Mais da metade da população mundial vive em cidades e a expectativa é que até 2050 o índice salte para 75%. Especialistas defendem que para gerar qualidade de vida, combater problemas do sistema de saúde e até mesmo planejar movimentos econômicos, o poder público, a iniciativa privada e os cidadãos terão que lidar com questões referentes às cidades inteligentes.
Essa foi a opinião levantada por participantes do evento “Mobilidade e Cidades Inteligentes”, realizado em 16 de abril último pela FAPESP em parceria com o Instituto do Legislativo Paulista (ILP).
Foi o quinto evento do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, que contou com a participação do deputado estadual Marco Vinholi, de Leonardo Quintiliano, diretor-executivo do ILP, e de Carlos Américo Pacheco, presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP.
Na avaliação de um dos palestrantes, Fabio Kon, professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP), cada vez mais a tendência será criar aplicações e serviços para a população a partir da coleta e análise de dados, seja em transportes, saúde e coleta de lixo, por exemplo.
“Isso é a base das cidades inteligentes. Porém, a velocidade com que esse movimento vai ocorrer depende de nós, cientistas, depende do Legislativo, das empresas e da população”, disse o membro da Coordenação Adjunta – Pesquisa para Inovação da FAPESP.
Segundo ele, não é raro que a preocupação inicial de prefeituras seja com a compra de determinado produto atrelado às cidades inteligentes. “Isso é uma maneira de se obter uma cidade burra. Saber que hardware comprar é a última coisa a se fazer. Fazer uma cidade inteligente exige ter especialistas e cientistas trabalhando de forma integrada com funcionários da prefeitura para entender quais são as necessidades da população, fazer diagnósticos e elaborar projetos para uma política pública de longo prazo. Somente quando se chega a esse ponto é que se escolhe o produto a comprar ou se é preciso desenvolver um novo”, explica.
Kon apresentou projetos desenvolvidos na USP que possibilitam a criação de políticas públicas baseadas em evidências. Entre eles estava um sistema que monitorava a relação entre sistema de saúde e mobilidade urbana.
“Calculamos quanto as pessoas precisam se deslocar para receber determinado tratamento de saúde. Vimos que elas se deslocam muito. Estudos como esses podem justificar a localização de novos hospitais, ou, se o governo tem dinheiro apenas para investir em um e não cinco hospitais, que o investimento seja feito da melhor maneira possível”, avalia Kon.
Ainda na toada de políticas públicas baseadas em evidências, Marcio Cabral, da startup Scipopulis, empresa apoiada pelo Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), mostrou como o monitoramento em tempo real da frota de ônibus na cidade de São Paulo pode auxiliar na tomada de decisões e melhoria de vida dos passageiros.
“A partir da nossa análise de dados conseguimos responder a perguntas sobre mobilidade urbana e ter uma análise global do trânsito. Com o monitoramento é possível fazer uma análise global tanto para o passageiro, que precisa saber que horas o ônibus vai chegar, quanto para o gestor. A análise para o gestor utiliza também dados históricos para indicar onde há problemas crônicos ou momentâneos que exijam uma ação planejada ou imediata da cidade”, diz Cabral.
Recentemente, a Scipopulis mapeou a cidade de São Paulo com números de linhas de ônibus, escolas, empresas, hospitais. O objetivo foi conseguir, a partir dos dados e smilações, prever quantas pessoas circulam pela cidade e avaliar as interseções das linhas de ônibus da cidade
São Paulo, uma senhora com problemas de saúde
A cidade interfere na economia e na saúde das pessoas. Qual é o peso de morar em uma grande cidade? Segundo Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, é possível identificar o peso da metrópole em seus moradores.
“Em São Paulo, fazemos 15 mil autópsias por ano. É o maior número no mundo e é possível ver as impressões da cidade sobre os corpos. É possível ver as manchas de carbono, de poluição, nos pulmões. A partir de entrevistas com parentes, o patologista consegue saber onde aquela pessoa morava. Com isso, chegou-se à estimativa de que duas horas que a pessoa passa no trânsito de São Paulo equivalem a fumar um cigarro. O trânsito já tem efeito mais nocivo do que ser fumante passivo”, atesta Saldiva.
Ele explicou que as cidades afetam a saúde de seus moradores principalmente em três questões de saúde: obesidade, saúde mental e câncer: “Sabe-se que quanto maior for a cidade, maiores serão as taxas ajustáveis de obesidade, depressão, ansiedade, esquizofrenia e câncer.”
Para o pesquisador, autor do recém-lançado livro Vida Urbana e Saúde (editora Contexto), é possível também traçar um perfil da cidade. “Se São Paulo fosse uma mulher, seria uma senhora de 464 anos obesa que cresceu mais que a estrutura permitia. Teria artérias entupidas com trombos metálicos de quatro rodas, bronquite crônica por poluição e insuficiência renal, com diarreia aquosa em seus rios. Além disso também teria diabetes, por usar energia de forma perdulária, e Alzheimer, por esquecer o que foi feito nas gestões anteriores”, analisa.
Saldiva defende que os temas cidades inteligentes e mobilidade urbana, além de serem uma questão de saúde, estejam relacionados aos direitos fundamentais das pessoas. “A forma como nos locomovemos nas cidades está conectada a essas doenças e também pode ser interpretada como um método de exclusão. Como um jovem que precisa de três horas para se locomover vai estudar e se tornar uma pessoa melhor para a sociedade? Calculamos o preço de mudar, mas ninguém sabe o preço de manter como estamos hoje”, ressalta.
Danilo Igliori, professor na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, falou sobre a relação das cidades com a economia: “Em economia, defendemos que as paisagens econômicas revelam realidades complexas. Quais os custos e os benefícios de morar em uma cidade como São Paulo? Em nossos estudos, vimos que o acesso ao transporte público tem relação com o peso de uma vaga no valor do imóvel.”
Um estudo feito no Departamento de Economia da FEA, a partir de dados de 15 milhões de imóveis, mostrou que quanto mais próximo de uma estação de metrô estiver o imóvel, menor será o peso da vaga de garagem no valor total do imóvel. De acordo com o levantamento, a vaga pode representar até 11,7% do valor total de um imóvel na cidade.
De acordo com o cálculo, uma vaga de estacionamento pode deixar um apartamento de 60 m2 de R$ 14 mil a R$ 238 mil mais caro, dependendo da proximidade do metrô.
O objetivo do ciclo ILP-FAPESP é divulgar estudos de relevante impacto social e econômico realizados por pesquisadores do Estado de São Paulo e que possam dar origem a políticas públicas que beneficiem a sociedade. O próximo evento será no dia 21 de maio, no auditório Teotônio Vilela, na Alesp, com o tema “Inovação na saúde: tecnologias que salvam vidas”.