diferenciada com o público interno e também com os colegas de fora que procuram a assessoria de imprensa. O relacionamento fica mais descontraído. O IPT teve um curso de criação cartunística para os funcionários, no começo da década de 1980. A idéia era resgatar o potencial criativo para que as pessoas conseguissem romper barreiras de criação. O resultado foi extremamente positivo pois apareceram vários desenhistas interessados. O curso chegou até a influenciar um funcionário de então, que depois das aulas pegou gosto pela coisa e chegou até a ganhar um concurso da Folha de SP. Ele era economista aqui e teve que largar a profissão para virar cartunista profissional. O IPT já utilizou alguns de seus cartuns em algum tipo de campanha? Sim. Nós temos com um boletim impresso conhecido como Tecnologia em Dia e existe um espaço para a publicação de Os cientistas. Além disso, existem planos de uma nova reformulação do site do IPT que deverá ter também uma seção exclusiva para os quadrinhos. A idéia é trazer novos cartunistas como colaboradores do site. (Agência Fapesp, 5/10) JC e-mail 2620, de 05 de Outubro de 2004.